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94,5% dos venezuelanos vivem na pobreza, diz pesquisa da Universidade Católica Andrés Bello

Nova Pesquisa de Condições de Vida alerta para o aumento da desigualdade no país, que agora tem oito milhões de desempregados.

Crianças e jovens jogam basquete em uma quadra restaurada pelos moradores em um bairro de Caracas. (Foto: Miguel Gutierrez/ EFE)

A Venezuela sem gasolina é mais desigual. É o que mostra a nova Pesquisa de Condições de Vida, apresentada pela Universidade Católica Andrés Bello, de Caracas. O estudo revela como o agravamento da pobreza no país no último ano esteve bastante relacionado à crise de abastecimento de combustível e a redução da mobilidade. As informações são do El País.

O estudo também é o retrato de um país que deixou de ser petrolífero, onde 94,5% dos habitantes são pobres e 76,6% estão abaixo da linha de pobreza extrema. A pesquisa, chamada Encovi, conclui que a paralisação quase total provocada pela escassez de combustível, que não desapareceu nem com os envios de emergência de Teerã (capital do Irã) para Caracas, agravou a recessão.

Os dados mostram que as medidas do Governo contra a covid-19 acabaram catapultando a crise. As iniciativas para frear a pandemia, em um país com uma circulação do vírus semelhante ao que é visto em nações mais isoladas, custaram às crianças um ano e meio fora das salas de aula e levaram à paralisação de parte do setor produtivo, com um esquema de sete dias de quarentena seguidos de sete dias de abertura. “Copiar as medidas contra o vírus de países com contágios como os da América Latina, quando não os temos, reforçou a recessão”, diz um dos pesquisadores da Encovi, o sociólogo Luis Pedro España.

Um dos dados mais preocupantes da pesquisa é o do desemprego, que já afeta 8,1 milhões de venezuelanos —que não têm trabalho nem incentivos para trabalhar. Os que trabalham são 7,6 milhões, ao passo que quase a metade deles gostaria de trabalhar mais horas, já que, devido ao confinamento e à crise de mobilidade, grande parte do país cortou quatro horas da sua jornada. No grupo dos inativos há 3,6 milhões de desalentados que deixaram de procurar emprego e 1,5 milhão de mulheres com filhos que não podem trabalhar por conta das atividades maternas.

Apenas um terço das venezuelanas tem ocupação regular, um índice bem inferior à taxa média da América Latina inclusive depois do retrocesso causado pela pandemia. Entre 2014 e 2021, o emprego formal se reduziu em 21,8 pontos percentuais, o que significa 4,4 milhões de postos de trabalho, 70% dos quais no setor público, e o restante na iniciativa privada. Só no último ano foram eliminadas 1,3 milhão de vagas e, por isso, metade da mão de obra hoje trabalha por conta própria.

As disparidades entre os empregados do setor público e privado também se ampliaram. No setor privado, 58% estão em condição de pobreza extrema, enquanto no setor público são 75%. No outro extremo, quase 10% dos empregados no setor privado não são pobres, enquanto no público só 4% se salvam desta situação. A precariedade do emprego no setor público foi mencionada pela Alta Comisária da ONU para os Direitos Humanos Michelle Bachelet em seu último relatório sobre a Venezuela. Um funcionário pode ganhar apenas 12 dólares por mês, ao passo que um empregado do setor privado recebe em média 38 dólares por mês, e os autônomos têm renda média de 32 dólares.

Com estes números se quantifica a desigualdade, que os pesquisadores calculam em 0,56 neste ano, a maior da região levando em conta a referência dos índices de 2019 —em que o Brasil, então o mais desigual, registrava 0,53. “Em termos de pobreza, a sociedade venezuelana está mais ou menos nivelada em 90%, até a última faixa, especialmente o último décimo da população em que se abre a brecha dos mais ricos”, afirma España. Estima-se que 10% dos venezuelanos concentrem 40% da renda nacional, e os membros deste grupo podem ser até 15 vezes mais ricos que o estrato anterior.

Apesar desses dados, acrescenta o sociólogo, o problema da Venezuela hoje não é a desigualdade, e sim a paralisação da produção e a abissal redução na entrada de divisas, de 90 bilhões de dólares em 2012 para 5 bilhões em 2020, a maior parte procedente das exportações não petroleiras privadas, uma evidência do fim da economia petroleira e estatizada. “Se distribuíssemos toda a renda equitativamente entre as famílias, a média per capita seria de 30 dólares por venezuelano por mês, ou seja, um dólar por pessoa por dia, um cenário em que todos estaríamos na pobreza extrema”, acrescenta.

O Governo de Nicolás Maduro desenvolveu uma intensa política de transferências direta de dinheiro por meio de um bônus em bolívares. No caso das famílias miseráveis, a renda própria chega a no máximo 36 dólares por mês, e as ajudas públicas superam 50 dólares, ou seja, quase 76% da renda total. Desta forma, esse contingente depende totalmente dos bônus, e ainda assim seria preciso ampliar essas ajudas em mais de 30 vezes para poder tirar essas famílias da pobreza extrema.

Crianças sem escola

A Encovi, que reúne a análise de mais de 17.000 entrevistas domiciliares com mais de 800 perguntas, se tornou nos últimos sete anos o único medidor confiável da profunda crise que a Venezuela atravessa, já que há uma opacidade governamental diante de indicadores demográficos, econômicos e sociais e de prestação de contas. De acordo com os dados desse estudo, estima-se que pelo menos 340.000 crianças deixaram de nascer na Venezuela em cinco anos. O impacto da migração, as potenciais mães que foram embora do país e o aumento da mortalidade infantil, chegando a 25,7 por cada 1.000 nascidos vivos, a mesma de 30 anos atrás, alteraram a pirâmide populacional do país. “As condições de vida levaram as gerações nascidas entre 2015 e 2020 a terem três anos menos de vida que as que precederam à crise”, aponta Anitza Freites, coordenadora do estudo.

A população venezuelana diminuiu 1,1% na última meia década, totalizando 28,7 milhões. “Temos um país mais empobrecido e menor em termos demográficos”. Mais de quatro milhões, sendo 90% deles na faixa dos 15 a 49 anos, emigraram nos últimos cinco anos. A razão do êxodo se mantém: falta de emprego. Uma segunda razão para ir embora, a reagrupação familiar, começa a ganhar peso e dá uma amostra das dimensões do êxodo.

O impacto da pandemia na educação fica claro entre aqueles que não aparecem mais nas estatísticas. A cobertura educacional caiu em cinco pontos em apenas um ano, e quase metade das crianças não tem mais acesso à educação inicial. “Em todos os níveis houve diminuição, mas na educação inicial e universitária —que já vinha caindo— se registrou uma grande baixa”, diz Freites.

O contexto da quase inviável educação remota obrigou as famílias a tomarem decisões sobre qual filho permaneceria no sistema educacional e qual deveria sair, privando, assim, os menores de oportunidades e oscolocando sob os encargos das mães —que em 78% dos lares assumiram as tarefas educacionais. “O processo educativo é cumulativo, as competências que se adquirem na educação inicial são fundamentais para a maturação, e a crianças de 3 a 5 anos estão sendo privadas disso”, observa Freites. No caso dos adolescentes de 12 a 17 anos, aumentou a percentagem com atraso escolar.

O fechamento das escolas por mais de um ano, ocorrido em grande parte da América Latina devido às medidas de combate à covid-19, contribuiu para a pobreza e terá consequências que ainda estão por serem avaliadas. A Venezuela é um dos poucos países que não voltaram às aulas presenciais nenhuma vez desde março de 2020, quando a pandemia eclodiu. “É a escola que rompe a reprodução social da pobreza, e ela passou mais de um ano desativada”, questiona España. “Isto fará que a próxima geração de filhos de operários também seja de operários, porque as crianças que ficaram em casa o máximo que vão aprender é o que sua mãe sabe.”


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