Brasil
Pesquisa Ipec: para 40%, protestos de 2013 não reduziram a corrupção no Brasil
Por outro lado, 45% dizem que manifestações ajudaram a combater esse tipo de de crime. Com entrevistas entre 1º e 5 de junho, levantamento revela também que 40% não viram corrupção diminuir de dez anos para cá.
Aos poucos, o combate à corrupção tornou-se uma das principais bandeiras dos manifestantes de 2013. Dez anos depois, no entanto, 40% dos eleitores avaliam que aqueles episódios não ajudaram a diminuir essa prática na política brasileira. Os dados inéditos fazem parte da pesquisa Ipec/O GLOBO.
Entre os 2 mil entrevistados, 35% avaliam que as manifestações que abalaram o país em 2013 contribuíram para diminuir a corrupção no país. Outros 40% discordam em algum grau da afirmação, e 11% nem concordam, nem discordam. Os que não souberam responder são 16%.
Quem hoje avalia o governo federal como ruim ou péssimo — sentimento também investigado pelo Ipec —, o pessimismo com corrupção é também maior: 32%, contra 25% entre quem avalia a gestão de Lula como ótima ou boa.
Governos passados de esquerda e direita tiveram administrações marcadas por corrupção. Enquanto o mensalão e os desvios na Petrobras afetaram os governos petistas, Bolsonaro teve denúncias no orçamento secreto e de propina na compra de vacinas na pandemia e no Ministério da Educação, e hoje é investigado por tentar se apropriar ilegalmente de joias sauditas avaliadas em R$ 5,1 milhões.
Para Leonardo Avritzer, professor titular do departamento de Ciência Política da UFMG, Junho de 2013 ajudou a colocar o tema do combate à corrupção na agenda política, pauta que dificilmente era listada como prioridade em pesquisas de opinião na década anterior. Ele define a Operação Lava-Jato como “o grande paradoxo brasileiro”, por ter sido a investigação mais proposta a combater a corrupção e, mesmo assim, se tornado “inviesada e politizada”, o que acabou não contribuído para resultados práticos.
— Não é surpresa que lulistas e bolsonaristas concordem, porque hoje as ações anticorrupção incidem sobre ambos os lados do espectro político. No entanto, aqueles que discordam estão mais certos, porque o Brasil não tem hoje uma instituição despolitizada de combate à corrupção — afirma Avritzer.
Uma demanda social ativa
Daniel de Mendonça, professor do Instituto de Filosofia, Sociologia e Política da Universidade Federal de Pelotas UFPel), diz que não se pode confundir a decepção da população sobre o combate à corrupção com o fenômeno em si, o que torna a medição desse sentimento algo “delicado”. Para ele, a diferença de percepção sobre o assunto entre eleitores de Lula e Bolsonaro e quem anulou o voto tem a ver com o perfil do eleitor.
— Certamente o eleitorado que votou branco e nulo e se sente menos confiante com a redução da corrupção depois de Junho de 2013 é um típico eleitor que não acredita na política. Ele é descrente, capitulou a qualquer tipo de esperança de que a política possa mudar sua vida. Tem um grau de pessimismo muito evidente — afirma Mendonça.
Há mais homens que mulheres concordando que houve alguma melhora no combate à corrupção, 40% contra 30%. No recorte por escolaridade, pessoas com ensino fundamental completo também são mais crentes nessa afirmação. Se 38% concordam parcial ou totalmente que a corrupção diminuiu após as manifestações de 2013, a taxa é de 25% entre quem tem ensino superior. Por outro lado, 49% dos respondentes mais escolarizados dizem que discordam da afirmação, enquanto os menos escolarizados somam 25%.
Mais ricos veem mais aumento de corrupção
Moradores do Nordeste e do Sul se contrapõem no assunto. Entre nordestinos, 46% concordam total ou parcialmente que houve queda na corrupção — a taxa é de 30% entre sulistas.
O sentimento positivo em relação ao tema é mais popular no interior, onde 37% veem melhora na corrupção — contra 31% nas capitais. Já nessas grandes cidades 45% discordam parcial ou totalmente que Junho de 2013 deixou o país menos corrupto, enquanto o índice é de 36% no interior.
No recorte por tamanho das cidades em termos populacionais é possível notar a queda do otimismo com a corrupção de acordo com o porte do município. Em cidades de até 50 mil habitantes, 38% veem melhora na corrupção, taxa que cai para 30% nos municípios com mais de 500 mil habitantes.
A condição socioeconômica influencia no sentimento da população sobre o tema. Entre pessoas com renda familiar superior a cinco salários mínimos, 49% acham que a corrupção não melhorou. Já entre aqueles respondentes com renda familiar de até um salário, o índice é de 33%.
A pesquisa do Ipec foi feita com 2 mil respondentes, em 127 municípios, entre 1º e 5 de junho. A margem de erro máxima estimada é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos, e o nível de confiança é de 95%.
Eleições
Passada uma década das manifestações de junho de 2013, o turbilhão que sacudiu o tabuleiro político nacional ainda causa reflexos no país. A pesquisa Ipec/O GLOBO foi às ruas entre 1º e 5 de junho e identificou que quatro em cada dez brasileiros dizem ter alterado a forma como escolhem seus candidatos a partir de então. Outros 40%, porém, não acham que os eventos daquele ano reduziram a corrupção.
O levantamento revela ainda uma parcela significativa de cidadãos que sequer se lembra das Jornadas de Junho, que ganharam força com protestos contra o aumento das tarifas de ônibus em São Paulo, mas extrapolaram os limites dos transportes públicos e alcançaram outras reivindicações nas cinco regiões do Brasil.
O Ipec mostra que, para 39% dos eleitores, as manifestações de 2013 mudaram seu modo de escolher os candidatos nas eleições. A proporção de homens com essa certeza é superior à de mulheres: 44% contra 35%. Por outro lado, mais de um terço (35%) afirma o oposto: os episódios não influenciaram em nada seu voto, somente quatro pontos a menos em relação ao primeiro grupo. As percepções variam por região: no Sul, um quinto (20%) afirma ter apoiado as manifestações se orgulhando disso, enquanto em outras regiões a taxa é de 15%. Já o Sudeste é o recordista de esquecimento ou não resposta (40%), justamente onde ficam os centros urbanos que registraram os principais protestos.
Corrupção presente
Carolina Botelho, cientista política do Instituto de Estudos Avançados (USP) e pesquisadora associada da Uerj, conecta essa mudança de votos a uma direita “repaginada” a partir de 2013. Ela analisa que os protestos atraíram para as ruas um movimento de massas da direita que estava represado desde a época da ditadura militar, e que fortaleceu candidatos identificados com pautas conservadoras. Até então, vigorava desde a redemocratização a ideia de uma “direita envergonhada”, de um grupo que existia, mas não se assumia por causa da memória da ditadura.
Apesar da reeleição da ex-presidente Dilma Rousseff no ano seguinte, a direita radical começou a ganhar espaço. Naquela eleição de 2014, o então deputado Jair Bolsonaro quadruplicou a quantidade de votos que vinha recebendo à Câmara nas décadas anteriores, da faixa dos 100 mil para 400 mil.
— O que muda na classe política é que a direita consegue vocalizar e levar pessoas para as ruas, e os políticos ligados a essas questões tentam trazer para si esse eleitorado. Bolsonaro é parte disso, teve em parte uma inteligência política (para se apropriar desse movimento). Essa é uma mudança profunda — analisa Carolina.
Aos poucos, o combate à corrupção tornou-se uma das principais bandeiras de 2013. Dez anos depois, no entanto, 40% dos eleitores avaliam que aqueles episódios não ajudaram a diminuir essa prática. Outros 35% pensam que houve, sim, uma diminuição do crime. Ao responderem se roubou-se menos dos cofres públicos pós-2013, 11% nem concordam, nem discordam, e os que não souberam responder são 16%.
Para Leonardo Avritzer, professor titular do departamento de Ciência Política da UFMG, Junho de 2013 ajudou a colocar o tema da corrupção na agenda política, pauta que dificilmente era listada como prioridade em pesquisas de opinião na década anterior. Ele classifica a Lava-Jato como “o grande paradoxo brasileiro” por ter sido uma investigação concentrada em combater a corrupção e, mesmo assim, ter se transformado em uma ação “enviesada e politizada”, o que acabou não contribuído para resultados práticos.
— Hoje as ações anticorrupção incidem sobre ambos os lados do espectro político. No entanto, aqueles que discordam estão mais certos, porque o Brasil não tem hoje uma instituição despolitizada de combate à corrupção — afirma Avritzer.
Amnésia coletiva
No campo da direita, é popular a avaliação de que Junho de 2013 representou um “despertar” para a nova direita. Essa interpretação se insere, por exemplo, em obras cinematográficas como “Nem tudo se desfaz”, do cineasta Josias Teófilo, simpatizante do escritor Olavo de Carvalho, ideólogo do bolsonarismo. E a esquerda costuma tratar Junho como a incubadora do “ovo da serpente”, termo usado para expressar uma espécie de prenúncio do desastre.
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Por outro lado, se houve “despertar”, também há um evidente esquecimento — ao menos declarado. São considerados altos os índices de dúvida ou incompreensão na pesquisa sobre 2013. O apagão de memória é mais intenso entre moradores de periferias, onde 35% dos respondentes dizem não se lembrar das manifestações. A taxa é de 25% para o público geral, e sobe para 32% entre os mais jovens (16 a 24 anos) — que eram crianças ou estavam no começo da adolescência àquela época.
Embora tenha havido um ponto de virada na popularidade dos atos ao longo daquele mês — ganharam adesão nas ruas e na opinião pública —, 41% das pessoas afirmam hoje não ter apoiado os protestos, sem arrependimentos. Na outra ponta, o índice é de 20% entre quem diz sentir orgulho de ter apoiado os atos. A pesquisa foi feita com 2 mil entrevistas presenciais em 127 municípios. A margem de erro é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos dentro de um intervalo de confiança de 95%.
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