Brasil
Especialistas mostram como saber se o combustível foi adulterado em postos usados por facção criminosa
Megaoperação contra esquema no setor de postos de combustível envolvendo o PCC e a Faria Lima cumpriu mais de 350 mandados em 8 estados.

O esquema de fraude em postos de combustível e fintechs que tinha núcleos comandados pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) deflagrado em uma megaoperação no dia 28 de agosto pode ter levado o consumidor a se questionar sobre a qualidade dos combustíveis nos postos.
A prática de misturar combustível com água e outras substâncias pode acarretar graves problemas ao veículo. O único jeito de perceber que a adulteração aconteceu é observando o carro: barulhos estranhos, cheiro de queimado e luzes diferentes no painel indicam o perigo.
A Operação Carbono Oculto apurou que a fraude começava na importação irregular de metanol, que chega ao país pelo Porto de Paranaguá, no Paraná. O produto, que era para ser entregue para empresas de química e biodiesel indicados nas notas fiscais, era desviado para postos de combustíveis.
Nos postos de combustíveis, o metanol era adicionado à gasolina e vendido ao consumidor final. De acordo com as autoridades, a fraude era tanto quantitativa, porque o consumidor recebia menos combustível do que pagava, quanto qualitativa, uma vez que o metanol está fora das especificações técnicas exigidas pela Agência Nacional de Petróleo (ANP).
Segundo a Receita Federal, cerca de 1.000 postos de combustíveis vinculados ao grupo movimentaram R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.
Como saber se seu carro foi abastecido com combustível adulterado
-Perda de força e tosse (falha como se o motor fosse morrer a qualquer momento) logo após sair do posto é uma das indicações de que o combustível possa estar adulterado. Os solventes químicos utilizados para modificação contêm impurezas que danificam o filtro de combustível, as velas e as bombas de injeção.
-Tentar dar partida no dia seguinte. Se não pegar, isso é um sinal de que o combustível foi adulterado. A bomba de ignição pode estar entupida.
-Ruídos e odor incomuns também são sinal claro. Som similar a uma bicicleta trocando de marcha, cheiro de querosene e solvente saindo do escapamento são os mais comuns.
-Caso uma luz amarela apareça no painel, semelhante a um motor, é um indício de que a injeção foi afetada. O sistema controla a admissão de combustível e calcula a porcentagem de mistura com ar. Não é a única causa que leva a acender, mas, caso aconteça logo após abastecer, deve-se ficar atento.
-O aumento do consumo deve ser observado. Se ao percorrer um trajeto habitual notar que o veículo bebeu mais do normal, preste bem atenção.
Para evitar essas práticas, as dicas são procurar, sempre, por um posto de confiança. Os que possuam bandeira (marca do posto/distribuidora) são os recomendáveis. Solicitar a nota fiscal também é uma forma de exigir os seus direitos caso venha a ser necessário.
Além disso, é recomendado ser sempre desconfiado: duvide se os valores da gasolina, etanol ou diesel estiverem muito abaixo do normal.
Megaoperação
Uma megaoperação contra um esquema criminoso no setor de combustíveis, que tem núcleos comandados pelo PCC e operadores da Faria Lima, avenida localizada na zona oeste de São Paulo que é considerada um dos principais centros comerciais e financeiros da cidade, cumpriu mandados de prisão, busca e apreensão em oito estados, na manhã da última quinta-feira. Foi a maior operação contra o crime organizado da história do país, segundo a força-tarefa que envolve o Ministério Público de São Paulo (MPSP) e a Receita Federal.
O objetivo da ação era desmantelar um esquema de fraudes e de lavagem de dinheiro no setor de combustíveis. Estão na mira da investigação vários elos da cadeia de combustíveis controlados pelo crime organizado, desde a importação, produção, distribuição e comercialização ao consumidor final até os elos finais de ocultação e blindagem do patrimônio, via fintechs e fundos de investimentos.
Segundo a Receita Federal, uma rede de 1.200 postos movimentou mais de R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024, mas pagou penas R$ 90 milhões (0,17%) em impostos. Para lavar dinheiro do esquema, o grupo teria usado 40 fundos com patrimônio de R$ 30 bilhões, geridos por operadores da Faria Lima.
Entre os alvos da operação, batizada de Carbono Oculto, estão as instituições financeiras BK e Banrow, as usinas sucroalcooleiras Itajobi e Carolo, e os operadores Mohamad Hussein Mourad, conhecido como Primo ou João, e Roberto Augusto Leme da Silva, o Beto Louco. Ambos são ligados à distribuidora Aster e à Copape.
Operação Carbono Oculto
Foram cumpridos mandados de busca e apreensão em cerca de 350 alvos — entre pessoas físicas e jurídicas —, localizados em oito estados: São Paulo, Espírito Santo, Paraná, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Rio de Janeiro e Santa Catarina. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) também ingressou com ações judiciais cíveis de bloqueio de mais de R$ 1 bilhão em bens dos envolvidos, incluindo imóveis e veículos, para a garantia do crédito tributário.
As investigações apontam que o esquema comandado pela organização criminosa, ao mesmo tempo que lavava o dinheiro proveniente do crime, obtinha elevados lucros na cadeia produtiva de combustíveis. O uso de centenas de empresas operacionais na fraude permitia dissimular os recursos de origem criminosa. A sonegação fiscal e a adulteração de produtos aumentavam os lucros e prejudicavam os consumidores e a sociedade.
Operações financeiras realizadas por meio de fintechs dificultavam o rastreamento dos valores transacionados, de acordo com a Receita Federal. Por fim, o lucro e os recursos lavados com o crime eram blindados em fundos de investimentos com diversas camadas de ocultação, de forma a tentar impedir a identificação dos reais beneficiários.
Participaram da operação cerca de 350 servidores da Receita Federal, além de servidores do Ministério Público de São Paulo (MPSP), por intermédio do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco); do Ministério Público Federal, por meio do Gaeco; da Polícia Federal; das Polícias Civil e Militar; da Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (Sefaz/SP); da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP); e da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo (PGE/SP).
Fraudes
Importadoras atuavam como interpostas pessoas, adquirindo no exterior nafta, hidrocarbonetos e diesel com recursos de formuladoras e distribuidoras vinculadas à organização criminosa. Somente entre 2020 e 2024, foram importados mais de R$ 10 bilhões em combustíveis pelos investigados.
Por sua vez, formuladoras e distribuidoras, além de postos de combustíveis também vinculados à organização, sonegavam reiteradamente tributos em suas operações de venda. A Receita Federal já constituiu créditos tributários federais de um total de mais de R$ 8,67 bilhões em pessoas e empresas integrantes do esquema.
Outra fraude detectada envolvia a adulteração de combustíveis. O metanol, importado supostamente para outros fins, era desviado para uso na fabricação de gasolina adulterada, com sérios prejuízos para os consumidores.
Lavagem de dinheiro
As formuladoras, as distribuidoras e os postos de combustíveis também eram usados para lavar dinheiro. Há indícios de que as lojas de conveniência e as administradoras desses postos, além de padarias, também participavam do esquema.
Auditores-fiscais da Receita Federal identificaram irregularidades em mais de mil postos de combustíveis distribuídos em 10 estados — São Paulo, Bahia, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Tocantins. A maioria desses postos tinha o papel de receber dinheiro em espécie ou via maquininhas de cartão e transferir dinheiro do crime para a organização criminosa por meio de suas contas bancárias no esquema de lavagem de dinheiro. Entre 2020 e 2024, a movimentação financeira desses postos foi de R$ 52 bilhões, com recolhimento de tributos muito baixo e incompatível com suas atividades. Os postos já foram autuados pela Receita Federal em mais de R$ 891 milhões.
No entanto, cerca de 140 postos eram usados de outra forma. Eles não tiveram qualquer movimentação entre 2020 e 2024, mas, mesmo assim, foram destinatários de mais de R$ 2 bilhões em notas fiscais de combustíveis. Possivelmente, essas aquisições simuladas serviram para ocultar o trânsito de valores ilícitos depositados nas distribuidoras vinculadas à organização criminosa.
Ocultação
Os valores eram inseridos no sistema financeiro por meio de fintechs, empresas que utilizam tecnologia para oferecer serviços financeiros digitais. A Receita Federal identificou que uma fintech de pagamento atuava como “banco paralelo” da organização criminosa, tendo movimentado mais de R$ 46 bilhões de 2020 a 2024. As mesmas pessoas controlavam outras instituições de pagamento menores, usadas para criar uma dupla camada de ocultação.
A fintech também recebia diretamente valores em espécie. Entre 2022 e 2023, foram efetuados mais de 10,9 mil depósitos em espécie, totalizando mais de R$ 61 milhões. Este é um procedimento completamente estranho à natureza de uma instituição de pagamento, que opera apenas dinheiro escritural.
A utilização de fintechs pelo crime organizado objetiva aproveitar brechas na regulação desse tipo de instituição. Essas brechas impedem o rastreamento do fluxo dos recursos e a identificação, pelos órgãos de controle e de fiscalização, dos valores movimentados por cada um dos clientes da fintech de forma isolada.
Uma dessas brechas é a utilização da “conta-bolsão”, uma conta aberta em nome da própria fintech em um banco comercial por onde transitam de forma não segregada recursos de todos os seus clientes. Era dessa forma que as operações de compensação financeira entre as distribuidoras e os postos de combustíveis eram realizadas, assim como compensações financeiras entre as empresas e os fundos de investimentos administrados pela própria organização criminosa. A fintech era usada ainda para efetuar pagamentos de colaboradores e de gastos e investimentos pessoais dos principais operadores do esquema.
Outra brecha é a não obrigatoriedade de prestação de informações à Receita Federal sobre as operações financeiras dos clientes por meio da e-Financeira. Em 2024, a Receita Federal promoveu alterações normativas referentes à e-Financeira visando dar maior transparência e diminuir a opacidade das instituições de pagamento, alterações essas revogadas no início de 2025 após onda de fake news sobre o tema.
Portanto, a fintech era um poderoso núcleo financeiro da organização criminosa, porém invisível para ações de controle e fiscalização.
Blindagem
O dinheiro de origem ilícita era reinvestido em negócios, propriedades e outros investimentos, mediante fundos de investimentos que recebiam recursos da fintech, o que dificultava sua rastreabilidade e lhe dava uma aparência de legalidade.
A Receita Federal já identificou ao menos 40 fundos de investimentos (multimercado e imobiliários), com patrimônio de R$ 30 bilhões, controlados pela organização criminosa. Em sua maioria, são fundos fechados com um único cotista, geralmente outro fundo de investimento, criando camadas de ocultação. Entre os bens adquiridos por esses fundos, há um terminal portuário, quatro usinas produtoras de álcool (mais duas usinas em parceria ou em processo de aquisição), 1.600 caminhões para transporte de combustíveis e mais de 100 imóveis — inclusive seis fazendas no interior do estado de São Paulo, avaliadas em R$ 31 milhões, e uma residência em Trancoso/BA, adquirida por R$ 13 milhões.
Os indícios apontam que esses fundos são utilizados como um mercado de ocultação e blindagem patrimonial e sugerem que as administradoras dos fundos estavam cientes e contribuíram para o esquema, inclusive não cumprindo obrigações com a Receita Federal, de forma que sua movimentação e a de seus cotistas fossem ocultadas da fiscalização.
Nome da operação
O nome Carbono Oculto foi escolhido para traduzir, de maneira metafórica, a ideia de dinheiro escondido dentro da cadeia do combustível, em alusão tanto ao elemento químico presente na gasolina e no diesel quanto ao ato de esconder recursos ilícitos nas instituições de pagamento e nos fundos de investimentos.
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