Brasil
Sete de cada dez diretórios partidários do país deixam de prestar contas à Justiça Eleitoral
Partidos são abastecidos com recursos do Fundo Partidário, que em 2022 repassou R$ 986 milhões para 24 legendas.
No momento em que a Câmara discute uma anistia ampla a partidos políticos multados por usarem recursos públicos de forma irregular, sete de cada dez diretórios dessas mesmas legendas ignoraram a lei e sequer informaram como usaram o dinheiro recebido em 2022. O prazo para que as prestações de contas fossem entregues se encerrou no fim de junho, mas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 73 mil dos 99 mil diretórios do país — o que abrange os municipais, estaduais e os nacionais — não enviaram qualquer explicação à Justiça Eleitoral. As informações são do jornal O Globo.
Segundo levantamento feito pelo GLOBO, dos 918 diretórios estaduais ao redor do país, 155 estão com a prestação de contas em aberto. Esse número é liderado por partidos pequenos: no PROS, por exemplo, em 16 estados os dirigentes regionais da sigla não explicaram a utilização dos recursos públicos em 2022. O Agir aparece logo atrás, com 15, e em seguida o PMB, com 14. Procurados, os partidos não responderam aos questionamentos da reportagem.
A situação se agrava nas cidades onde, segundo especialistas, disputas internas e negligência das lideranças levam ao atraso nas prestações.
Os partidos políticos são abastecidos com recursos do Fundo Partidário, que em 2022 repassou R$ 986 milhões para 24 legendas. O valor é utilizado pelas siglas para despesas como salário de funcionários, aluguel de salas, transporte de seus dirigentes e outros gastos para manter suas estruturas funcionando. Parte dos recursos também pode ser aplicada em campanhas eleitorais.
Pela lei, cada diretório partidário deve prestar contas de como utilizou os recursos recebidos até 30 de junho do ano seguinte. Ou seja, neste ano, os dirigentes precisavam ter apresentado notas fiscais e outros documentos que comprovem que o dinheiro foi utilizado com o partido, e não para fins pessoais, por exemplo. Caso não entreguem as explicações, as siglas podem sofrer punições como a interrupção de novos repasses e multa.
Entre os diretórios nacionais, todos os partidos apresentaram as informações sobre gastos e receitas. Nos estados, há problemas também em siglas maiores. O Republicanos do Amazonas, por exemplo, ainda não entregou sua prestação de contas à Justiça Eleitoral. O presidente do diretório estadual é o deputado federal Silas Câmara. Ele atribuiu o problema a gestões passadas e diz que ainda está regularizando questões referentes às despesas de anos anteriores, que não tinham sido apresentadas.
— Quando eu assumi a presidência, os dois presidentes anteriores não prestaram contas. Está dando uma grande dor de cabeça — afirmou Silas Câmara.
Outro partido que não tem prestação no sistema do TSE é o União Brasil do Maranhão. Esse diretório tem como vice-presidente o atual ministro das Comunicações, Juscelino Filho. O presidente é o deputado federal Paulo Fernandes. Questionados sobre o descumprimento da lei, eles não retornaram aos contatos.
Negligência de líderes
Segundo o diretor-executivo do Movimento Transparência Partidária, o advogado e cientista político Marcelo Issa, esse é um problema antigo que vem aumentando ano a ano: 53 mil não apresentaram até hoje as prestações de contas do ano de 2020, e outros 62 mil não explicaram para a Justiça Eleitoral como gastaram os recursos públicos em 2021.
— Existe o aspecto da dificuldade da gestão dos partidos em nível municipal e estadual, com disputas internas. Mas também tem uma certa negligência das lideranças partidárias. A Justiça Eleitoral tem também uma dose de responsabilidade na medida em que não consegue analisar essas contas em um prazo razoável — diz.
O TSE costuma julgar a prestação de contas com cerca de cinco anos de atraso, prazo máximo previsto em lei para que seja aplicada punição a partidos que utilizarem os valores de forma irregular. Neste ano, por exemplo, técnicos do tribunal analisaram os processos referentes a 2018.
Apesar de poderem sofrer punição pela ausência da prestação de contas, a maioria dos partidos conta com a demora no julgamento para regularizar sua situação posteriormente. A situação, porém, pode prejudicar a participação de candidatos nas eleições. Em 2018, por exemplo, o PSL, do então candidato a presidente Jair Bolsonaro, só conseguiu lançar chapa de candidatos a deputado em São Paulo após entregar toda a documentação que faltava à Justiça Eleitoral às vésperas do início da campanha.
Segundo Issa, contudo, é comum que partidos deixem de apresentar esses dados reiteradamente. O diretor-executivo do Transparência Partidária destacou ainda que é frequente que até mesmo os diretórios que apresentaram a prestação de contas incluam documentos incompletos. O problema, na visão dele, é a falta de punições efetivas.
— Não há notícia de processo de cassação de registro por conta dessa ausência reiterada — disse ele.
Projeto de Anistia
Enquanto há descaso da maior parte dos diretórios em prestar contas à Justiça Eleitoral, deputados avançam na Câmara com uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que, na prática, o anistiam de punições por descumprirem as regras de uso do dinheiro público em anos anteriores. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), instalou uma comissão especial no mês passado para discutir detalhes do texto.
O argumento dos parlamentares é o de estabelecer um marco inicial para a aplicação das novas determinações previstas em uma emenda constitucional aprovada em 2022, que prevê critérios mínimos para candidaturas femininas. A ideia é que todas as prestações de contas feitas antes de abril do ano passado, quando a emenda foi promulgada, sejam anistiadas.
Caso o texto seja aprovado, os partidos poderão se livrar de punições como a suspensão de repasses do fundo eleitoral; devoluções do valor gasto de forma irregular que pode ser descontado nos exercícios seguintes; além de multas.
Não é incomum que o Congresso se movimente para burlar regras de fiscalização. Em 2022, o Congresso anistiou partidos que não cumpriram a determinação do Supremo Tribunal Federal, fixada em 2018, de destinar pelo menos 30% dos recursos das campanhas para mulheres. Organizações como Instituto Vladimir Herzog, Open Knowledge Brasil, Transparência Partidária e Transparência Eleitoral Brasil se mobilizam contra a PEC.
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