Brasil
Desmatamento e violência emperram progresso na Amazônia e deixam os jovens vulneráveis ao recrutamento pelo crime organizado, aponta Imazon
O estudo diz que, se a Amazônia fosse um país, seu o desenvolvimento social equivaleria ao de Malawi, na África, que ocupa a 125ª entre 169 países avaliados no último IPS Global.
A violência e desmatamento emperram o progresso social na Amazônia e deixam os mais jovens vulneráveis ao recrutamento pelo crime organizado, por falta de oportunidade de emprego e melhoria de vida. É o que aponta um estudo do Instituto Imazon, com base no Índice de Progresso Social (IPS) dos 772 municípios da região.
O estudo mostra que os municípios que mais desmataram nos últimos três anos têm as piores notas. Em 2023, a nota média da Amazônia foi de 54,32, bem abaixo da média do país, de 67,94. Nos 20 municípios que destruíram as maiores áreas de floresta, a nota foi ainda menor, de 52,30.
— Na última década a Amazônia acentuou uma tempestade de problemas. A região tem se caracterizado pela ocupação baseada na ilegalidade e na economia informal, que criam um ambiente de negócios difícil. É o chamado “custo Amazônia”, que afasta os investidores. Eles temem a concorrência com os ilegais e ter a imagem associada ao desmatamento — afirma Beto Veríssimo, pesquisador sênior e cofundador do Imazon.
Veríssimo afirma que alguns indicadores pioraram muito nos últimos 10 anos, compensados por melhorias em quesitos como saúde, moradia, nutrição e educação.
Além da piora do desmatamento e queimadas, a violência avançou, associada aos crimes ambientais e tráfico de drogas.
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a Amazônia Legal tem hoje tem uma taxa de homicídios 50,8% maior na comparação com os demais estados do país. A taxa média de mortes violentas nos municípios da região é de 33,8 mortes por 100 mil habitantes, 57% a mais em relação às demais cidades do país (23,4 por 100 mil).
A falta de saneamento básico é outro indicador ruim, assim como a falta de acesso ao ensino superior. Segundo o pesquisador, a Amazônia não consegue reter e atrair mão de obra qualificada.
Outro ponto destacado pelo pesquisador chama atenção: a má qualidade de acesso banda larga à internet, muito aquém do resto do país. Na avaliação dele, melhorar a infraestrutura de internet é essencial para levar educação e serviços de saúde à distância, por exemplo, às áreas mais remotas.
— Levar internet é uma das abordagens para o desenvolvimento da Amazônia. É mais barato do que fazer estradas e não resulta em desmatamento. Parte da África fez isso e digitalizou a economia, com melhora nos indicadores — diz ele.
Ônus
Veríssimo diz que a perspectiva de redução do desmatamento é positiva, mas é preciso pensar em programas específicos para a Amazônia, que vão além de transferência de renda. Segundo ele, enquanto o bônus demográfico do Brasil chega ao fim, na região amazônica o auge ocorrerá em 2030 — “bônus” é o impulso econômico que ocorre quando a população adulta, que forma a mão de obra, é maior e cresce mais do que o contingente de idosos e crianças.
— O bônus que poderia mover a economia da Amazônia está se transformando em ônus. Temos muitos jovens sem oportunidade no mercado de trabalho. Eles nem estudam, nem trabalham, um caldeirão propício para recrutamento pelo crime organizado. É sabido que todo lugar onde os jovens não têm oportunidade sobe a taxa de violência — afirma o pesquisador.
O saldo geral da economia é hoje negativo. Em 2020, a Amazônia foi responsável por cerca de 52% das emissões de gases de efeito estufa do Brasil, apesar de contribuir com apenas 9% do Produto Interno Bruto (PIB).
Veríssimo explica que 80% das áreas desmatadas são usadas para pecuária – e onde ela predomina o índice de progresso social é mais baixo. A atividade é também acompanhada pela extração ilegal de madeira. Os outros 20% do desmatamento são decorrentes de mineração industrial legalizada, crescimento das cidades, abertura de estradas e plantio de soja.
O IPS vai de zero a 100 — quando mais alta a nota, melhor o desempenho do município, estado ou região. O índice reúne 47 indicadores de qualidade de vida, como segurança, educação e saneamento básico, divididos em três grupos: necessidades humanas básicas, fundamentos para o bem-estar e oportunidades, como acesso ao Ensino Superior.
Estagnação
Elaborado pelo Imazon pela primeira vez em 2014, o IPS revela uma Amazônia estagnada. Nas quatro versões do estudo, a nota ficou na casa de 54 (54,94 em 2021, 54,03 em 2018 e 54,35 em 2014).
Nenhum dos nove estados que compõem a Amazônia Legal se igualou ou superou a média nacional. Nem mesmo o Mato Grosso, que teve o melhor desempenho e costuma ser aplaudido pela exportação de grãos: sua nota, 57,38, é 18% abaixo em relação ao país.
O estudo mostra que, na comparação mundial, se fosse um país, o desenvolvimento social amazônico equivaleria ao de Malawi, na África, que ocupa a 125ª entre 169 países avaliados no último IPS Global, de 2022. Ou seja: seria o 44º pior país em qualidade de vida.
— Isso é inconcebível, inaceitável. O desmatamento é o responsável pelas emissões, atrasa o desenvolvimento econômico e retarda o progresso social — ressalta o pesquisador.
O estudo separou os municípios amazônicos em cinco grupos. Os 29 que apresentaram as melhores notas, acima de 61,80, apresentaram desmatamento médio de 20 quilômetros quadrados (km²) entre 2020 e 2022, segundo dados do Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Os 89 com pior desempenho — nota inferior a 50,12 — eliminaram, em média, 86 km² de floresta no período — mais que quatro vezes mais.
Os 20 municípios que mais desmataram nos últimos três anos também tiveram nota inferior à média da Amazônia. Deste total, nove são do Pará, escolhido pela Organização das Nações Unidas (ONU) para sediar a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP-30) em 2025.
Altamira, por exemplo, desmatou 2,1 mil km² entre 2020 e 2022 e a nota do município foi de 51,28. Em São Félix do Xingu foram derrubados 1,7 mil km² no período e o IPS foi de 52,56. O Pará também abriga os três municípios com pior desempenho no IPS: Jacareacanga (42,43), Bannach (42,82) e Portel (44,01).
Outro destaque é Lábrea (AM), que ardeu em chamas nos últimos três anos, abrindo o desmatamento no Sul do estado do Amazonas, até então uma área de floresta preservada. Foram destruídos 1,6 mil km² de florestas e sua nota foi de 52,97.
Porto Velho (RO) é a única capital na lista dos 20 campeões de desmatamento, com nota de 61,31.
Veja o IPS por estado da Amazônia Legal:
Mato Grosso 57,38
Rondônia 56,71
Amapá 55,58
Amazonas 55,06
Tocantins 53,34
Maranhão 53,21
Roraima 53,19
Acre 52,99
Pará 52,68
Brasil 67,94
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