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Brasil

Presidente do Albert Einstein fala como a tecnologia ajuda a melhorar a saúde na Amazônia

Em entrevista ao jornal O Globo, o cirurgião Sidney Klajner fala como a inovação pode aumentar e melhorar o acesso à saúde de populações como as da região amazônica.

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A tecnologia sempre fez parte da saúde e hoje em dia, mais ainda. Algoritmos de inteligência artificial já são usados para melhorar a detecção de câncer de mama em mamografias; dispositivos vestíveis, como smartwatches alertam os usuários sobre condições de saúde, como arritmia e apneia do sono; o prontuário eletrônico e a receita digital já foram incorporados à prática clínica. Justamente por isso, o tema “saúde” não poderia ficar de fora do South by South West (SXSW), maior festival de cultura, tecnologia e inovação do mundo.

A edição deste ano será realizada entre o dia 7 e 15 de março, em Austin, no Texas (EUA), e, pelo terceiro ano consecutivo, o Hospital Albert Einstein irá participar de uma seção do festival na temática de saúde. Ao O Globo, o médico Sidney Klajner, presidente do Einstein, fala sobre como o tema de saúde é debatido em um festival que é mais conhecido pela parte de entretenimento, sobre a importância da inovação e tecnologia na área da saúde e dá detalhes sobre o painel deste ano, que terá foco ações que unem saúde, tecnologia e inovação na Amazônia.

O SXSW é mais popular pela parte de entretenimento, como cinema e música. Como a saúde se encaixa nesse cenário?

Esse é um evento futurístico e de inovação em qualquer campo de atuação. Para você ter uma ideia, antes do SXSW tem um evento inteiro de educação. E o festival em si tem uma duração de cerca de 10 dias, com temas que vão acontecendo ao longo do congresso. É como se fosse uma jornada que vai mudando a temática aos poucos. Na área da saúde, existem outras sessões com a participação de indústrias de insumos médicos, de equipamentos, farmacêuticas, entre outras. No ano de 2023, foi a primeira vez que participamos e fomos a primeira organização não americana a falar sobre saúde nos palcos do SXSW. Por isso, preparamos algo que pudesse ser ao mesmo tempo inovador, com foco em equidade em saúde e que pudesse ser replicado em qualquer parte do mundo porque lidamos com vários cenários. Falamos de populações na Amazônia, que demorar 24 horas para chegar em uma consulta especializada e que agora estão fazendo essas consultas em tempo real por meio de um projeto com o Ministério da Saúde que utiliza telemedicina. Desde de 2021, já foram realizadas mais de 400 mil consultas por meio dessa plataforma. Então falamos de locais extremamente grandes em extensão com poucas densidade populacional e uma população localizada longe de centros de saúde e também falamos de populações extremamente densas, como dentro da comunidade de Paraisópolis e como usamos o Google Maps para poder chegar nas pessoas, porque algumas ruas não têm nem nome, e fazer um estudo sobre saúde mental. Queríamos mostrar que essas soluções usadas no Brasil, que é um país que representa vários países do mundo todo, eram também efetivas em outros lugares.

Como será a participação do Einstein na edição deste ano?

Esse ano temos um painel no terceiro dia que vai contar com a participação de um representante da Fundação Bill e Melinda Gates, que atua bastante no continente africano, um representante do Banco Interamericano de Desenvolvimento e também da professora Marcia Castro, da Universidade de Harvard e que tem bastante atuação em projetos de saúde pública na Amazônia. O que vamos levar é uma preocupação com a região da Amazônia no âmbito da saúde tendo em vista alterações climáticas, a vulnerabilidade de populações dessa região e como temos utilizado tecnologia para tentar transformar questões de saúde. Todas as iniciativas que a gente vem empreendendo em tecnologia, como para ajudar no diagnóstico precoce de leishmaniose, que é endêmico naquela região, e ações para tentar diminuir mortalidade materna, são para melhorar a saúde dessa região que tem o pior índice de desenvolvimento humano (IDH) do Brasil. Essa região também tem uma concentração enorme de populações indígenas e quilombolas que estão em áreas vulneráveis de saúde, que são menos assistidos e mais expostos a alterações climáticas e seus efeitos. Também vamos falar de dois projetos que estamos iniciando lá, em parceria com o Ministério da Saúde, através do Proadi-SUS. Em um deles vamos qualificar as informações sobre a saúde da população indígena obtidas com o atendimento primário nas aldeias, analisar amostras ambientais, como qualidade da água e do alimento e relacionar essas questões ao longo do tempo comparando com alterações climáticas e condições em que vivem. Isso vai dar subsídio para o planejamento de investimento do Ministério da Saúde para proteger essa população. Além de poder proteger a saúde indígena, também estamos trazendo a informação necessária para cuidar da condição de sobrevivência dessas tribos, no que diz respeito a condição de solo, da água e o que podemos fazer para melhorar. No outro projeto, a vamos mapear a vulnerabilidade ético-racial junto com o ambiente. Por exemplo, vamos mapear alterações climáticas através de informações de internet ou de satélites e cruzar a inequidade de saúde dessas populações com a parte socioambiental e climática que vem acontecendo Amazônia em parte pelas alterações climáticas de fato, em parte pelo desmatamento e seca dos rios. Isso vai gerar uma camada de big data para um data analytics para poder transformar isso em informação e fornecer subsídio para o Ministério atuar.

Vocês esperam que esse tipo de iniciativa possa ser replicado em outras regiões do mundo que tem características semelhantes?

Na verdade, o que queremos é inspirar outros países que lidam com esse mesmo tipo de problemática com populações originárias. Não é só o Brasil que tem população indígena que vive em condição que não são as ideais, mas outros países também. Além disso, muito tem se investido, dentro das alterações climáticas, na pegada de carbono, na transição energética, mas muito pouco tem se falado de saúde. Há apenas quatro anos a saúde faz parte da COP. Antes disso, isso não era nem discutido, e apenas 2% de todo o investimento multilateral tem sido para a saúde. E sabemos que, no fim das contas, tudo isso vai impactar na saúde, na necessidade do sistema de saúde. Essas iniciativas também visam a COP30, que será em Belém, dentro da Amazônia, para que possamos falar disso e debater lá também.

Como a inteligência artificial, a saúde e a tecnologia estão interconectadas hoje?

A inteligência artificial é um recurso da tecnologia pesquisado desde a década de 70. Mas o aumento da capacidade de processamento e redução do custo nos permite hoje construir, através de algoritmos, modelos de inteligência, que fazem com que o computador trabalhe de uma maneira mais rápida do que nós para lidar com tantos volumes de dados. Isso é um recurso tecnológico que está sendo aproveitado por vários setores produtivos, mas na saúde existe um preconceito na utilização desse tipo de recurso talvez por sua formação mais tradicional. Mas se soubermos aproveitar todos esses recursos tecnológicos, a grande produção de dados que a gente vem obtendo através de prontuário eletrônico, de monitorização de pacientes mais graves, e colocar isso num algoritmo de inteligência, isso permite gerar, de fato, melhorias para a saúde através de informação – como os exemplos que eu dei da Amazônia -, ou através de novos devices, de wearables que permitem fazer diagnóstico caso que o seu paciente esteja utilizando, mecanismos de comunicação através de algoritmos que permitem atingir um grande número de pessoas, vencer barreiras logísticas através de telemedicina. Com tecnologia, temos oportunidades muito grandes, de conseguir o mesmo benefício que estamos vendo em outros setores dentro da saúde, especialmente quando buscamos equidade.

Quais inovações podemos esperar para um futuro próximo?

Podemos esperar agilidade para obter informação e uma interoperabilidade dessa informação para que ela não se perca no caminho. Podemos melhorar a gestão de saúde através de gestão de filas e da própria saúde quando tudo isso fica centralizado num mesmo repositório como o próprio Sistema Único de Saúde. Podemos ter um sistema de informação muito melhor que vai ajudar a dirigir investimento para a saúde. E a própria saúde e o autocuidado também podem ser melhorados através de sensores usados para monitorar o paciente, que não precisa ser um anel ou relógio. Há 14 anos eu vi, em Israel, uma enfermeira controlar 400 portadores de insuficiência cardíaca em casa porque a casa deles tinha uma balança, um medidor de fluxo urinário e um medidor de pressão conectados no Wi-Fi e que passavam informação para ela. Quando alguma coisa saía do normal, ela chamava para a consulta antes que isso virasse uma situação de emergência que é mais caro, mais difícil de lidar e que a cada internação de emergência, esse paciente perde qualidade de vida. Hoje, no Einstein, já acessamos prontuários eletrônicos com inteligência aumentada . Se eu quero uma informação sobre como a hemoglobina daquele paciente se comportou nos últimos 10 anos e isso está no prontuário, eu digito e a inteligência me traz essa informação pronta. Isso nos permite ser mais ágil e atender melhor o paciente. E esse é um recurso que vai se estender porque já tem no Hospital Vila Santa Catarina, que é público.

Como a conexão entre tecnologia, IA e saúde pode contribuir com as populações vulneráveis?

Em relação aos projetos que iniciamos na Amazônia, primeiro, o auxílio de um repositório de dados permite saber quais ações são necessárias para prevenir, mitigar ou até para tratar um problema de saúde e se você não tem condição de fazer um diagnóstico precoce, já perdeu a oportunidade de tratamento. Além disso, esses projetos têm permitido relacionar questões de saúde com a qualidade do solo e a qualidade da água, para ver se tem esses fatores estão relacionados e de que forma se pode intervir para evitar que isso se degrade ainda mais ou protegendo essas populações das alterações climáticas e até prevenindo a degradação da saúde através disso. Mas, para além disso, se conseguimos usar tecnologia para fazer o papel do especialista onde há escassez desse profissional e se isso confirma que a mortalidade cai, você está contribuindo com tecnologia para suprir a falta de um recurso que não existe e que não tem tanta facilidade para atrair. Hoje já se fala da cirurgia robótica, que proporciona o retorno mais precoce às atividades, mas já se fala em cirurgia remota, onde não tem um cirurgião especialista no local, mas um cirurgião geral e o especialista faz o procedimento à distância. Isso já está sendo feito na China, por exemplo. Então, é a tecnologia permitindo maior acesso aonde o recurso não existe.

O senhor falou que ainda há pouco investimento em saúde no âmbito da COP. Como o senhor enxerga o interesse nas inovações na área de saúde no SXSW?

Eu acho que tem interesse e ele é progressivo. Isso pode ser visto no próprio ambiente que eles nos reservaram. Na primeira vez, tivemos uma sala pequena. No segundo ano, foi uma sala um pouco maior e desta vez, serão duas salas moduladas. Então, eu acho que a própria organização está vendo que esse interesse tem aumentado.


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