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Só 12% do desmate se dá por demandas da própria região, aponta estudo ‘Nova Economia da Amazônia’

Mais de 83% do desmatamento da Amazônia Legal tem origem em demandas do resto do Brasil e do exterior. No caso da pecuária, 85% da área desmatada foi para atender o consumo doméstico.

Mais de 83% do desmatamento da Amazônia Legal tem origem em demandas do resto do Brasil e do exterior. No caso da pecuária, 85% da área desmatada foi para atender o consumo doméstico. Mais de 70% da floresta é derrubada para atender exportações de algodão e minérios e 86% no caso da soja. Só 12% dos desmatamentos atuais na Amazônia são causados para responder a demandas da própria região. As informações são do jornal Valor Econômico.

Com desmatamento zero, agropecuária de baixo carbono e matriz energética apoiada em energia solar, a Amazônia Legal registraria crescimento econômico maior, mais qualificado e mais inclusivo até 2050. Em três décadas, a economia da região teria 312 mil empregos a mais, PIB R$ 40 bilhões superior, 81 milhões de hectares em florestas adicionais e estoque de carbono 19% maior em comparação ao modelo atual de desenvolvimento baseado em atividades intensivas em desmatamento e emissões.

Estas são algumas das principais mensagens do estudo “Nova Economia da Amazônia – NEA”, coordenado pelo WRI Brasil, instituto de pesquisas relacionadas à economia de baixo carbono.

O estudo, que será lançado hoje em Belém, foi iniciado há mais de dois anos e envolveu 76 pesquisadores e organizações de todo o Brasil como o climatologista Carlos Nobre, Eduardo Haddad (FEA-USP), Roberto Schaefffer (Coppe/UFRJ), os antropólogos indígenas Braulina Baniwa e Francisco Apurinã, o economista Francisco de Assis Costa, do Alto Núcleo de Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará.

Há vários outros dados inéditos: embora o maior desmatamento da Amazônia ocorra pela demanda do resto do Brasil, na intensidade do desmatamento a proporção é diferente e pesa mais para o exterior. Trata-se da quantidade de reais obtidos em relação à quantidade de área desmatada. Neste caso, mesmo se a Amazônia exporta para o mundo produtos de baixíssimo valor agregado, mas que exigem desmatamento, os produtos enviados ao resto do Brasil têm valor agregado um pouco superior.

“A discussão interessante é que, em termos absolutos o Brasil é o maior responsável pelo desmatamento da Amazônia. Mas, em termos relativos, na verdade, é o exterior”, diz Rafael Feltran-Barbieri, economista sênior do WRI Brasil e coordenador do estudo. “A grande mensagem é que a Amazônia é quem menos desmata ela própria.”

O estudo mostra que manter a floresta em pé e descarbonizar a economia é uma grande oportunidade para o desenvolvimento econômico e social da Amazônia como também do Brasil. Seguindo essa rota, em 2050, o PIB da Amazônia Legal seria de R$ 1,34 trilhão, com 23,2 milhões de empregos. Além disso, o redirecionamento da economia permitiria que o Brasil cumprisse suas metas climáticas no Acordo de Paris.

Seriam necessários recursos de 1,8% do PIB nacional ao ano para financiar a nova economia da Amazônia. A diferença entre os investimentos estimados para financiar essa nova rota ou manter o crescimento referencial (1% ao ano, atualmente) foi calculada em R$ 2,56 trilhões.

Esse valor não seria aplicado apenas na região, mas também em outras partes do país que deveriam, por exemplo, estimular processos de baixa emissão de carbono. Seriam R$ 152 bilhões a mais para a agricultura, R$ 290 bilhões adicionais à pecuária, R$ 217 bilhões para bioeconomia e restauração florestal, R$ 410 bilhões em mudanças na matriz energética e R$ 1,49 trilhão em infraestrutura.

Com os impactos dos eventos climáticos extremos, o custo de não fazer a mudança de rota no desenvolvimento da região seria muito mais alto – o dobro dos R$ 2,56 trilhões adicionais para a transição, nas estimativas mais conservadoras. “Partimos da seguinte pergunta: e se a Amazônia Legal fosse, a partir de agora, a grande impulsionadora da economia de baixo carbono no Brasil?”, diz Barbieri.

“Isso por uma constatação simples: quando se olha a história recente da Amazônia, o que se vê é desmatamento e baixo valor adicionado de economia, uma série de problemas de ilegalidade e uma contribuição muito pequena para o crescimento do Brasil”, continua. “Mas o que aconteceria se a Amazônia, ao invés de andar a reboque da economia brasileira fornecendo terra, insumos básicos e sendo destruída, pudesse gerar uma nova economia para o Brasil?”

“Fizemos uma análise econômica qualitativa que vai muito além do PIB e da geração de empregos, como se costuma fazer. O estudo mostra que priorizar a Amazônia traria benefícios para todos os brasileiros”, completa Barbieri.

O estudo foi dividido em três partes. A primeira faz um diagnóstico sobre a economia atual da região. O fundamento foi um instrumento econômico que desde 1972 é usado para calcular PIB e que o setor financeiro ou o Ministério da Fazenda, por exemplo, utilizam para entender como a economia funciona, quais impactos setoriais que poderia ter ou o impacto no crescimento se um determinado produto for estimulado, explica. O modelo foi feito pela Fipe (FEA-USP).

Na metodologia do diagnóstico, a Amazônia Legal foi dividida em 27 regiões definidas pelos pesquisadores do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará, centro que estuda o processo de ocupação e de transformação tecnológica da Amazônia nos últimos 30 anos. “Usamos um método muito consagrado dentro da economia ortodoxa, mas somamos filtros de regionalização da Amazônia e matrizes dos produtos da floresta em pé e da floresta desmatada”, diz o economista.

“Com isso, conseguimos olhar para a Amazônia com mais precisão e detalhamento”, continua. Os modelos hoje ainda embaralham produtos da floresta em pé (frutos, sementes, óleos, folhas e resinas, por exemplo) com a economia do desmatamento (como madeira, lenha e carvão).

Feito o diagnóstico na economia atual da região, a análise conseguiu juntar modelos econômicos desenvolvidos por diferentes instituições brasileiras de pesquisa. Foi assim que se analisou a economia da região como um sistema com 69 setores produtivos que interagem.

Outra inovação da análise foi ter uma visão integrada das atividades econômicas e desmatamentos pela ótica da demanda dos produtos da floresta, no Brasil e no exterior.

O estudo mostra ainda que é matematicamente impossível atingir os compromissos climáticos brasileiros sem acabar com a destruição da Amazônia. Indica que o objetivo de alcançar desmatamento zero não basta para fechar a conta – será preciso restaurar áreas degradadas e investir em agricultura de baixo carbono.

O reflorestamento e a regeneração de áreas degradadas chegariam a 24 milhões de hectares, o dobro do estimado há dez anos no compromisso climático brasileiro. “Se queremos descarbonizar a economia do Brasil e começarmos pela Amazônia, teremos grande sucesso”, aposta o economista, lembrando que a região concentra os maiores atrativos de investimentos globais.

“A Amazônia deixaria de ser a economia subserviente ao resto do Brasil e passaria a ser protagonista da mudança que precisamos para chegar bem à metade do século e preparados para os outros 50 anos”, diz Barbieri.

O estudo recomenda que o setor público sinalize quais rumos serão tomados para a nova economia, zerando subsídios aos combustíveis fósseis, por exemplo, e redirecionando financiamentos para atividades de baixa emissão. O setor privado, por sua vez, precisa aumentar sua capacidade de inovação e ser propulsor da nova economia.

“As próximas décadas vão definir se a Amazônia – terra de mais de 28 milhões de habitantes, 198 povos indígenas, e que abriga a floresta mais biodiversa, o maior reservatório água doce e o maior bloco tropical de regulação climática do planeta – se tornará a grande catalizadora da economia de baixa emissão de carbono do Brasil”, diz o prefácio do sumário executivo do estudo. “Ou, ao contrário, atingirá um ponto irreversível de degradação, aprofundando as desigualdades atuais e colocando em risco a estabilidade e competitividade de toda a economia do país.”


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