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Economia

Após recuperação judicial da 123milhas: como ficam os clientes e os créditos de viagens?

A empresa, que já tinha suspendido a emissão de passagens aéreas e pacotes flexíveis da linha Promo, interrompeu também o reembolso por vouchers.

A crise do grupo 123milhas, que teve o seu pedido de recuperação judicial aceito nesta quinta-feira (31), pode dificultar e atrasar ainda mais o reembolso de consumidores que compraram viagens e tiveram o serviço interrompido. A empresa, que já tinha suspendido a emissão de passagens aéreas e pacotes flexíveis da linha Promo, interrompeu também o reembolso por vouchers (créditos de viagens).

O que acontece agora?

A 123milhas declara ter dívidas de R$ 2,3 bilhões. O pedido de recuperação judicial feito na 1ª Vara Empresarial da Comarca de Belo Horizonte envolve também passivos da HotMilhas, empresa de compra de milhas do grupo, e a Novum, holding controladora. Segundo os documentos apresentados, a 123milhas tem dívidas de R$ 1,6 bilhão e a HotMilhas, de R$ 690 milhões. Cerca de 700 mil pessoas físicas configuram como credores.

Antes de recorrer à Justiça, a 123milhas ofereceu opção de reembolso em vouchers. Mas até essa forma forma de pagamento, que foi criticada por órgãos do direito do consumidor por ser a única alternativa, foi interrompida na terça-feira (29). “Enquanto estiver em tramitação o processo de recuperação judicial, seu voucher não poderá ser solicitado”, informa a empresa, em nota publicada em seu site.

Consumidores têm menos garantias em uma recuperação judicial. O advogado Leonardo Ribeiro Dias, do escritório Marcos Martins Advogados, diz que a recuperação judicial traz o risco de o cliente receber um valor menor que o pago para a 123 milhas e num prazo ser maior do que o esperado. E isso se de fato a empresa conseguir apresentar um plano de recuperação viável. A Justiça determinou que a empresa deve apresentar em até 30 dias documentação que demonstre capacidade técnica e econômica de se organizar.

Clientes da 123milhas podem ser os últimos a receber. Apesar da desvantagem em relação a outros credores, o advogado Alexandre Tortato explica que uma recuperação negociada ainda é melhor que a falência, situação em que clientes podem ficar sem receber nada. O pagamento das dívidas vai depender do plano a ser e aprovado pelos credores. A legislação estabelece quatro grupos de credores: trabalhistas, com garantia real, quirografários e microempresas e pequenas empresas. Os consumidores entram na classe de quirografários, que não têm prioridade na lista de pagamento.

Os valores podem vir a ser negociados entre as partes. Ao entrar em recuperação judicial, uma empresa precisa elaborar o plano de de recuperação em até 60 dias. As dívidas anteriores à recuperação judicial ficam sujeitas ao plano, que em geral pressupõe desconto no montante a pagar, que costuma a chegar a até 70%. Exemplo: quem comprou uma viagem de R$ 1.000, receberia apenas R$ 300.

A ordem de pagamento será definida no plano de recuperação judicial. Desde que essa priorização seja cumprida, ex-funcionários do grupo 123milhas e consumidores podem ser pagos ao mesmo tempo, por exemplo, se a proposta for assim aprovada pelos credores.

Créditos trabalhistas devem ser quitados em sua totalidade. Isto é, sem redução de valores e em até um ano (prorrogável por mais um ano). Já o cliente da agência de viagens online não tem prazo definido: o depósito pode ser feito em um mês, um ano, cinco anos ou mais.

“Os consumidores são a parte mais frágil em um processo de recuperação judicial e podem acabar sendo prejudicados de forma mais agressiva, vamos dizer assim”, afirma Alexandre Tortato, advogado especialista em recuperação judicial

“A jurisprudência não tem admitido a oferta de deságios absolutamente grandes, como, por exemplo, 90% ou 99%. Agora, há casos em que deságios de 70%, 80% são considerados válidos”, complementa Leonardo Ribeiro Dias, advogado especialista em recuperação judicial

“A recuperação judicial permitirá concentrar em um só juízo todos os valores devidos. A empresa avalia que, desta forma, chegará mais rápido a soluções com todos os credores para, progressivamente, reequilibrar sua situação financeira”, informa a 123milhas, em nota

Consumidores na corda bamba

A atual situação da 123milhas preocupa ainda mais os clientes. O advogado Jacson Nascimento, 30, comprou duas viagens por cerca de R$ 1.500 para Salvador e Fortaleza. A primeira passagem era para a sua mãe visitar em outubro os avós dele após mais de dez anos sem vê-los. Os outros bilhetes, divididos com dois amigos, seriam para um congresso que acontecerá ano que vem na capital cearense.

Ele acredita que perdeu todo o dinheiro. Nascimento entrou com pedido de tutela de urgência antecipada no JEC (Juizado Especial Cível) de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, para que a 123milhas emitisse as passagens aéreas para Salvador em até 48h, mas o juiz deu dez dias para a agência se manifestar. O prazo se encerra em 4 de setembro. O advogado descarta a devolução do pagamento em vouchers.

O serviço de milhas também traz muitas incertezas. O autônomo Iago Cordeiro, 30, vendeu R$ 22 mil em milhas para a HotMilhas, que integra o grupo 123milhas, e questiona se receberá o pagamento de novembro dentro do prazo. A empresa suspendeu as compras nesta semana após atrasar os últimos depósitos.

Cordeiro já tinha vendido R$ 30 mil em milhas antes e não teve problema. Mesmo desacreditado, ele torce para que a HotMilhas pague dentro do prazo. “A empresa não me informou nada, nem entrou em contato comigo. Está tudo no escuro. Só espero não ficar no prejuízo”, diz.

Eu comprei pela orientação de amigos que conseguiram viajar sem problema. Quando chegou a minha vez aconteceu isso. Penso que não vou conseguir reaver esse dinheiro.Jacson Nascimento, advogado e cliente da 123milhas

O que fazer agora?

A Senacon passa a ter poder limitado. A Secretaria Nacional do Consumidor diz que a possível aprovação do pedido de recuperação judicial causa a suspensão de qualquer processo contra a 123milhas pelo período de 180 dias—prorrogáveis por mais 180 dias.

O Procon-SP reforça recomendações aos consumidores. Em nota, a instituição diz que os clientes devem entrar em contato direto com a empresa e tentar uma solução, como o cumprimento da oferta, a transformação em crédito ou a devolução do valor pago. “Há também a possibilidade de, a qualquer momento, o consumidor buscar a Justiça, em especial nos casos em que o uso dos serviços contratados – pacotes de viagens, por exemplo – estejam previstos para acontecer em prazo inferior ao estimado no trâmite das reclamações nos órgãos de defesa, em torno de 30 dias”, diz o órgão.

Advogados recomendam que clientes da 123milhas acionem a Justiça o quanto antes. Uma vez aprovado o pedido de recuperação judicial, os consumidores têm prazo de 15 dias para serem habilitados no processo. Caso contrário, terão de acionar a Justiça para serem credores. Eles podem ter despesas mais altas se a causa não puder ser processada no Juizado Especial Cível (de até 20 salários mínimos). A expectativa é que a lista de credores, que tem cerca de 7 mil páginas hoje, deve ficar maior do que já é.


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