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Economia

Economistas, banqueiros e empresários criticam falta de medidas contra a pandemia e cobram autoridades

Por meio de uma carta, o grupo chama a atenção para o atual momento crítico da pandemia e apresentam sugestões que podem contribuir para aliviar o que consideram um grave cenário.

Roberto Setúbal e Pedro Moreira Sales, representantes do Conselho de Administração do Itaú Unibanco Holding também assinam a carta. (Foto: Eduardo Knapp/Folhapress)

Mais de 500 economistas, banqueiros e empresários do país assinaram e divulgaram, neste domingo (21), uma carta aberta em que pedem medidas mais eficazes para o combate à pandemia do novo coronavírus. Em um texto com vários dados, o grupo chama a atenção para o atual momento crítico da pandemia e de seus riscos para o país, e também detalha medidas que podem contribuir para aliviar o que consideram um grave cenário.

A carta é a primeira manifestação de peso de representantes da área econômica no atual pico de contágios e mortes. Nos últimos meses, alguns economistas e acadêmicos começaram a fazer críticas pontuais sobre o combate à Covid-19, mas a maioria não havia se posicionado publicamente até então.

“Estamos no limiar de uma fase explosiva da pandemia e é fundamental que a partir de agora as políticas públicas sejam alicerçadas em dados, informações confiáveis e evidência científica. Não há mais tempo para perder em debates estéreis e notícias falsas. Precisamos nos guiar pelas experiências bem-sucedidas, por ações de baixo custo e alto impacto, por iniciativas que possam reverter de fato a situação sem precedentes que o país vive”, afirmaram.

Sem citar o nome do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o documento afirma que a postura adotada por líderes políticos pode fazer diferença tanto para o bem quanto para o mal e, dependendo, reforçar normas antissociais, dificultar a adesão da população a comportamentos responsáveis, ampliar o número de infectados e de mortes e aumentar os custos que o país incorre.

“O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração e o flerte com o movimento antivacina, caracterizou a liderança política maior no país”, afirmam.

O texto diz ainda que a situação econômica e social trazida pelo agravamento da pandemia é desoladora, e pode insurgir uma nova contração da atividade no primeiro trimestre deste ano.

“Essa recessão […] não será superada enquanto a pandemia não for controlada por uma atuação competente do governo federal. Este subutiliza e utiliza mal os recursos de que dispõe, inclusive por ignorar ou negligenciar a evidência científica no desenho das ações para lidar com a pandemia”, dizem.

O documento aponta que é falso o dilema entre salvar vidas e garantir o sustento da população vulnerável e que dados preliminares de óbitos e desempenho econômico sugerem que os países com pior desempenho econômico tiveram mais mortes de Covid-19, como mostrou reportagem da Folha.

Entre as quatro medidas citadas na carta como indispensáveis para o combate à pandemia, estão a aceleração do ritmo de vacinação, o incentivo ao uso de máscaras –tanto com distribuição gratuita quanto com orientação educativa–, a implementação de medidas de distanciamento social e a criação de um mecanismo de coordenação do combate à pandemia em âmbito nacional, orientado por uma comissão de cientistas e especialistas.

Segundo o economista Marco Bonomo, que participou da redação do texto, há um senso de urgência em relação ao problema. A expectativa era que a carta fosse encaminhada aos representantes dos três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) ainda neste domingo.

A mobilização chama a atenção não apenas pelo grande número de adeptos, mas também pela diversidade dos apoiadores.

Entre os economistas, por exemplo, estão Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia da USP, Sandra Rios, diretora no Cindes (Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento), Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, e Elena Landau, economista, advogada e presidente do Conselho Acadêmico do Livres.

“O comentário que eu mais ouvi das pessoas hoje foi que a sociedade está se movendo. E isso precisa acontecer rápido. Não é possível que você não possa avançar com proteção social. [Essa carta] vem para enfatizar coisas que a ciência e os médicos de todo o mundo já falam há algum tempo. Não há discurso entre salvar vidas e salvar a economia. E a carta vem de economistas, exatamente para ficar claro que não existe esse dilema”, disse Elena Landau.

A carta tem também a chancela de Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, co-presidentes do conselho de administração do Itaú Unibanco, sinalizando que a mensagem tem eco em outros segmentos da economia.

Setubal e Moreira Salles estão entre as famílias mais ricas do Brasil e detêm o controle de grandes companhias. Os Setubal, por exemplo, têm participação acionária na Itaúsa, que controla empresas como Duratex. Os Moreira Salles têm o fundo Cambuhy que, junto com Itáusa, está no bloco de controle da Alpargatas, e também controlam empresas como a CBMM (Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração), a Revista Piauí e o Instituto Moreira Salles.

Também há representantes diretamente ligados ao setor produtivo, entre eles Pedro Parente, presidente do conselho de administração da BRF, que detém as marcas Sadia e Perdigão, e Paulo Hartung, ex-governador do Espírito Santo e hoje presidente-executivo da Ibá (entidade que representa a cadeia produtiva de árvores, papel e celulose).

Entre os investidores que endossam a mensagem estão Luis Stuhlberger, sócio da Verde Asset, que administra um dos fundos mais rentáveis da história do Brasil, e Fersen Lambranho, presidente do conselho de administração da GP Investments, que tem mais de US$ 5 bilhões (R$ 27,5 bilhões) aplicados em 17 setores.

Economistas ligados ao banco Credit Suisse são outro destaque. Assinam a carta o presidente da instituição, José Olympio Pereira, o presidente do conselho de administração e também ex-presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, e a economista-chefe do banco, Solange Srour, que é colunista da Folha.

Ainda prestam apoio à mensagem outros ex-presidentes do Banco Central, como Armínio Fraga, Affonso Celso Pastore, Gustavo Loyola, bem como ex-ministros da Fazenda, como Pedro Malan, Marcílio Marques Moreira e Rubens Ricupero.

A ideia de criar a carta surgiu em um grupo de WhatsApp no qual se reúnem mais de 200 economistas, criado em 2015. Diante do agravamento da pandemia, os participantes começaram a pensar em uma manifestação mais formal sobre quais os problemas a serem enfrentados. Para redigir a carta foram escolhidos cinco relatores.

“A pandemia é um tema de primeira ordem na discussão nacional, e a ideia [da carta] é ser uma contribuição propositiva, com a nossa visão sobre o tema. Existem questões complexas que precisam ser melhor atendidas. Nem tudo o que está no documento é do acordo de todos os economistas do grupo, mas um número representativo assinou a carta que, agora, também ganhou assinatura de economistas de outras esferas”, afirmou Flávio Ataliba, economista e secretário-executivo de Planejamento e Orçamento da Seplag (Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará).

Além do ritmo lento e da insuficiência das vacinas no país diante do risco de surgimento de novas cepas do vírus, a carta também traz ponderações sobre a necessidade de limitação da mobilidade e sobre o custo que a pandemia já teve para o Brasil.

“A falta de vacinas é o principal gargalo. Impressiona a negligência com as aquisições, dado que, desde o início da pandemia, foram desembolsados R$ 528,3 bilhões em medidas de combate à pandemia”, diz o documento.

O cálculo mostra que a consequente redução da atividade pela demora em adotar políticas públicas mais adequadas custou uma perda tributária de R$ 58 bilhões só no âmbito federal, enquanto o atraso da vacinação irá custar R$ 131,4 bilhões aos cofres públicos em 2021 em termos de produto ou renda não gerada e supondo uma recuperação retardatária em dois trimestres.

Leia a carta na íntegra.

CARTA ABERTA À SOCIEDADE REFERENTE A MEDIDAS DE COMBATE À PANDEMIA

O Brasil é hoje o epicentro mundial da Covid-19, com a maior média móvel de novos casos.

Enquanto caminhamos para atingir a marca tétrica de 3 mil mortes por dia e um total de mortes acumuladas de 300 mil ainda esse mês, o quadro fica ainda mais alarmante com o esgotamento dos recursos de saúde na grande maioria de estados, com insuficiente número de leitos de UTI, respiradores e profissionais de saúde. Essa situação tem levado a mortes de pacientes na espera pelo atendimento, contribuindo para uma maior letalidade da doença.

A situação econômica e social é desoladora. O PIB encolheu 4,1% em 2020 e provavelmente observaremos uma contração no nível de atividade no primeiro trimestre deste ano. A taxa de desemprego, por volta de 14%, é a mais elevada da série histórica, e subestima o aumento do desemprego, pois a pandemia fez com que muitos trabalhadores deixassem de procurar emprego, levando a uma queda da força de trabalho entre fevereiro e dezembro de 5,5 milhões de pessoas.

A contração da economia afetou desproporcionalmente trabalhadores mais pobres e vulneráveis, com uma queda de 10,5% no número de trabalhadores informais empregados, aproximadamente duas vezes a queda proporcional no número de trabalhadores formais empregados.

Esta recessão, assim como suas consequências sociais nefastas, foi causada pela pandemia e não será superada enquanto a pandemia não for controlada por uma atuação competente do governo federal. Este subutiliza ou utiliza mal os recursos de que dispõe, inclusive por ignorar ou negligenciar a evidência científica no desenho das ações para lidar com a pandemia. Sabemos que a saída definitiva da crise requer a vacinação em massa da população. Infelizmente, estamos atrasados. Em torno de 5% da população recebeu ao menos uma dose de vacina, o que nos coloca na 45ª posição no ranking mundial de doses aplicadas por habitante.

O ritmo de vacinação no país é insuficiente para vacinar os grupos prioritários do Plano Nacional de Imunização (PNI) no 1º semestre de 2021, o que amplia o horizonte de vacinação para toda a população para meados de 2022.

As consequências são inomináveis. No momento, o Brasil passa por escassez de doses de vacina, com recorrentes atrasos no calendário de entregas e revisões para baixo na previsão de disponibilidade de doses a cada mês. Na semana iniciada em 8 de março foram aplicadas, em média, apenas 177 mil doses por dia.

No ritmo atual, levaríamos mais de 3 anos para vacinar toda a população. O surgimento de novas cepas no país (em especial a P.1) comprovadamente mais transmissíveis e potencialmente mais agressivas, torna a vacinação ainda mais urgente. A disseminação em larga escala do vírus, além de magnificar o número de doentes e mortos, aumenta a probabilidade de surgirem novas variantes com potencial de diminuir a eficácia das vacinas atuais.

Vacinas são relativamente baratas face ao custo que a pandemia impõe à sociedade. Os recursos federais para compra de vacinas somam R$ 22 bilhões, uma pequena fração dos R$ 327 bilhões desembolsados nos programas de auxílio emergencial e manutenção do emprego no ano de 2020.

Vacinas têm um benefício privado e social elevado, e um custo total comparativamente baixo. Poderíamos estar em melhor situação, o Brasil tem infraestrutura para isso. Em 1992, conseguimos vacinar 48 milhões de crianças contra o sarampo em apenas um mês.

Na campanha contra a Covid-19, se estivéssemos vacinando tão rápido quanto a Turquia, teríamos alcançado uma proporção da população duas vezes maior, e se tanto quanto o Chile, dez vezes maior. A falta de vacinas é o principal gargalo. Impressiona a negligência com as aquisições, dado que, desde o início da pandemia, foram desembolsados R$ 528,3 bilhões em medidas de combate à pandemia,

incluindo os custos adicionais de saúde e gastos para mitigação da deteriorada situação econômica. A redução do nível da atividade nos custou uma perda de arrecadação tributária apenas no âmbito federal de 6,9%, aproximadamente R$ 58 bilhões, e o atraso na vacinação irá custar em termos de produto ou renda não gerada nada menos do que estimados R$ 131,4 bilhões em 2021, supondo uma recuperação retardatária em 2 trimestres.

Nesta perspectiva, a relação benefício custo da vacina é da ordem de seis vezes para cada real gasto na sua aquisição e aplicação. A insuficiente oferta de vacinas no país não se deve ao seu elevado custo, nem à falta de recursos orçamentários, mas à falta de prioridade atribuída à vacinação.

O quadro atual ainda poderá deteriorar-se muito se não houver esforços efetivos de coordenação nacional no apoio a governadores e prefeitos para limitação de mobilidade. Enquanto se busca encurtar os tempos e aumentar o número de doses de vacina disponíveis, é urgente o reforço de medidas de distanciamento social. Da mesma forma é essencial a introdução de incentivos e políticas públicas para uso de máscaras mais eficientes, em linha com os esforços observados na União Europeia e nos Estados Unidos.

A controvérsia em torno dos impactos econômicos do distanciamento social reflete o falso dilema entre salvar vidas e garantir o sustento da população vulnerável. Na realidade, dados preliminares de óbitos e desempenho econômico sugerem que os países com pior desempenho econômico tiveram mais óbitos de Covid-19. A experiência mostrou que mesmo países que optaram inicialmente por evitar o lockdown terminaram por adotá-lo, em formas variadas, diante do agravamento da pandemia – é o caso do Reino Unido, por exemplo. Estudos mostraram que diante da aceleração de novos casos, a população responde ficando mais avessa ao risco sanitário, aumentando o isolamento voluntário e levando à queda no consumo das famílias mesmo antes ou sem que medidas restritivas formais sejam adotadas.15 A recuperação econômica, por sua vez, é lenta e depende da retomada de confiança e maior previsibilidade da situação de saúde no país.

Logo, não é razoável esperar a recuperação da atividade econômica em uma epidemia descontrolada.

O efeito devastador da pandemia sobre a economia tornou evidente a precariedade do nosso sistema de proteção social. Em particular, os trabalhadores informais, que constituem mais de 40% da força de trabalho, não têm proteção contra o desemprego. No ano passado, o auxílio emergencial foi fundamental para assistir esses trabalhadores mais vulneráveis que perderam seus empregos, e levou a uma redução da pobreza, evidenciando a necessidade de melhoria do nosso sistema de proteção social. Enquanto a pandemia perdurar, medidas que apoiem os mais vulneráveis, como o auxílio emergencial, se fazem necessárias. Em paralelo, não devemos adiar mais o encaminhamento de uma reforma no sistema de proteção social, visando aprimorar a atual rede de assistência social e prover seguro aos informais. Uma proposta nesses moldes é o programa de Responsabilidade Social, patrocinado pelo Centro de Debate de Políticas Públicas, encaminhado para o Congresso no final do ano passado.

Outras medidas de apoio às pequenas e médias empresas também se fazem necessárias. A experiência internacional com programas de aval público para financiamento privado voltado para pequenos empreendedores durante um choque negativo foi bem-sucedida na manutenção de emprego, gerando um benefício líquido positivo à sociedade.

O aumento em 34,7% do endividamento dos pequenos negócios durante a pandemia amplifica essa necessidade. A retomada de linhas avalizadas pelo Fundo Garantidor para Investimentos e Fundo de Garantia de Operações é uma medida importante de transição entre a segunda onda e o pós-crise.

Estamos no limiar de uma fase explosiva da pandemia e é fundamental que a partir de agora as políticas públicas sejam alicerçadas em dados, informações confiáveis e evidência científica. Não há mais tempo para perder em debates estéreis e notícias falsas. Precisamos nos guiar pelas experiências bem-sucedidas, por ações de baixo custo e alto impacto, por iniciativas que possam reverter de fato a situação sem precedentes que o país vive.

Medidas indispensáveis de combate à pandemia: a vacinação em massa é condição sine qua non para a recuperação econômica e redução dos óbitos.

1. Acelerar o ritmo da vacinação. O maior gargalo para aumentar o ritmo da vacinação é a escassez de vacinas disponíveis. Deve-se, portanto, aumentar a oferta de vacinas de forma urgente. A estratégia de depender da capacidade de produção local limitou a disponibilidade de doses ante a alternativa de pré-contratar doses prontas, como fez o Chile e outros países. Perdeu-se um tempo precioso e a assinatura de novos contratos agora não garante oferta de vacinas em prazo curto. É imperativo negociar com todos os laboratórios que dispõem de vacinas já aprovadas por agências de vigilância internacionais relevantes e buscar antecipação de entrega do maior número possível de doses. Tendo em vista a escassez de oferta no mercado internacional, é fundamental usar a política externa – desidratada de ideologia ou alinhamentos automáticos – para apoiar a obtenção de vacinas, seja nos grandes países produtores seja nos países que têm ou terão excedentes em breve.

A vacinação é uma corrida contra o surgimento de novas variantes que podem escapar da imunidade de infecções passadas e de vacinas antigas. As novas variantes surgidas no Brasil tornam o controle da pandemia mais desafiador, dada a maior transmissibilidade.

Com o descontrole da pandemia é questão de tempo até emergirem novas variantes. O Brasil precisa ampliar suas capacidades de sequenciamento genômico em tempo real, de compartilhar dados com a comunidade internacional e de testar a eficácia das vacinas contra outras variantes com máxima agilidade. Falhas e atrasos nesse processo podem colocar em risco toda a população brasileira, e também de outros países.

2. Incentivar o uso de máscaras tanto com distribuição gratuita quanto com orientação educativa. Economistas estimaram que se os Estados Unidos tivessem adotado regras de uso de máscaras no início da pandemia poderiam ter reduzido de forma expressiva o número de óbitos. Mesmo se um usuário de máscara for infectado pelo vírus, a máscara pode reduzir a gravidade dos sintomas, pois reduz a carga viral inicial que o usuário é exposto. Países da União Europeia e os Estados Unidos passaram a recomendar o uso de máscaras mais eficientes – máscaras cirúrgicas e padrão PFF2/N95 – como resposta às novas variantes. O Brasil poderia fazer o mesmo, distribuindo máscaras melhores à população de baixa renda, xplicando a importância do seu uso na prevenção da transmissão da Covid.

Máscaras com filtragem adequada têm preços a partir de R$ 3 a unidade. A distribuição gratuita direcionada para pessoas sem condições de comprá-las, acompanhada de instrução correta de reuso, teria um baixo custo frente aos benefícios de contenção da Covid-1923. Considerando o público do auxílio emergencial, de 68 milhões de pessoas, por exemplo, e cinco reusos da máscara, tal como recomenda o Center for Disease Control do EUA, chegaríamos a um custo mensal de R$ 1 bilhão. Isto é, 2% do gasto estimado mensal com o auxílio emergencial. Embora leis de uso de máscara ajudem, informar corretamente a população e as lideranças darem o exemplo também é importante, e tem impacto na trajetória da epidemia. Inversamente, estudos mostram que mensagens contrárias às medidas de prevenção afetam a sua adoção pela população, levando ao aumento do contágio.

3. Implementar medidas de distanciamento social no âmbito local com coordenação nacional. O termo “distanciamento social” abriga uma série de medidas distintas, que incluem a proibição de aglomeração em locais públicos, o estímulo ao trabalho a distância, o fechamento de estabelecimentos comerciais, esportivos, entre outros, e – no limite – escolas e creches. Cada uma dessas medidas tem impactos sociais e setoriais distintos. A melhor combinação é aquela que maximize os benefícios em termos de redução da transmissão do vírus e minimize seus efeitos econômicos, e depende das características da geografia e da economia de cada região ou cidade. Isso sugere que as decisões quanto a essas medidas devem ser de responsabilidade das autoridades locais.

Com o agravamento da pandemia e esgotamento dos recursos de saúde, muitos estados não tiveram alternativa senão adotar medidas mais drásticas, como fechamento de todas as atividades não-essenciais e o toque de recolher à noite. Os gestores estaduais e municipais têm enfrentado campanhas contrárias por parte do governo federal e dos seus apoiadores. Para maximizar a efetividade das medidas tomadas, é indispensável que elas sejam apoiadas, em especial pelos órgãos federais. Em particular, é imprescindível uma coordenação em âmbito nacional que permita a adoção de medidas de caráter nacional, regional ou estadual, caso se avalie que é necessário cercear a mobilidade entre as cidades e/ou estados ou mesmo a entrada de estrangeiros no país.

A necessidade de adotar um lockdown nacional ou regional deveria ser avaliado. É urgente que os diferentes níveis de governo estejam preparados para implementar um lockdown emergencial, definindo critérios para a sua adoção em termos de escopo, abrangência das atividades cobertas, cronograma de implementação e duração.

Ademais, é necessário levar em consideração que o acréscimo de adesão ao distanciamento social entre os mais vulneráveis depende crucialmente do auxílio emergencial. Há sólida evidência de que programas de amparo socioeconômico durante a pandemia aumentaram o respeito às regras de isolamento social dos beneficiários. É, portanto, não só mais justo como mais eficiente focalizar a assistência nas populações de baixa renda, que são mais expostas nas suas atividades de trabalho e mais vulneráveis financeiramente.

Dentre a combinação de medidas possíveis, a questão do funcionamento das escolas merece atenção especial. Há estudos mostrando que não há correlação entre aumento de casos de infecção e reabertura de escolas no mundo26. Há também informações sobre o nível relativamente reduzido de contágio nas escolas de São Paulo após sua abertura.

As funções da escola, principalmente nos anos do ensino fundamental, vão além da transmissão do conhecimento, incluindo cuidados e acesso à alimentação de crianças, liberando os pais – principalmente as mães – para o trabalho. O fechamento de escolas no Brasil atingiu de forma mais dura as crianças mais pobres e suas mães. A evidência mostra que alunos de baixa renda, com menor acesso às ferramentas digitais, enfrentam maiores dificuldade de completar as atividades educativas, ampliando a desigualdade da formação de capital humano entre os estudantes28.

Portanto, as escolas devem ser as últimas a fechar e as primeiras a reabrir em um esquema de distanciamento social. Há aqui um papel fundamental para o Ministério da Educação em cooperação com o Ministério da Saúde na definição e comunicação de procedimentos que contribuam para a minimização dos riscos de contágio nas escolas, além do uso de ferramentas comportamentais para retenção da evasão escolar, como o uso de mensagens de celular como estímulo para motivar os estudantes, conforme adotado em São Paulo e Goiás.

4. Criar mecanismo de coordenação do combate à pandemia em âmbito nacional – preferencialmente pelo Ministério da Saúde e, na sua ausência, por consórcio de governadores – orientada por uma comissão de cientistas e especialistas, se tornou urgente. Diretrizes nacionais são ainda mais necessárias com a escassez de vacinas e logo a necessidade de definição de grupos prioritários; com as tentativas e erros no distanciamento social; a limitada compreensão por muitos dos pilares da prevenção, particularmente da importância do uso de máscara, e outras medidas no âmbito do relacionamento social.

Na ausência de coordenação federal, é essencial a concertação entre os entes subnacionais, consórcio para a compra de vacinas e para a adoção de medidas de supressão.

O papel de liderança: Apesar do negacionismo de alguns poucos, praticamente todos os líderes da comunidade internacional tomaram a frente no combate ao Covid-19 desde março de 2020, quando a OMS declarou o caráter pandêmico da crise sanitária. Informando, notando a gravidade de uma crise sem precedentes em 100 anos, guiando a ação dos indivíduos e influenciado o comportamento social.

Líderes políticos, com acesso à mídia e às redes, recursos de Estado, e comandando atenção, fazem a diferença: para o bem e para o mal. O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração, e o flerte com o movimento antivacina, caracterizou a liderança política maior no país. Essa postura reforça normas antissociais, dificulta a adesão da população a comportamentos responsáveis, amplia o número de infectados e de óbitos, aumenta custos que o país incorre.

O país pode se sair melhor se perseguimos uma agenda responsável. O país tem pressa; o país quer seriedade com a coisa pública; o país está cansado de ideias fora do lugar, palavras inconsequentes, ações erradas ou tardias. O Brasil exige respeito.

 

Com informações da Folha.


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