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Manaus

Vacinação contra Covid-19 de irmãs médicas da família Lins gera críticas sobre critérios de prioridades em Manaus

Recém-formadas em Medicina, as gêmeas Gabrielle e Isabelle Lins, 24, postaram nas redes sociais quando foram imunizadas na UBS Nilton Lins, onde atuam atendendo pacientes com sintomas leves de Covid-19.

A vacinação de duas médicas recém-formadas nesta terça-feira (19) em Manaus (AM) gerou críticas sobre a falta de prioridade para a imunização de profissionais de saúde mais expostos à Covid-19 na cidade, uma das mais afetadas pela pandemia no Brasil. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.

As irmãs Gabrielle e Isabelle Lins, 24, estão entre os 671 profissionais de saúde imunizados com doses da Coronavac no primeiro dia da campanha de vacinação em Manaus.

Com milhares de seguidores em redes sociais, elas postaram fotos do momento em que recebiam o imunizante, o que levou o prefeito David Almeida (Avante) a anunciar a publicação de uma portaria proibindo a divulgação da vacinação em redes sociais por servidores municipais.

A vacinação ocorreu logo após as irmãs gêmeas, que se formaram no ano passado, terem sido nomeadas pela prefeitura para uma UBS da cidade. Gabrielle foi nomeada na segunda-feira (18) e Isabelle na terça-feira (19), dia da vacinação. A mãe das duas é reitora de uma universidade privada, a UniNilton Lins, que é dona do terreno onde fica a unidade de saúde.

A UBS em que as médicas atuam atende pacientes com sintomas leves do coronavírus desde 12 de janeiro. Os pacientes com sintomas graves são encaminhados para quatro grandes hospitais de referência: Platão Araújo, 28 de Agosto, Delphina Aziz e HUGV (Hospital Universitário Getúlio Vargas).

Enfrentando uma crise de falta de leitos e de oxigênio nos principais hospitais da cidade, Manaus tem mais de 35 mil profissionais de saúde atuando nas redes pública e privada. Segundo a prefeitura, pouco mais de 20 mil deles receberão a imunização contra a Covid-19 na primeira fase da campanha.

Uma médica que atua no Hospital 28 de Agosto disse que as fotos e vídeos postadas pelas irmãs causaram desconforto entre profissionais de saúde de várias unidades que ainda não foram imunizados. Para ela, os primeiros vacinados deveriam ser profissionais dos hospitais de referência para casos graves, onde a exposição ao vírus é maior.

A escolha das irmãs para receber a vacina foi criticada pelo presidente do Sindicato dos Médicos do Amazonas, Mário Vianna. Ele classificou a situação como favorecimento pelo fato de ambas, apesar de médicas, atuarem em uma UBS que recebe casos de Covid-19 há apenas oito dias.

“É evidente que é uma coisa totalmente irregular, no meu entendimento. É claro e cristalino que é uma interferência para pessoas que têm algum poder”, afirma.

“Os profissionais de saúde que deveriam ser vacinados agora são aqueles que estão na linha de frente, dentro da UTI, priorizando os mais idosos e com comorbidades, como diabetes. Não uma pessoa que começou a trabalhar agora e que é jovem e totalmente saudável”, disse Vianna, que defendeu que a prefeitura adote critérios para vacinação mais claros e transparentes.

A Folha procurou as médicas Isabelle e Gabrielle Lins que, por meio da assessoria de imprensa do Hospital Nilton Lins, onde fica a UBS, informaram que são formadas, legalmente habilitadas e exercem a função de clínico geral. Disseram ainda que se colocaram à disposição para prestar esclarecimentos adicionais aos órgãos públicos, se necessário.

Além disso, a prefeitura informou que o plano de vacinação precisou ser revisto porque recebeu apenas metade das doses previstas inicialmente até agora, e que não há ainda, no Executivo municipal, doses garantidas para imunizar todos os profissionais de saúde que estão atuando na linha de frente.

“Vale ressaltar ainda que, diante do cenário da pandemia na cidade, os profissionais que atuam na linha de frente – como é o caso das duas médicas – representam o grupo prioritário da primeira fase da vacinação, segundo o Ministério da Saúde”, diz trecho da nota.

Com oito meses de formada, Gabrielle foi nomeada para o cargo comissionado de gerente de projetos na Secretaria de Saúde de Manaus, enquanto Isabelle, que se graduou no mês passado, foi lotada no gabinete do prefeito.

O prefeito David Almeida afirmou que elas foram contratadas pela prefeitura para atuarem no combate à Covid-19 na UBS Nilton Lins e, por isso, foram imunizadas.

“Se encaixa perfeitamente naquilo que preconiza as normas do governo federal”, justificou, em transmissão nas redes sociais, terça (19) à noite.

Segundo o prefeito, as médicas estavam atendendo as pessoas no consultório e foram imunizadas porque “estavam no seu plantão quando a equipe [de vacinadores] chegou à unidade”.

O prefeito ainda afirmou que as nomeações das irmãs em cargo comissionado foram para antecipar as contratações, diante do desfalque de 122 médicos, que estão afastados. “Não dava tempo para fazer contrato. Se for fazer processo de contratação pela secretaria é 30, 60 dias”, disse Almeida, que no dia 1º de janeiro prorrogou o decreto de calamidade pública por 180 dias.

Almeida ainda afirmou que a vacinação não começou pelos hospitais de referência para Covid-19 porque o governo estadual, que gerencia essas unidades, não informou a prefeitura sobre o número de profissionais de saúde que seriam vacinados.

Ele disse que a imunização desses profissionais deve iniciar nesta quarta (20), atingindo 13.960 servidores estaduais. “Não podemos entrar nas unidades do estado sem autorização e planejamento”, justificou.

A preocupação com os critérios adotados pelas equipes de vacinação se dá também porque prefeituras do Amazonas – entre elas a de Manaus – afirmam que o número de doses recebidas é menor do que o previsto pelo plano de vacinação da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS-AM).

A prefeitura de Manaus informou que, das 80 mil doses anunciadas, recebeu pouco mais de 40 mil. Em Parintins, um dos municípios do interior do Estado que sofre com a falta de oxigênio nos hospitais, apenas 1.069 das 4.974 previstas chegaram.

As reclamações de prefeitos levaram a Defensoria Pública do Amazonas a enviar um ofício ao governo do Amazonas, estabelecendo prazo de 24 horas para o Estado explicar por que o número de doses distribuídas aos municípios é menor do que o anunciado no plano de vacinação.

A Secretaria de Saúde do Amazonas (SES-AM) informou que a vacinação no Amazonas é de responsabilidade das prefeituras. Segundo a pasta, Manaus recebeu 40.072 doses para a primeira fase de imunização de trabalhadores da saúde, idosos com mais de 60 anos e pessoas maiores de 18 anos com deficiência vivendo em instituições, além dos indígenas aldeados acima de 18 anos.

Após a polêmica, a procuradora de Justiça Silvana Nobre informou que a vacinação de grupos não prioritários, mesmo em se tratando de profissionais de saúde, já está sendo investigado pelo Ministério Público do Estado do Amazonas.

“Não podemos deixar que pessoas com comorbidades que estão à frente de todo esse trabalho sejam substituídas ou não sejam contempladas por outros grupos que têm condições de enfrentar esse trabalho contra a Covid-19 com menos risco”, afirmou.

As Defensorias Públicas da União e do Amazonas, o MPT (Ministério Público de Trabalho) e o MPC (Ministério Público de Contas) emitiram uma recomendação nesta quarta (20) para que a Prefeitura de Manaus priorize as pessoas mais vulneráveis na vacinação.

Os órgãos também recomendam que a vacinação seja realizada “a partir de listas nominais de trabalhadores da saúde, previamente elaboradas pelos gestores das unidades com base em critérios de prioridade e risco”, como idade, comorbidade, local de trabalho e atividades de risco que desenvolvem.


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