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Deputados federais com arma registrada mais que dobrou em nova legislatura, diz O Globo

Entre os congressistas armados, mais da metade (25) são filiados ao PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, responsável por afrouxar a legislação sobre a temática ao longo do seu governo.

Os deputados federais do PL Eduardo Bolsonaro e Mario Frias posam com armas – Foto: Reprodução/Redes sociais

Impulsionado pela ascensão da pauta armamentista, que ganhou força no Congresso Nacional ao longo da gestão Bolsonaro, o número de deputados federais com armas registradas no próprio nome mais que dobrou nesta legislatura em comparação com a anterior. Levantamento feito pelo GLOBO identificou 45 parlamentares com arsenal, número 125% maior que a última composição da Câmara — quando eram 20.

Os dados foram levantados com base em processos que correram nos tribunais do país, declarações de bens à Justiça Eleitoral, falas públicas e acesso ao Sistema Nacional de Armas (Sinarm). O número desconsidera os deputados entusiastas, aqueles que atiram em clubes, mas não têm porte ou posse, como Julia Zanatta (PL-SC), que recentemente publicou foto com fuzil na mão com referências ao presidente Lula (PT).

Entre os congressistas armados, mais da metade (25) são filiados ao PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, responsável por afrouxar a legislação sobre a temática ao longo do seu governo. Doze são recém-chegados à Casa, como o ex-ministro do Meio-Ambiente Ricardo Salles e o ex-secretário nacional de Cultura, Mário Frias.

Enquanto integrante da gestão Bolsonaro, Frias circulava pelo seu gabinete de trabalho com uma pistola Taurus de calibre 9mm na cintura. Os relatos dos funcionários, à época, era de que a arma gerava grande desconforto não só aos trabalhadores, mas aos artistas que eram atendidos no local. O porte do então secretário foi concedido no final de 2020, sob a justificativa de que seu cargo o colocava em risco.

Também no primeiro escalão do ex-presidente e hoje na Câmara, Salles andava armado em algumas ocasiões. Em 2021, o ex-ministro assistiu um jogo de futebol entre o São Paulo e o Athletico no Morumbi, com uma pistola na cintura.

Outros membros da bancada do PL foram flagrados em escândalos com armamento. É o caso do novato Maurício do Vôlei (MG), que chegou a ser preso por porte ilegal. Em novembro de 2021, o deputado dirigia uma caminhonete no interior de Minas quando foi parado por policiais que vistoriaram o veículo e encontraram munições, assim como uma pistola Taurus calibre 7.65. À época, Maurício disse que havia comprado a arma sem autorização porque sofria ameaças.

Já Carla Zambelli (SP) perseguiu um homem, com arma em punho, na véspera do segundo turno das eleições, na capital paulista. A parlamentar conquistou o porte em 2020 e, na ocasião, comemorou o feito nas redes sociais. Em seu nome no Sinarm, órgão que registra as armas no país, constam três pistolas e um revólver. Após o ocorrido em outubro passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu o porte da bolsonarista.

Política armamentista

Por lei, o decreto 2222/1997 garante o porte de arma a integrantes do Congresso Nacional desde que o Ministro da Justiça receba um pedido expresso do presidente da Casa Legislativa e autorize a Polícia Federal. A resolução não prevê casos de parlamentares que já integraram alguma das forças de segurança e possam vir a ter o direito de acordo com o código de conduta da corporação.

A maior parte dos aliados de Bolsonaro no Congresso apoia a política do armamento. O endosso é um reflexo das políticas de flexibilização aderidas pelo ex-presidente ao longo de seu governo. Entre 2019 e 2022, foram concedidas ao menos 46 milhões de permissões de compra a caçadores, atiradores e colecionadores (CACs) — grupo que triplicou desde 2019.

Ao todo, em quatro anos, 17 decretos, 19 portarias, duas resoluções, três instruções normativas e dois projetos de lei flexibilizaram as regras de acesso a armas e munições. Entre os principais está o decreto que ampliou o limite de aquisição de armas para CAC’s e o que criou a presunção de veracidade da declaração de efetiva necessidade na hora de adquirir uma arma. Isto significa, de forma geral, que a análise da PF antes da concessão do registro perdeu importância e em seu lugar emergiu a autodeclaração.

No entanto, já em sua posse, Lula editou um decreto que revogou várias dessas medidas. Entre elas, novos registros de arma, CACs ou clubes de tiro. O presidente também reduziu os limites para compra de arsenal e determinou o recadastramento das armas em até 60 dias.

— Entre 2018 e 2019, foi constatado um aumento de 200% no acesso às armas, tanto para CACs quanto para cidadãos comuns. Bolsonaro retirou a comprovação efetiva, o que influenciou diretamente na facilidade já que bastava preencher o seu próprio termo — analisou o professor de Direito Penal Leone Maltz. — O ex-presidente também ampliou o acesso: atualmente, por exemplo, um CAC pode adquirir três armas, quando antes podia 60 (30 de uso irrestrito e 30 restrito). Outro ponto importante foram as munições, as 5 mil anuais passaram para 600 com Lula.

Após o revogaço, uma onda reativa emergiu na bancada da bala, sob o comando do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Desde janeiro, foram protocolados doze projetos de lei: oito para derrubar o decreto do petista que congelou os novos registros e quatro contra o recadastramento.

Apesar de não ter propriamente o porte de arma, a deputada que posou com uma arma e fez referência a Lula, Julia Zanatta, é atiradora e frequenta clubes de tiro. Assim como ela, grande parte da direita no Congresso simpatiza com a pauta, de grande potencial eleitoral. Neste contexto, fazem manifestações públicas de apoio com PLs e posam com arsenal.

É o caso de Clarissa Tércio (PP-PE), deputada pernambucana que obteve projeção nacional ao ser incluída no rol dos investigados do STF pelos atos golpistas de 8 de janeiro. Clarissa foi acusada de incentivar as manifestações que culminaram na depredação do patrimônio por ter postado um vídeo em suas redes com a narração “acabamos de tomar o poder”.

Em 2021, a então deputada estadual arrancou críticas da comunidade evangélica por posar armada junto a seu marido em um clube de tiro. O GLOBO identificou ao menos oitenta parlamentares que também fizeram posts deste gênero no último ano.

— Os militares foram a primeira base de Jair Bolsonaro e, logo, do bolsonarismo. Eles trazem a ideia de ordem voltada para a questão da arma como uma forma de garantir a segurança pública. Alinhado a isso, a liberdade que integra o lema da base política “Deus, Pátria e Liberdade” também foi atrelada ao direito ao porte — avalia a cientista política Mayra Goulart, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A especialista alerta ainda para o viés eleitoreiro da pauta, principalmente, na esfera estadual.

Assembleias

Diante do grande número de antigos agentes das forças de segurança eleitos nos estados, as Assembleias Legislativas do país refletem a realidade do armamento. No total, entre os 1059 deputados estaduais, 59 têm posse ou porte de arma. As unidades com maior representatividade são Amazonas (13%), Rondônia (13%) e Espírito Santo (10%). No Rio, quatro dos 70 parlamentares têm armas registradas em seu nome. Entre eles, o bolsonarista Anderson Moraes que, no ano passado, declarou à Justiça Eleitoral uma pistola avaliada em R$ 13,5 mil.


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