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Brasil

Perdas com crime custam 4,2% do PIB por ano para setor privado, apontam especialistas

Especialistas alertam que, além do ambiente de negócios mais incerto e inseguro, a inserção do crime organizado nas brechas da economia gera instabilidade e problemas de concorrência.

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Operações que o crime organizado leva adiante para expandir suas atividades geram incerteza, insegurança jurídica e acabam minando o ambiente de negócios e a atividade econômica. Anualmente, o Brasil gasta cerca de 5,9% do Produto Interno Bruto (PIB) com violência e criminalidade – sendo que o setor privado responde por 4,2%. As informações são da revista Valor Econômico.

Um exemplo é a ação do grupo criminoso Primeiro Comando da Capital (PCC), que domina as ações do crime organizado em São Paulo e em boa parte do Norte e Nordeste do país. Esta semana, a facção foi alvo de operação policial para apurar sua participação em empresas de ônibus de São Paulo.

Na terça-feira, 9, o Ministério Público de São Paulo apresentou denúncia contra membros de esquema da facção Primeiro Comando da Capital (PCC) envolvendo lavagem de dinheiro, extorsão, apropriação indébita e fraudes em licitações. A lavagem de capitais era feita por meio das empresas de ônibus Transwolff e a UPBus.

Especialistas ouvidos pelo Valor alertam que, além do ambiente de negócios mais incerto e inseguro, a inserção do crime organizado nas brechas da economia gera instabilidade e problemas de concorrência.

Dados do Atlas da Violência, feito pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostram que os custos privados com a falta de segurança pública representam cerca de 4,2% do PIB, enquanto as despesas públicas totalizam 1,7%. Entram nesse cálculo tanto custos com segurança privada e seguros quanto gastos nos sistemas de saúde, segurança pública e prisional.

“A violência afeta não só preços de bens e serviços, inibe a acumulação de capital físico e humano. Isso ocorre por vários canais diferentes e aflige todos os atores da economia, firmas, famílias, governo e setor externo”, afirma Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea e coordenador do Atlas da Violência.

Do ponto de vista das empresas, diz, crime e violência afetam o custo de logística e fretes. “O roubo de carga já foi um problema mais agudo no Brasil, sobretudo no Rio de Janeiro”, diz. “Um estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) estimou que o custo de alguns bens pode ter sido majorado em até 30% no auge desse problema no Rio, em 2017. Algumas empresas se recusavam a fazer fretes para algumas regiões do Estado, e 13% das empresas de logística fecharam ou se mudaram de lá.”

Outro risco é o fechamento de empresas e alocação de fábricas em áreas que passam a ser conflagradas. “Um exemplo é o bairro do Jacarezinho, na zona norte do Rio, onde há 30 anos havia grandes fábricas, mas todas fecharam. O mesmo ocorre hoje com o comércio na região da Cracolândia, centro de São Paulo”, afirma.

Cerqueira observa que, do lado do trabalhador, altas taxas de violência também imprimem perda de produtividade, já que as pessoas perdem dias de trabalho, adoecem e correm risco de vida.

“O crime organizado não se coloca como algo à parte da economia. Vai se aproveitando tanto do Estado quanto da economia, das brechas e, especialmente, do momento de consolidação [atual], no qual as facções não estão mais lastreadas em uma única mercadoria ou atividade”, afirma Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

“O próprio PCC nasce como organização formada por ladrões de banco e depois passa a incorporar o tráfico de drogas como uma das atividades principais. Hoje controla também cadeias de contrabando de cigarros na fronteira com o Paraguai, garimpos no Brasil, e venda ilegal de armas.”

Lima lembra que os negócios vão mudando, pois o mercado começa a ficar saturado e os grupos vão encontrando novas oportunidades. Por exemplo, diz, se antes havia roubo de cargas e a caixas eletrônicos, hoje há cibercrimes e roubos de celulares. Hoje, afirma o especialista, um celular pode gerar R$ 50 mil para quem o rouba, seja com empréstimos no banco, saques de aplicação, cheque especial ou cartão de crédito.

“O crime é realidade, e se queremos preveni-lo, temos de entender o real impacto dele na economia. Temos de entender o poder bélico, financeiro, político e a captura da economia formal para o crime organizado se retroalimentar”, afirma. “O problema é tão grande que as respostas não se darão apenas no direito penal e na esfera policial. Precisamos reforçar a capacidade regulatória para fechar as brechas a fim de impedir que o dinheiro ilegal circule.”

Estudo do fim de 2023 do Fundo Monetário Internacional (FMI) mostra que um aumento de 1% na taxa de homicídio médio na América Latina e no Caribe reduz o crescimento econômico da região em 0,3 ponto percentual. Baixar o nível de criminalidade na América Latina para a média mundial aumentaria o crescimento da região em até 0,5 ponto percentual, um terço do crescimento da região de 2017 a 2019, segundo o estudo.

“Na América Latina, estima-se que um aumento de 30% nas taxas de homicídio reduza o crescimento em 0,14 ponto percentual”, afirma o texto, ao observar que fortalecer a segurança interna na região poderia impulsionar o crescimento em países onde gastos com lei e ordem já são altos e o espaço fiscal, limitado.

Para prevenir o crime, temos de entender o impacto na economia” — Renato Sergio Lima
Pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP), Bruno Paes Manso afirma que a relação entre ampliação das operações do crime organizado e a disposição de empresas em investir é inversa.

Ele lembra que em Seropédica, na Baixada Fluminense, taxas cobradas por milícias a empresas de energia solar têm afastado empresas. Funcionários de empresas do segmento relatam que não conseguem operar sem pagar aos milicianos mensalidade em troca de segurança. “São casos concretos que mostram como [empresários e investidores] se sentem coagidos.”

Se uma empresa é beneficiada por operações do crime organizado, há, portanto, um impacto nas regras do jogo, afirma a advogada criminalista Tatiana Stoco, professora de direito e processo penal do Insper.

“Se essas empresas estão envolvidas [em atividades ligadas às organizações criminosas], vemos isso afetar de forma importante a livre concorrência, pois [elas] estariam em condições melhores de negociação”, diz. “Há um efeito para a economia do ponto de vista concorrencial. Mercados sadios são aqueles em que todos os players estão em condições iguais de jogo.” Nesse sentido, Cerqueira afirma que a entrada do crime organizado na economia formal é geradora de ineficiências.

“Enquanto o objetivo da empresa é maximizar lucro, o do crime organizado é a lavagem de dinheiro. Não necessariamente busca-se a melhor alocação de recursos, porque isso é um objetivo secundário”, argumenta.

Ao combater o crime organizado, por meio de medidas econômicas ou repressivas, o Estado colabora para mitigar os desequilíbrios na economia, garantindo concorrência ampla e práticas empresariais adequadas, afirma João Fiuza, mestre em segurança internacional e doutorando em relações internacionais na USP.

O problema é que nem sempre o Estado consegue exercer sua autoridade, afirma Alberto Kopittke, diretor-executivo do Instituto Cidade Segura.

“O crime organizado vai criando zonas de anemia, onde o Estado não consegue se impor”, diz. “[Por isso] é importante fortalecer o controle interno das polícias, criando uma linha rígida de não contaminação, pois o crime organizado tenta se infiltrar nas polícias através da corrupção e do uso da força sem controle.”

As autoridades brasileiras vêm se esforçando para combater as organizações criminosas, mas a maneira como elas se inserem no mercado tem dificultado identificar a origem do dinheiro e saber se ele é lícito ou ilícito, afirma Romulo Palitot, professor de direito penal da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e presidente da Associação Nacional da Advocacia Criminal da Paraíba (Anacrim-PB).

“Seja no narcotráfico, rede de prostituição, tráfico de pessoas e corrupção, o dinheiro é inserido em empresas e é mais difícil a fiscalização”, diz. “É preciso seguir o dinheiro para saber se aquele valor tem ou não cheiro de ilicitude. Mas chega um momento em que está tão mesclado com outras atividades, que fica difícil distinguir.”


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