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Economia

Cientistas relatam atraso no pagamento para validar projetos de pesquisa

As unidades de pesquisa nacionais, vinculadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia, são os principais centros atingidos com esses atrasos.

Pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA,) em Manaus (AM), observa prédio de pesquisa abandonado. A instituição é um dos centros atingidos com a falta de recursos. (Foto: Bruno Kelly/Folhapress)

Pesquisadores brasileiros têm vivido meses de instabilidade. Após um ano de 2020 marcado pela pandemia, com atrasos para assinatura de propostas e validação de projetos de pesquisa, o pagamento das bolsas referentes ao primeiro mês de 2021, normalmente feitos até o quinto dia útil do mês, veio com mais de cinco dias de atraso. As informações foram publicadas nesta sexta-feira,19/02, pela Folha.

Pior: os cientistas agora não sabem se terão como pagar o aluguel no próximo mês, uma vez que os acordos, assinados normalmente até o 15˚ dia do mês, ainda não foram firmados.

A situação se refere ao chamado PCI (Programa de Capacitação Institucional), principal fomento para jovens pesquisadores, em geral recém-doutores, se vincularem a um laboratório de pesquisa, participar de um projeto e receber, por até cinco anos, um financiamento para pesquisa enquanto aguardam, por exemplo, a abertura de vagas por meio de concursos públicos.

As unidades de pesquisa nacionais, vinculadas ao Ministério da Ciência e Tecnologia, são os principais centros atingidos com esses atrasos.

As bolsas PCI não são equivalentes às bolsas de pós-graduação, destinadas a alunos de mestrado e doutorado que desenvolvem projetos de pesquisa no país em universidades e laboratórios públicos, mas elas são pagas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), ligado ao MCTI, que também apoia os programas de pós-graduação no país.

Em geral, os institutos recebem o orçamento anual com a determinação de quantas bolsas PCI irá receber e, a partir daí, fazem o processo seletivo para escolha dos projetos, que podem durar até seis anos.

As bolsas são divididas em categorias de acordo com o nível do pesquisador: aqueles que tem título de doutor ou pós-doutorado, são elencados para níveis mais altos, e os valores mais baixos contemplam estudantes de iniciação científica e mestrado. Mas mesmo pós-doutores, muitas vezes, acabam sendo selecionados para as categorias inferiores pela falta de melhores oportunidades e por terem maior qualificação.

A bióloga e pesquisadora do Instituto Nacional da Mata Atlântica (INMA), Thais Condez, foi aprovada em uma seleção feita em julho de 2019, a penúltima no país, com projeto de pesquisa para avaliar a diversidade de anfíbios e répteis associados a ambientes rochosos na mata atlântica. Depois de renovações picadas em 2020, ela afirma que não há, até o momento, definição se a bolsa irá continuar em 2021. O projeto foi aprovado para até 2023.

Com duas pesquisas de pós-doutorado concluídas, a herpetóloga disse que começou a buscar oportunidades no exterior. “Sou extremamente qualificada e recebo no país uma bolsa de pesquisa que o governo entende não ser de relevância. Isso é, infelizmente, a realidade de muitos doutores e pós-doutores, que estão sem emprego no país e buscam o que dá, até mesmo receber bolsas de valor baixo, como R$ 1.000, para se associar a um laboratório.”

Como só existem dois servidores concursados em todo o instituto, o quadro de pesquisadores do INMA consiste quase integralmente ao de bolsistas PCI. “Somos 30 pesquisadores que entraram em 2019, atuando em diversas áreas de pesquisa, desde conservação e preservação de espécies ameaçadas até projetos focados na bacia do Rio Doce, fortemente atingida com os desastres recentes que aconteceram na região”, diz Condez.

A situação se repete também nas outras unidades de pesquisa de diversas áreas do conhecimento, como o Museu Paraense Emílio Goeldi, referência mundial em pesquisa e acervo da biodiversidade da Amazônia; o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que possui como principais linhas de pesquisa o monitoramento das áreas devastadas da floresta amazônica via satélite e pesquisas relacionadas à previsão do tempo e atmosféricas; e o MAST, Museu de Astronomia e Ciências Afins, cujos estudos focam principalmente na elaboração de práticas para a popularização e divulgação da ciência e na conservação e indexação do principal acervo de instrumentos científicos do país.

Em uma carta aberta publicada na última terça-feira (16) no Facebook, pesquisadores bolsistas PCI comunicaram a possível descontinuidade do programa, tendo como principal motivo a falta de comprometimento do governo em manter o compromisso com as pesquisas desenvolvidas nas unidades.

“O PCI surgiu em 1997 como uma alternativa oferecida pelo MCTI para suprir a falta de profissionais qualificados(as) para desempenhar atividades de pesquisa e extensão acadêmica em UPs deste ministério. Desta forma, evidencia-se que o PCI existe devido à impossibilidade de se compor um quadro apenas de pesquisadores e tecnologistas concursados nestas instituições”, diz um trecho da carta.

“Os trabalhos realizados pelas UPs seguem de maneira bem rigorosa planejamentos que vão ao encontro de questões consideradas estratégicas para a soberania nacional (…), com a produção de conhecimento em áreas como ciência nuclear, engenharia aeroespacial, ciência da computação, astronomia, divulgação e popularização da ciência e tecnologia, exploração de minérios, física teórica e aplicada, ciência humanas e sociais e biologia.”

Outro problema, afirmam os pesquisadores na carta, além da falta de continuidade do programa, seria a perda do dinheiro público já investido com as pesquisas em andamento, o que pode levar a danos irreparáveis ao conhecimento científico e tecnológico produzido. “O país está atravessando uma das piores crises econômicas e sanitárias da sua história e afirmamos que a eliminação dos programas de fomento à pesquisa resultará em atrasos perante outros países. Investir em C&T é investir no futuro do país e em sua soberania”, finalizam.

Procurados, o CNPq e o MCTI não responderam às solicitações da reportagem até o momento da publicação da matéria . A reportagem da Folha tentou ainda diversos contatos telefônicos com a pasta, sem sucesso.


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