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Manaus

Seis candidatos de Manaus defendem armar guardar municipal para atrair votos

Na onda do bolsonarismo, candidatos à prefeitura usam a escalada da violência na capital do Amazonas como justificativa para a proposta na segurança pública.

Tema que ganhou força desde a eleição do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), em 2018, o armamento foi resgatado por 6 dos 11 candidatos a prefeito em Manaus, que apostam na proposta de armar a guarda municipal como um chamariz de votos. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.

Manaus é uma das duas únicas cidades do Amazonas (que tem 62 municípios) onde Bolsonaro venceu Fernando Haddad (PT) nas urnas e concentra pouco mais da metade do eleitorado do Estado. Enquanto isso, os principais candidatos de esquerda e de centro são contrários à medida. Cenário semelhante ao de outras capitais, como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, onde a proposta é motivo de discórdia.

Quem é favorável alega que a Constituição permite guarda municipal armada em cidades com mais de 500 mil habitantes e aponta a escalada da violência como justificativa. Em 2019, Manaus registrou 839 homicídios dolosos, o terceiro maior número entre as capitais, atrás de Rio de Janeiro (1.134) e Salvador (974), e 22% maior que São Paulo (653), seis vezes mais populosa. Os dados são do Sinasp (Sistema Nacional de Segurança Pública).

A capital amazonense também atingiu a segunda maior taxa de homicídios dolosos e de latrocínios entre as capitais, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Isso porque todos esses crimes registraram redução em outras capitais, em comparação com 2018.

Já os que são contrários à medida alertam para o risco de aumento dos abusos e da violência policial diante do excludente de ilicitude (tese sobre autorização para matar em suposta ação de legítima defesa). O Amazonas registrou o quarto maior aumento de mortes decorrentes de intervenções policiais em 2019, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020. Foram 88 mortes no ano passado, ante 49 em 2018, um aumento de 76%. Manaus concentra a maioria desses casos: 40 mortes em 2018 e 85 em 2019, o sexto maior número de vítimas de ações policiais entre as capitais.

As cidades onde a polícia mais matou em 2019 foram Rio de Janeiro (724), São Paulo (402) e Salvador (156). Em setembro, relatório do Ministério Público do Amazonas apontou indícios de chacina em uma ação da Polícia Militar no bairro Crespo, na zona sul de Manaus, no dia 30 de outubro de 2019, que resultou em 17 mortos —entre eles três adolescentes de 17, 16 e 14 anos.

Em agosto, a Justiça Federal determinou a suspensão de uma operação realizada pela PM na região do rio Abacaxis, no sul do Amazonas, após denúncias de abusos e tortura praticados por PMs contra indígenas e ribeirinhos.

A Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) nega as acusações e alega que, em ambos os casos, os policiais revidaram a disparos feitos por bandidos e que os suspeitos mortos e presos após os confrontos integravam organizações criminosas ligadas ao tráfico de drogas. No caso do rio Abacaxis, um deles ainda estava envolvido no homicídio de dois policiais.

Entre os entusiastas da medida de armar a guarda municipal estão os quatro candidatos declaradamente bolsonaristas: Romero Reis (Novo), Chico Preto (DC), Coronel Menezes (Patriota) e o deputado federal Capitão Alberto Neto (Republicanos).

De longe o mais popular nas redes sociais, com 168 mil seguidores no Instagram, ante cerca de 50 mil dos concorrentes, Alberto Neto já defendeu, em entrevistas a rádios e TVs locais, que “policial tem que atirar para matar bandido”.

“Não é admissível ver os nossos guardas enfrentarem bandidos armados sem terem sequer como se proteger”, diz o candidato, que é vice-líder do governo Bolsonaro na Câmara dos Deputados.

Alinhado com o presidente, de quem é amigo pessoal há mais de 30 anos, o coronel do Exército Alfredo Menezes também defende o armamento da guarda municipal e diz que vai destacar o próprio vice, que é delegado, para treiná-la.

Estreante na política, o empresário Romero Reis quer treinar e armar a guarda para atuar no circuito turístico. Já David Almeida (Avante) defende que a guarda municipal armada seja um “braço” da segurança pública e, para isso, pretende criar também uma corregedoria.

Enquanto isso, Ricardo Nicolau (PSD) defende a contratação de PMs para atuarem nas patrulhas comunitárias nos dias de folga para reforçar a atuação dos guardas municipais, que serão treinados e armados. É o mesmo plano do candidato Chico Preto, que quer ainda dobrar o efetivo da guarda. “A gente não pode acreditar que vai proteger o povo com um pedaço de pau e um apito.”

Entre os candidatos a prefeito de Manaus, o principal opositor da proposta de armar a guarda civil é José Ricardo (PT). “Temos que ampliar o contingente para que possa ter uma atuação mais ampla na cidade. E não necessariamente estar armada”, disse.

Os outros dois candidatos de partidos de esquerda, Gilberto Vasconcelos (PSTU) e Marcelo Amil (PC do B), também são contrários à ideia. Enquanto Amil pretende quadruplicar o efetivo da guarda municipal e investir em armamentos não letais, e integração com a PM, Vasconcelos aposta na inteligência e nos investimentos em infraestrutura, como iluminação.

“Armamento para a guarda vai simplesmente aumentar a escalada da violência que já existe nas periferias”, disse o candidato do PSTU.

Para o ex-prefeito e ex-governador Amazonino Mendes (Podemos), “a guarda municipal só deve atuar armada em ocasiões excepcionais e locais onde há grave ameaça ao cidadão e aos seus próprios membros”.

Alfredo Nascimento (PL) foi o único que não respondeu à reportagem. Porém, ele já se posicionou favorável ao armamento. Entre os eleitores, há quem concorde com a proposta. É o caso da feirante Auxiliadora dos Anjos, 67. “Eles têm que usar arma. Os bandidos vão atacar armados e como eles vão nos proteger, sem armas?”, questiona.

Para outros, como o vendedor de frutas Paulo Oliveira, 29, criar mais uma força armada pode aumentar os casos de violência policial, principalmente na periferia. “Vai gerar mais violência, porque a corrupção já está dentro da polícia.”

Essa é a mesma preocupação da vendedora Rose Seixas, 51, que defende o aumento do efetivo, e não o armamento. “Não precisa estar armado, precisa estar presente.”

A Associação dos Guardas Municipais de Manaus é favorável ao armamento, mas defende também a criação de um estatuto e de um Plano de Cargos, Carreiras e Vencimentos, além de concurso público e investimento em infraestrutura para compra de coletes balísticos a viaturas.

Eleito em 2018, o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), “pegou carona” na popularidade de Bolsonaro. Defendendo as mesmas bandeiras, repetiu o desempenho do presidente nas urnas do Estado: Lima perdeu para Amazonino Mendes em 47 das 61 zonas eleitorais do interior, mas venceu nas 13 da capital, que concentra 53% da população do Estado.

Lima também seguiu a linha de atuação de Bolsonaro no combate à pandemia de Covid-19 no Amazonas. Apesar de ter sido a primeira capital a ter o sistema de saúde colapsado pela pandemia, com enterros em valas coletivas, Manaus não passou por um “lockdown”.

Para o epidemiologista da Fiocruz Jesem Orellana, a capital amazonense vive uma segunda onda de Covid-19, com registro de 865 novos casos em apenas um dia, em 28 de outubro, e taxa de ocupação de 70% nos leitos de UTI para Covid-19.

No fim de outubro, o Governo do Amazonas estendeu por mais 30 dias a proibição de funcionamento a bares, casas noturnas e de eventos, praias, balneários e flutuantes, que estão fechados desde 27 de setembro. Mas as escolas seguem com aulas presenciais.


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