Brasil
Redução dos corpos hídricos da Amazônia pode levar à escassez de água, diz pesquisadora do MapBiomas
A redução dos corpos hídricos por anos pode levar à escassez de água e, por outro lado, a anos com enchentes agravadas pelas mudanças climáticas, afetando a população, alerta Eva Mollinedo.
Na última década houve uma redução de um milhão de hectares da superfície de água na Amazônia. Nos países analisados pela Equipe MapBiomas, “Bolívia, Equador e Peru apresentaram uma redução contínua no período 2000-2022, enquanto Colômbia, Venezuela, Brasil, Guiana, Guiana Francesa e Suriname mostraram um comportamento sinusoidal, com o aumento de superfície de água durante 2000-2007, com a diminuição no período 2008-2017 e com o aparente aumento desde 2018, porém ainda com valores anuais abaixo da média histórica”, informa Eva Mollinedo, integrante da Equipe MapBiomas Água, da Bolívia, na entrevista concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU. A redução dos corpos hídricos na região, segundo ela, foi de 4% e pode estar relacionada a diversas causas, como as mudanças climáticas e o desmatamento.
Entre os problemas associados à redução dos corpos hídricos na região amazônica, Eva Mollinedo destaca a alteração do balanço hídrico. “A redução dos corpos hídricos por anos pode levar à escassez de água e, por outro lado, a anos com enchentes agravadas pelas mudanças climáticas, afetando a população nos centros urbanos e a economia no setor agrícola e na geração de energia elétrica. Além disso, a redução da superfície de água torna a água mais escassa. Também podemos observar a fragmentação de corpos d’água, em que a água se evapora com mais facilidade nos corpos menores do que nos maiores, diminuindo sua capacidade de resistência a secas”, menciona. Na América Latina, segundo a entrevistada, a redução dos corpos hídricos poderá gerar “um problema de abastecimento de água para a população”, além de situações de seca e escassez de água.
Eva Mollinedo é graduada em Engenharia Ambiental pela Universidad Mayor de San Andrés (UMSA). Atuou no Laboratório de Referência de Qualidade do Ar (LRCA), que forma parte do Instituto de Pesquisa e Desenvolvimento de Processos Químicos (IIDEPROQ) da UMSA na Bolívia desde 2016 até 2019. Trabalha na Fundación Amigos de la Naturaleza (FAN) e desenvolve pesquisa de mestrado sobre o impacto das queimadas amazônicas na qualidade do ar de cidades da Bolívia, na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR).
Confira a entrevista.
IHU – Segundo um estudo publicado pelo MapBiomas, os países amazônicos perderam um milhão de hectares em superfície de água entre 2013 e 2022. Pode explicar como este estudo foi desenvolvido e o real significado deste montante?
Eva Mollinedo – O projeto MapBiomas Água é uma iniciativa desenvolvida nos países amazônicos e consiste no mapeamento da superfície de água durante o período 1985-2022 com base em imagens de satélite. Esses mapas foram criados por uma equipe de profissionais e instituições de todos os países envolvidos. Os resultados permitem reconstruir uma série temporal mensal da dinâmica dos corpos hídricos, onde observamos que na última década houve uma redução de um milhão de hectares da superfície de água com respeito à média histórica. Esse valor representa 4% de tendência à redução [dos corpos hídricos] na região, porém na Bolívia, Colômbia e Guiana, essa porcentagem pode ser ainda muito maior.
IHU – Quais as causas da diminuição da superfície de água nos países amazônicos? Esse fenômeno está relacionado com as mudanças climáticas?
Eva Mollinedo – A redução da superfície de água pode estar relacionada com diversas causas. Por exemplo, o aumento global e local da temperatura, o desmatamento, o aumento do consumo de água nos centros urbanos, ou ser efeito dos fenômenos El Niño e La Niña, que, no cenário de mudança climática, podem agravar as secas e enchentes.
IHU – Quais são as implicações da redução de áreas hídricas para o enfrentamento das mudanças climáticas, mais precisamente de eventos extremos, como secas e enchentes?
Eva Mollinedo – A redução da superfície de água altera o balanço hídrico. Nesse sentido, a redução dos corpos hídricos por anos pode levar à escassez de água e, por outro lado, pode levar a anos com enchentes agravadas pelas mudanças climáticas, afetando a população nos centros urbanos, a economia no setor agrícola e a geração de energia elétrica. Além disso, a redução da superfície de água torna a água mais escassa. Também podemos observar a fragmentação de corpos d’água, em que a água se evapora com mais facilidade nos corpos menores do que nos maiores, diminuindo sua capacidade de resistência a secas.
IHU – O estudo analisou a superfície de água em países como Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. Qual a situação de cada um desses países?
Eva Mollinedo – Bolívia, Equador e Peru apresentaram uma redução contínua no período 2000-2022, enquanto Colômbia, Venezuela, Brasil, Guiana, Guiana Francesa e Suriname mostraram um comportamento sinusoidal, com o aumento de superfície de água durante 2000-2007, com a diminuição no período 2008-2017 e com o aparente aumento desde 2018, porém ainda com valores anuais abaixo da média histórica.
IHU – Quais são as implicações socioambientais da redução da superfície de água nos países amazônicos, seja para os territórios amazônicos, seja para América Latina como um todo?
Eva Mollinedo – Trata-se principalmente de um problema de abastecimento de água, já que em geral na América Latina a população está aumentando e, portanto, a demanda por água também. Porém são mais frequentes os episódios de seca e escassez de água.
IHU – Como avalia a discussão sobre a Amazônia hoje, seja na América Latina, seja no mundo como um todo?
Eva Mollinedo – O papel da Amazônia é fundamental pelo fato de ela ter o maior reservatório de água natural. Além disso, na Amazônia estão as florestas tropicais mais extensas, que ajudam a mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Nesse sentido, podemos dizer que a Amazônia está contribuindo na resiliência global para combater esses efeitos. No entanto, é impactada pelos incêndios em áreas extensas, além de outras pressões. A Bolívia e o Peru têm as geleiras tropicais mais extensas. No entanto, nas últimas décadas, essa superfície se reduziu drasticamente, o que pode afetar o abastecimento de água nos maiores centros urbanos.
IHU – Alguns pesquisadores mencionam a necessidade de pensar a Amazônia de forma integral. Como avalia essa proposta e o que ela significaria na prática, envolvendo os países membros?
Eva Mollinedo – No âmbito da Rede Amazônica de Informação Socioambiental (RAISG) o trabalho está focado na visão integral da Amazônia como um todo, porque tudo tem conexão. É importante enxergar a Amazônia sem fronteiras, respeitando as conexões dos ecossistemas e ainda mais os corpos d’água. Por exemplo, as águas que nascem na Bolívia cruzam o Brasil desembocando no Atlântico. Portanto, é preciso superar os enfoques fragmentados e promover iniciativas integrais tanto regionais, quanto nacionais e transnacionais no intuito de fortalecer a Amazônia, os territórios indígenas e áreas naturais protegidas.
IHU – Deseja acrescentar algo?
Eva Mollinedo – No MapBiomas Água também abordamos a situação das geleiras. A Bolívia e o Peru têm as geleiras tropicais mais extensas. No entanto, nas últimas décadas essa superfície se reduziu drasticamente, o que pode afetar o abastecimento de água nos maiores centros urbanos.
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