Brasil
Em cinco meses, Brasil chega aos 100 mil mortos por Covid-19
O País contabilizou, neste sábado à tarde (8), um total de 100.240 mortes, segundo dados do levantamento realizado pelo Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL com as secretarias estaduais de Saúde.
Em menos de seis meses, o Brasil atingiu a marca de 100 mil mortos pelo novo coronavírus. O País contabilizou, neste sábado à tarde (8), um total de 100.240 mortes, segundo dados do levantamento realizado pelo Estadão, G1, O Globo, Extra, Folha e UOL com as secretarias estaduais de Saúde. Se o País fizesse 1 minuto de silêncio em homenagem a cada vítima, teria de passar 70 dias calado. O número impressiona. É o equivalente a cair quase cinco aviões A320 lotados todos os dias, contando do primeiro óbito, em março, até hoje. Ou à capacidade de público de um estádio e meio do Morumbi, o maior de São Paulo. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.
Com novos casos se alastrando pelo interior, duas a cada três cidades brasileiras já perderam alguém para a Covid-19. Médicos e cientistas de diferentes regiões do País afirmam ao Estadão que, para conter o avanço da doença, é preciso que as ações tenham como base um tripé: identificação e monitoramento precoce dos casos; etiqueta respiratória e cuidados pessoais; isolamento social, ou até lockdown, principalmente nos locais com alta transmissão.
Enquanto não houver vacina ou remédio com eficácia cientificamente comprovada, os pesquisadores alertam que a única saída é tentar reduzir a propagação da Covid-19. Coautor do livro Viroses Emergentes no Brasil, o médico infectologista da Unicamp Rodrigo Angerami demonstra que, em tese, a lógica é simples. “Diminuindo a taxa de transmissão, haverá menor número de casos, menor número de casos potencialmente graves e, consequentemente, menor número absoluto de novos óbitos”.
Plano nacional
O primeiro passo, contudo, deve ser implementar um plano nacional de enfrentamento para corrigir o que, na visão dos cientistas, seria a principal falha do Brasil até aqui: o vácuo de liderança no combate ao coronavírus. Para os especialistas, a falta de sintonia entre as ações do governo Jair Bolsonaro e as administrações municipais e estaduais é a origem de boa parte do mau resultado do País.
“Começamos bem, iniciamos a quarentena no momento certo, antes de termos muitos casos, mas tivemos um presidente da República jogando contra os Estados”, diz o professor de epidemiologia Paulo Lotufo, da Faculdade de Medicina da USP. “Em determinado momento, os governadores se sentiram pressionados e iniciaram a reabertura. Se tivéssemos feito um lockdown sério, mesmo que fosse por um período curto, de 10 ou 15 dias, teríamos tido uma redução expressiva de casos e entraríamos em outro patamar da pandemia”.
Coordenador do núcleo de epidemiologia e vigilância em saúde da Fiocruz Brasília, o médico sanitarista Claudio Maierovitch avalia que a falta de coordenação do governo federal também acabou confundindo a população. “Cinco meses depois, continuamos sem plano e sem liderança. Se tivéssemos isso, poderíamos ter bem definidas quais medidas devem ser recomendadas em cada estágio da pandemia, o que é importante se pensarmos que há situações diferentes de transmissão de acordo com a região do País”.
Para mapear e isolar os doentes, uma das principais estratégias é realizar testagem em massa, promessa que nunca saiu do papel. “Quando a gente fala em vigilância em saúde, tem uma tríade básica que é rastrear, testar e isolar”, afirma Claudio Maierovitch. “No momento em que a transmissão está acelerada, fica mais difícil fazer isso, mas não é impossível. O ideal seria determinar quarentena nos locais de maior transmissão para que haja uma queda no número de novos casos e fique mais fácil monitorar todas as infecções novas”.
Já para que o rastreamento funcione, uma alternativa indicada é recorrer ainda mais a unidades e equipes de atenção primária do SUS, rede capilarizada, próxima das comunidades e capaz de levar os cuidados para áreas distantes de grandes centros. Na prática, a medida poderia ajudar até a prevenir que casos graves aconteçam em locais sem UTI ou hospital.
De acordo com os pesquisadores, os sistemas de saúde e vigilância do País já tinham capacidade e expertise para impedir o avanço desenfreado da pandemia, mas os embates políticos atrapalharam. “Assim como foi feito um esforço para a abertura de novos leitos e de hospitais de campanha, deveríamos ter tido o mesmo movimento no programa Saúde da Família”, pontua Maierovitch.
O sanitarista também defende o monitoramento precoce dos doentes. “Alguns municípios estão usando os hospitais de campanha para uma internação mais preventiva, de doentes que não estão graves, mas que, por apresentarem fatores de risco, devem ser monitorados mais de perto para que qualquer piora seja rapidamente identificada”.
‘Erros pelo caminho’
Integrante do Observatório Covid-19 BR, a epidemiologista Maria Amélia Veras avalia que, no primeiro momento, o País acertou em focar no cuidado com pacientes graves, investindo na busca de respiradores e de leitos de UTI – os últimos aumentaram em 45% durante a pandemia, segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM). Em seguida, no entanto, o Brasil teria passado a “acumular muitos erros pelo caminho”.
“O coronavírus chegou por pessoas de estratos socioeconômicos mais elevados, que haviam viajado para o exterior. Até aí havia relativo sucesso das medidas de combate. A situação saiu completamente do controle quando o vírus atingiu as camadas mais vulnerabilizadas da população”, diz Maria Amélia. “O número de 100 mil mortes é absolutamente emblemático de como o Brasil lidou com a pandemia até agora.”
Na visão de Maria Amélia, as ações de saúde “esqueceram que a transmissão do vírus se dá pela população”. “Só metade das pessoas aderiu ao isolamento social. Agora, com as pessoas esgotadas de ficar em casa, assistimos a um processo de reabertura desordenado, para o qual não nos preparamos”.
Para a cientista, o argumento de que a gestão da crise foi descentralizada não exime o governo federal de coordenar o combate ao coronavírus. “O SUS depende de recursos federais e muitos municípios não têm autonomia técnica. É para isso que existe um Ministério da Saúde”.
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