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Pesquisa indica vestígios de cidade e vila do século XVIII escondidos na meio da Floresta Amazônica

Uma cidade e uma vila do século XVIII foram localizadas em Rondônia por arqueólogos e quilombolas graças à tecnologia laser.

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Pesquisadores dizem que cerca de 300 pessoas moravam em Lamego, uma das cidades descobertas na área. (Foto: ASQFORT/Amazônia Revelada)

Escondidas há cerca de três séculos pela terra e a vegetação da Floresta Amazônica, uma cidade e uma vila do século XVIII foram localizadas em Rondônia por arqueólogos e quilombolas, graças à tecnologia laser. A descoberta foi anunciada em outubro, durante um evento do projeto Amazônia Revelada, que, com o Lidar, um sistema de sensoriamento remoto, mapeia a topografia da floresta e identifica sítios arqueológicos com o auxílio de populações locais.

De acordo com reportagem do jornal O Globo, o sítio histórico foi encontrado perto do quilombo Real Forte do Príncipe da Beira, em Costa Marques, município na fronteira com a Bolívia. A cidade e a vila, onde moravam portugueses e escravizados indígenas e africanos, abasteciam com mercadorias e alimentos a fortificação militar e Vila Bela da Santíssima Trindade, primeira capital da província de Mato Grosso.

— Nessa cidade, batizada de Lamego, havia 15 casas, com dezenas de pessoas em cada uma. Elas não eram como imaginamos hoje, e sim mais semelhantes a malocas indígenas ou feitas de pau a pique. Cerca de 300 pessoas moravam ali — conta o professor de arqueologia da Universidade Federal de Rondônia Carlos Augusto Zimpel.

Um dos objetivos do Amazônia Revelada, financiado pela National Geographic e apoiado pelo Inpe, MapBiomas e Museu da Amazônia, é preservar a área descoberta e estimular o turismo na região.

Conhecimento histórico

As imagens obtidas nos sobrevoos indicaram a presença de uma vala artificial que poderia ser Lamego. Nela, pesquisadores encontraram mais telhas e blocos de pedra do que o esperado. Era um indício, segundo Zimpel, de uma cidade maior do que imaginada e indicada nos mapas. Oito quilômetros separam Lamego da Vila de Bragança, onde os pesquisadores observaram traçados de ruas e sinais de oficinas e casas.

A ocupação da região pelos portugueses começou com a assinatura do Tratado de Madri, entre Portugal e Espanha, em 1750. Mas no início do século XIX, os habitantes já haviam deixado Lamego. A existência da cidade era conhecida por meio de documentos e relatos históricos de viagens. A localização exata, no entanto, não era conhecida pelos habitantes nem por acadêmicos. Descendentes dos moradores de Lamego, os quilombolas do Real Forte do Príncipe da Beira participaram dos trabalhos arqueológicos na área e autorizaram os sobrevoos de mapeamento topográfico.

Zimpel conta ter se aproximado dos quilombolas durante a pesquisa de sua tese de doutorado em Costa Marques. Um deles, Elvis Pesoa, morto em abril do ano passado, atuava como guia turístico na fortaleza.

— Eu fiquei muito impressionado em relação ao conhecimento histórico dele da região. Não era formal, mas conhecimento oral. Ele mostrou que o forte era só um dentre outros sítios arqueológicos da região — conta o professor. — A grande demanda da comunidade é a ampliação do turismo. Acreditamos que, com essas descobertas, ele possa ser expandido, com uma base comunitária, independente de qualquer política de Estado.

Essa futura rota turística de Costa Marques pode incluir outras áreas de interesse histórico próximas ao quilombo. Uma delas é o Labirinto, como é conhecida uma série de quase 20 estruturas de pedra tomadas pela mata, em um morro. Pesquisadores identificaram nela uma guarda militar portuguesa.

A mesma tecnologia responsável por encontrar a vila e a cidade mostrou aos pesquisadores dois geoglifos na região. São relevos geométricos, um quadrado e um círculo, feitos no chão por indígenas, provavelmente séculos antes da presença portuguesa na área. A concentração dessas formações somada à presença de cerâmicas indica um assentamento indígena populoso.

— Sabíamos que existiam esses sítios, mas não o local certo. Eu fiquei arrepiado quando vi — diz o guia turístico Santiago Pesoa, irmão de Elvis.

Para mapear esse e outros territórios, os arqueólogos contam com o Lidar, acrônimo em inglês para detecção de luz e alcance. Instalado em um avião, o equipamento emite feixes de luz em direção à superfície. Após serem refletidos no solo ou na copa das árvores, esses pulsos retornam ao sensor do aparelho. Os dados coletados indicam a distância percorrida por cada feixe e servem para a criação de mapas tridimensionais do relevo, com elevado nível de precisão.

— Com as condições adequadas, se faz em algumas horas o que levaria horas no passado. Hoje, é uma tecnologia tão importante para a arqueologia quanto foi o carbono 14 — explica o professor da USP Eduardo Neves, um dos idealizadores e coordenadores do projeto. — Voamos no arco de desmatamento: Acre, Rondônia e Pará. Mapeamos cerca de 1,6 mil km². Parece muito, mas não é.

Santiago reconhece que o aparelho no avião consegue “desvendar mistérios” por baixo das folhas e da terra.

— Passamos uma semana dentro da mata, limpando, tirando foto, registrando ponto por ponto, até descobrir e chegar nessas cidades antigas — recorda.

Descobertas à vista

O território já submetido aos feixes de luz do Lidar equivale a apenas 3,1% da área da Amazônia Legal. Atualmente, os arqueólogos fazem sobrevoos na Ilha de Marajó, e a expectativa é de resultados “promissores”, diz Neves.

Os sítios arqueológicos descobertos estão em áreas alvos de queimadas ou da pressão de garimpeiros. Um dos objetivos do Amazônia Revelada é adicionar mais uma camada de proteção legal à floresta, não ambiental, mas ligada ao patrimônio histórico e cultural. Rondônia, onde a maior parte das descobertas foi feita, registrou em setembro o maior número de incêndios florestais em 14 anos. Um deles foi no quilombo do Forte do Príncipe da Beira, que entrou em estado de emergência. Entre o dia 9 e 14, roças, florestas e casas de agricultores foram atingidas pelas chamas.

— São pessoas que carecem muito de políticas públicas — diz Zimpel sobre os quilombolas. — Devemos tentar sensibilizar o poder público para mostrar que elas merecem a nossa atenção. Estão preservando o nosso patrimônio histórico, protegendo a nossa fronteira.


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