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Primeira cacica de aldeia no Pará quer romper com garimpo que deixou seu avô milionário na Amazônia

Kôkônhyjtí Kayapó é da aldeia Kranhkrô e vem da linhagem do cacique Tuto Pombo, conhecido por ser o primeiro líder indígena a autorizar a exploração de madeira e ouro.

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Kôkônhyjtí, primeira cacica da aldeia Kranhkrô, do povo Kayapo. (Foto: Alerhandro Rafalski e Rian Costa)

“Não queremos garimpo. Era isso que as lideranças passadas tinham costume. Eu tenho uma outra visão e uma nova jornada, de não desmatar ou poluir nossos rios”, defende Kôkônhyjtí, primeira cacica da aldeia Kranhkrô, criada em 2010, na Terra Indígena (TI) Kayapó, em reportagem para o site G1.

A ideia de preservação contraria as atitudes de seu avô. Conhecido como coronel Tutu Pombo, ele é considerado o primeiro cacique a autorizar a exploração de terras indígenas pelo garimpo ilegal e o setor madeireiro, na década de 1980.

O líder indígena chegava a lucrar R$ 6 milhões por ano com a exploração de terra, segundo a pesquisa “Narrativas de uma sociedade indígena na fronteira econômica: o caso dos Mebêngôkre Kayapó do Sudeste Paraense”.

Empossada no último sábado (8), a cacica Kôkônhyjtí, de 37 anos e mãe de 4 filhos, diz que vai apostar no fortalecimento da economia local a partir do artesanato e das pinturas indígenas e lutar pelos direitos das mulheres.

“Hoje meu intuito é estimular a geração de renda através do nosso artesanato, pinturas e também da colheita. Hoje já existe a plantação de cacau, que além de nos alimentar também dá o sustento a muitas famílias”, detalha Kôkônhyjtí.

“Meu papel aqui é não só ocupar um espaço entre os homens, mas sim lutar em prol do meu povo, principalmente pelos direitos das mulheres, seja na cidade ou dentro da minha comunidade”, acrescenta a cacica, em entrevista concedida na língua nativa Kayapó, a Mebengokré, e intermediada pelo tradutor Pykatire Kayapó.

A TI Kayapó tem 3,2 milhões de hectares e abriga aproximadamente 6,3 mil indígenas de dois povos: Mebêngôkre, do qual a cacica faz parte, e os indígenas isolados na região do Rio Fresco. Homologada em 1991, a área abrange os municípios de Bannach, Cumaru do Norte, Ourilândia do Norte e São Félix do Xingu.

A Kranhkrô, uma das 34 aldeias que compõem a TI, reúne mais de 280 indígenas e fica na estrada Águas Claras, a cerca de 30 km do centro de Ourilândia do Norte e distante 872 km de Belém.

Segundo o dossiê “Garimpo: um mal que perdura no Xingu”, publicado pelo Instituto Socioambiental (ISA) e Rede Xingu+ os municípios de Ourilândia do Norte e São Félix do Xingu apresentaram entre 2012 e 2022 o maior crescimento de áreas exploradas pelo garimpo, chegando em 221% na bacia do Xingu, no Pará.

Começo da luta do garimpo

Tuto Pombo faleceu em janeiro de 1992. À época, Niti Kayapó, seu filho, assumiu o cargo de cacique. Foi ele quem começou a adotar medidas para a retirada de garimpeiros e madeireiros da aldeia, com ajuda da Polícia Federal.

Ainda na mesma geração, o irmão de Niti e também filho de Tuto, chamado Bebati Kayapó, pai da cacica Kôkônhyjtí, deu continuidade a essas ações.

Segundo a cacica, atualmente na aldeia Kranhkrô não existe nenhuma exploração ilegal de garimpos ou madeireiras. Sendo combatida constantemente a tentativa de invasores junto à Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).

Ações de combate ao garimpo

Em abril de 2024, uma operação da Polícia Federal fechou três garimpos ilegais na Terra Indígena (TI) Kayapó, localizada em Bannach, no sudeste do Pará.

Já no ano anterior, outras ações da Polícia Federal também conseguiram fechar garimpos e uma força-tarefa resgatou 49 trabalhadores em situação análoga à escravidão em garimpos ilegais no Pará.

Impactos das explorações na TI

Kenaka Pompo, que também é cacique da região na TI Kayapó e atua na mesma comunidade Kranhkrô, explicou que uma fazenda, próximo à comunidade onde os indígenas vivem, abriga a nascente do Rio Branco, e as águas são frequentemente poluídas em razão do garimpo, o que afeta a saúde dos indígenas. No período de chuvas, durante o inverno amazônico, é impossível consumir a água.

“Algumas pessoas já apresentaram diarreia e coceira na pele durante o inverno amazônico, por isso não bebemos ou cozinhamos com a água do rio. Estamos lutando para conseguir um abastecimento de água para que venha tratada da cidade e chegue até a nossa comunidade”, informou Kenaka.

A comunidade teve que implantar poços artesianos, de onde a água é retirada para consumo, mas o rio ainda é utilizado como principal meio para pesca e banho.

Conheça a aldeia

Os indígenas que moram na aldeia Kranhkrô dispõem de uma escola que atende crianças e adolescente até o ensino médio.

Na instituição pública existe uma tradição de toda sexta-feira serem realizadas aulas da língua nativa Kayapó. Além disso, os alunos também aprendem todos os conteúdos da Base Nacional Comum Curricular.

A comunidade também possui um posto de saúde, uma farmácia e a associação indígena que fica localizada no centro de Ourilândia do Norte, mas que dá suporte à comunidade.

Os indígenas mantêm tradições antigas. Os homens costumam caçar e pescar. Já as mulheres colhem alimentos na roça, como frutas, legumes e lenha para cozinhar.

Segundo a cacica Kôkônhyjtí, a vacinação também é algo prioritário na região, sendo ofertados imunizantes de acordo com as campanhas nacionais.

A segurança é feita pelos próprios indígenas, que atuam como fiscalizadores para que não ocorram roubos ou furtos.

“Minha aldeia é tranquila, somos família e mantemos a paz. Meu papel como cacica é cuidar dos meus, como filhos e incentivá-los a manter nossa tradição”, disse.

Outro ponto que vem sendo desenvolvido é o incentivo à capacitação dos jovens. O objetivo é que eles consigam se formar e retornar à comunidade para ajudar outros membros da aldeia.

Segundo a cacica, uma das metas durante a gestão é garantir parcerias para que jovens consigam adentrar nas universidades e tenham renda.

“Queremos médicos indígenas, pedagogos e até advogados, assim teremos mais pessoas que entendam e lutem pelos nossos direitos”, afirmou a cacica.

Posse

A cerimônia de posse da cacica ocorrida no sábado reuniu diversas lideranças indígenas do Pará e Mato Grosso.

O evento contou com a participação de mulheres da comunidade em ritual com entrega da faixa e danças tradicionais do povo Kayapó.

“Hoje estou ocupando um espaço como cacica dentro da aldeia para poder atender e resolver as nossas demandas. Estou pronta pra argumentar, defender e estar lado a lado do meu povo. Vamos juntos lutar e buscar a melhoria de qualidade de vida para o nosso povo”, declarou na posse.
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A coordenadora regional Kayapó Sul do Pará da Funai também participou da cerimônia e declarou que a posse de uma mulher é um ato revolucionário e significativo na luta pela igualdade de gênero.

“É de suma importância as mulheres estarem ocupando os espaços de poderes dentro e fora do território”, afirmou Ô-é Paiakan Kaiapó.

Segundo a cacica, aliada à Associação Indígena Pore Kayapó, a nova gestão deve dialogar para que novas parcerias tragam resultados positivos quanto ao atendimento às demandas coletivas da comunidade.

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