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Envio pelo correio e baladas: como avança pelo Brasil a ketamina, citada no caso Djidja Cardoso

A ketamina está em evidência com o caso da ex-sinhazinha do Boi Garantido, do Festival de Parintins, Djidja Cardoso, achada morta no dia 28 em sua casa, em Manaus.

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As apreensões da droga ketamina mais do que dobraram no Brasil no ano passado ante 2022, segundo a Polícia Federal. No período, o total de casos subiu de 10 para 22 e o de gramas apreendidos, de 2.514 para 4.463 (alta de 78%).  De acordo com reportagem publicada pelo jornal Estado de São Paulo, em 2021, quando a PF passou a compilar dados sobre essa substância, o salto é maior – naquele ano houve 4 apreensões, com recolhimento de 698 gramas. A droga, também conhecida por cetamina, é obtida de um medicamento de uso humano e veterinário.

A ketamina está em evidência com o caso da ex-sinhazinha do Boi Garantido, do Festival de Parintins, Djidja Cardoso, achada morta no dia 28 em sua casa, em Manaus. A causa ainda é investigada, mas há suspeita de overdose da droga, que causa efeitos alucinógenos e graves danos à saúde.

No dia 30, a Polícia Civil do Amazonas prendeu preventivamente cinco suspeitos de integrar uma seita religiosa supostamente envolvida na distribuição de ketamina. Dois dos detidos são parentes de Djidja Cardoso.

Em seu uso veterinário, a cetamina tem a venda controlada pelo Ministério da Agricultura e Pecuária. Já como medicamento humano, é usada como anestésico geral em cirurgias e classificada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) como psicotrópico, sujeito a controle especial. Não é vendido em farmácias.

O produto vem sendo desviado de clínicas e estabelecimentos veterinários autorizados a adquiri-lo e vendido de forma clandestina como droga recreativa. Ela passou a ser usada principalmente em festas e baladas com música eletrônica. Usuários relatam efeitos psicodélicos, incluindo a sensação de estar “fora do corpo”. Há riscos de convulsões e agravamento de problemas cardíacos.

Ketamina avança pelo País

As apreensões da PF indicam que a ketamina está se espalhando pelo Brasil. Embora as apreensões se concentrem em São Paulo e em grandes cidades do interior paulista, como Campinas e Santos, porções significativas foram recolhidas em outros Estados, como em Manaus, Curitiba, Fortaleza, Campo Grande, Rio de Janeiro e Pelotas (RS). Em todos os casos, a droga estava em forma de pó.

“Nas pesquisas que a gente faz sobre o uso de drogas em festas, a ketamina é uma das que mais tem aparecido”, diz o professor José Luiz da Costa, coordenador do Centro de Informação e Assistência Toxicológica (CiaTox) de Campinas.

A ketamina é diferente das chamadas Drogas K, que são canabinóides sintéticos. “Não é um derivado, é o próprio medicamento de uso veterinário que é desviado e usado como droga”, diz. O medicamento normalmente está em solução líquida, secada pelo usuário. Sobra o pó branco usado como droga.

Além do uso recreativo – e ilícito -, a ketamina é usada em esquemas criminosos, como golpes do tipo “boa noite, Cinderela”, pois é capaz de causar apagões. Segundo o pesquisador, o público usuário é diferente daquele das Drogas K, que surgiram nas prisões e ganharam as ruas, incluindo as cracolândias. “Geralmente o público da ketamina é aquele que vai em raves com música eletrônica.”

Droga mais cara

O que alimenta o tráfico, além do potencial alucinógeno, é o alto preço no mercado clandestino. Uma ampola de cetamina que custa cerca de R$ 90 no mercado legal, é revendida por até R$ 400 a traficantes. Em pó, a ketamina é vendida entre R$ 100 a R$ 150 o grama. Uma ampola de 50 ml desidratada pode render até 10 gramas de pó.

Das 22 apreensões da PF no ano passado, 17 foram na cidade de São Paulo. Na maior delas, em janeiro de 2022, foram 972,8 gramas da droga – suficiente para anestesiar cirurgicamente ao menos 100 pessoas.

O consumo se espalhou também pelo interior. Em novembro de 2023, a Polícia Federal de Bauru realizou a Operação Special-K e prendeu dois suspeitos de atuarem no desvio e distribuição da ketamina.

A investigação teve início em junho de 2023 e durou seis meses. A Delegacia de PF em Bauru recebeu informações de que um veterinário que atuava na própria cidade desviava o medicamento para vender o entorpecente para uso recreativo. Por ser produto controlado, só o veterinário podia adquirir a cetamina, a pretexto de sua utilização como anestésico para fins cirúrgicos em animais.

Após a aquisição, a substância era distribuída entre os demais membros da organização os quais, se valendo da rede de amigos e conhecidos, vendiam a ketamina em casas noturnas e outros eventos sociais. Após a investigação, nove pessoas foram indiciadas por tráfico e associação para o tráfico, cujas penas somadas podem chegar a 25 anos de reclusão. Os suspeitos não tiveram os nomes divulgados.

Em São Paulo, o Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes (Denarc) realizou este ano duas apreensões de cetamina, totalizando 26 frascos. No ano passado, foram 30 frascos e, em 2022, as apreensões somaram 102 frascos, além de 3,5 gramas de ketamina em pó.

Em uma das ações, em julho de 2023, o suspeito tinha montado uma ‘casa-bomba’ de drogas em Guarulhos, na divisa com a capital. Entre equipamentos e outras drogas ilícitas, havia 30 frascos de cetamina.

No Distrito Federal, em dezembro do ano passado, operação da Polícia Civil e do Ministério Público, com apoio do Ministério da Agricultura, apurou a atuação de uma organização criminosa interestadual que realizava o tráfico de cetamina em larga escala. A operação My Key Style cumpriu 23 mandados de busca e apreensão (em São Paulo, Rio e Brasília), além de seis mandados de prisão.

A distribuição clandestina era feita por meio postal por uma empresa agropecuária de fachada, com sede em São Paulo, que se tornou a maior cliente de uma das principais fabricantes de cetamina. Em um ano, a empresa adquiriu mais de R$ 7 milhões do medicamento. Cada ampola custava R$ 90 e era revendida por até R$ 400 a traficantes. Um dos investigados, no Distrito Federal, recebeu ao menos 30 encomendas.

A polícia flagrou uma entrega de 252 frascos de cetamina adquiridos de forma clandestina pela empresa por R$ 25 mil. A carga foi apreendida. No total, as apreensões somaram 10 mil ampolas que, no mercado ilegal, valeriam R$ 4 milhões.

Conforme as normas agropecuárias, há exigências para a venda desses produtos, que só pode ser feita com receituário próprio, emitido por veterinário. Cada venda deve ser informada a um sistema de controle do Ministério da Agricultura e Pecuária.

Ao Estadão, o ministério informou que não fiscaliza as clínicas veterinárias, mas, pelo fato de ter sido constatado o desvio de uso do produto veterinário, há a possibilidade de envolvimento de veterinário, profissional que está sujeito ao controle do Mapa.

“Para adquirir produtos sujeitos a controle especial, como o caso de produtos à base de cetamina, os médicos veterinários devem estar cadastrados no Sistema Integrado de Produtos e Estabelecimentos Agropecuários (Sipeagro)”, disse.

Já a Anvisa informou, em nota, que a cetamina, como também a escetamina, são substâncias sujeitas a controle especial no Brasil, inseridas na Lista B1 pela Portaria 344/1998, cuja atualização é realizada periodicamente.

A inclusão da cetamina na lista levou em conta a avaliação de subsídios que apontaram a necessidade de maior controle da cetamina em âmbitos nacional e internacional, incluindo precaução referente ao uso irregular recreativo. Segundo a Anvisa, a dispensação dos medicamentos de uso humano contendo as substâncias cetamina e escetamina é bastante restrita. Só é permitido o uso em ambiente hospitalar, não podendo ser dispensados em farmácias ou drogarias.

Caso da ex-sinhazinha

No dia 30, a polícia de Manaus prendeu Cleusimar Cardoso, mãe de Djidja Cardoso, e Ademar Cardoso, irmão da ex-sinhazinha, por tráfico de drogas e associação para o tráfico. Contra Ademar pesa ainda uma acusaçao de estupro. Djidja foi encontrada morta em sua casa, dois dias antes, e a causa do óbito ainda é investigada pela Delegacia Especializada em Homicídios e Sequestros da capital do Amazonas.

A investigação, no âmbito da Operação Mandrágora, apontou que a mãe e o irmão da ex-sinhazinha seriam fundadores da suposta seita “Pai, Mãe e Vida”, além de estarem ligados a uma rede de salões de beleza de Manaus. O grupo seria responsável por fornecer, distribuir e incentivar o uso de ketamina nos salões e nos rituais promovidos pela suposta seita. Também foram detidas Verônica Seixas, Claudiele Silva, e o maquiador Marlisson Dantas, funcionários dos parentes de Djidja.

Em nota nas redes sociais, os familiares de Djidja afirmaram que “toda e qualquer circunstância que envolve seu falecimento será esclarecida perante as autoridades”. O advogado da funcionária Claudiele disse que não há provas de qualquer participação dela nos fatos investigados.

A defesa de Verônica Seixas disse que a inocência dela será comprovada no curso da apuração. O Estadão não localizou as defesas de Dantas, Cleusimar e de Ademar Cardoso.

O Conselho Regional de Medicina Veterinária do Amazonas informou que está atento aos acontecimentos envolvendo a venda e comercialização irregular de cetamina. A função do órgão, diz o conselho, é fiscalizar a atividade profissional e médicos veterinários e zootecnistas. “Dessa maneira, entre outras funções, busca colaborar com os demais órgãos nas atividades irregulares que envolvam os profissionais registrados e, nesse momento, se mobiliza para ajudar nas investigações”, conclui.

O Ministério da Agricultura e Pecuária esclareceu que, até a presente data, não recebeu nenhum pedido oficial relacionado à investigação sobre o caso de Djidja Cardoso. “Enquanto isso, seguimos atentos e acompanhando possíveis desdobramentos. Esclarecemos que a competência do Ministério estará restrita à área médico-veterinária, não abrangendo investigações sobre o uso de substâncias por indivíduos, quantidade de droga em locais específicos e outras questões de natureza criminal. Tais investigações são de responsabilidade das autoridades policiais competentes”, disse, em nota.

Procurado, o Conselho Federal de Medicina Veterinária não se manifestou.

 

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