Brasil
STF suspende liberação de agrotóxicos sem estudos sobre impactos à saúde e ao meio ambiente
Rede e Psol questionaram portaria do Mapa que liberava o registro tácito de agrotóxicos e afins
O Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, concedeu medida cautelar para suspender os efeitos de dispositivos da Portaria 43/2020 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que libera o registro tácito de agrotóxicos e afins. A decisão, divulgada hoje (23) no site da Corte, foi tomada na sessão virtual do Plenário concluída no último dia 15, no julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) 656 e 658, ajuizadas respectivamente pelo partido Rede Sustentabilidade e pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).
O Plenário acompanhou o voto do relator, ministro Ricardo Lewandowski, no sentido de suspender a eficácia dos itens 64 a 68 da Tabela 1 do artigo 2º da Portaria 43/2020, referente aos prazos para a aprovação tácita de agrotóxicos, com dispensa da análise pelos órgãos competentes de vigilância ambiental e sanitária.
Os dispositivos questionados fixam prazo prazo de 180 dias para a manifestação da autoridade sobre o registro de fertilizante e de 60 dias para aprovação automática. Na ausência de manifestação conclusiva da Secretaria de Defesa Agropecuária sobre a liberação, considera-se que houve aprovação tácita.
Nas ações, os partidos argumentam que a medida incentiva e facilita o acesso e o consumo desses produtos sem a realização de estudos relativos à saúde e ao meio ambiente. Segundo a Rede e o PSOL, o país tem uma legislação segura para a regulação do uso de fertilizantes e agrotóxicos (Lei 7.802/1989 e Decreto 4.074/2002), mas que o Ministério do Meio Ambiente, a pretexto de regulamentar a Lei de Liberdade Econômica (Lei 13.874/2019), relativizou a aplicação das regras, em ofensa aos preceitos constitucionais de proteção à vida, à saúde humana, à função social da propriedade, à compatibilização entre a atividade econômica e a defesa do meio ambiente, entre outros argumentos.
O ministro Lewandowski assinalou que, da Constituição Federal, é possível deduzir diversos princípios que traduzem um verdadeiro direito constitucional ambiental, dentre eles o da precaução. “Isso significa que, onde existam ameaças de riscos sérios ou irreversíveis, não será utilizada a falta de certeza científica total como razão para o adiamento de medidas eficazes, em termos de custo, para evitar a degradação ambiental”, afirmou.
No caso, porém, o ministro entende que a portaria cria uma lógica inversa: diante da possível demora na análise de registros de agrotóxicos, fertilizantes e diversos produtos químicos indiscutivelmente prejudiciais à saúde, e esgotado o curto prazo para essa averiguação, considera-se tacitamente aprovada a sua liberação para utilização indiscriminada. “A portaria ministerial, sob a justificativa de regulamentar a atuação estatal acerca do exercício de atividade econômica relacionada a agrotóxicos no país, para imprimir diretriz governamental voltada para maior liberdade econômica, feriu direitos consagrados e densificados após
séculos de reivindicações sociais com vistas a configurar a dignidade humana como valor supremo da ordem jurídica e principal fundamento da República Federativa do Brasil”, afirmou.
A partir dessas premissas, o ministro concluiu que não é aceitável que uma norma posterior (e, sendo uma portaria, de hierarquia normativa inferior) estabeleça a liberação tácita do registro de uma substância química ou agrotóxica sem examinar, com o devido rigor, os requisitos básicos de segurança para sua utilização por seres humanos. O relator destacou ainda o perigo de grave lesão à saúde pública que a liberação indiscriminada de agrotóxicos poderia causar, em momento de vulnerabilidade do sistema de saúde decorrente da pandemia da Covid-19.
O Tribunal ainda julgará o mérito das ações em data a ser definida.
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