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Brasil teve 9 planos de segurança desde FHC e todos fracassaram, dizem especialistas

Entre os motivos de fracasso estariam a falta de continuidade entre os governos e a formulação de políticas genéricas para a área.

O Brasil teve 9 planos de segurança pública nos últimos 23 anos. Houve ao menos 1 programa em todos os governos desde os mandatos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) até o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). As análises foram publicadas no site Poder 360.

Nenhum dos planos trouxe os efeitos esperados para o enfrentamento da criminalidade no país. É a avaliação de Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e integrante do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). “A gente percebe que esses planos são anunciados, são colocados, mas, na verdade, o efeito na prática é muito reduzido”, disse.

Alcadipani cita 2 motivos principais para o fracasso dos programas:

falta de continuidade entre os governos;
formulação de políticas genéricas para a área.

“A federação tem que ser um articulador, precisa articular com os Estados de uma forma bem estruturada e, politicamente, no Brasil, isso é muito difícil de acontecer. Entra toda essa briga, essa discussão política e acaba não resolvendo os problemas”, afirmou.

Para Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, a elaboração dos planos de segurança dependeram, ao longo dos anos, do “compromisso do presidente da ocasião com o tema” e de um ministro da Justiça “forte”.

“Não acho que dá para dizer que fracassaram, mas acho que ficaram muito ao sabor da priorização da vez e das crises que acabam pautando. E as crises não são boas conselheiras, elas te fazem agir e, muitas vezes, acaba repetindo mais do mesmo”, afirmou.

Carolina citou o que chamou de “desafio estrutural” na coordenação e governança na segurança pública brasileira. Disse que o governo, muitas vezes, pouco se vê como responsável pela área: “O governo federal tem um papel de induzir a política via repasse de recursos, sugerir temas e pautas e ações que os Estados devem fazer”.

Isso se dá porque, segundo Walkiria Zambrzycki, pesquisadora do Crisp (Centro de Estudos de Criminologia e Segurança Pública) da UFMG, a Constituição faz com que os governos estaduais assumam o protagonismo na pauta ao atribuir aos Estados a principal competência e responsabilidade pela segurança pública.

“E em contrapartida o governo federal sempre, desde o governo Fernando Henrique Cardoso, foi muito ausente e tímido em estratégias”, disse. Ela afirmou que a falha do governo federal se concentra “em criar instâncias de comunicação e diálogo com os governos estaduais”.

“Muitas vezes, os planos nacionais promovidos pelo governo federal representam um conjunto de ideias, mas que têm muita dificuldade de serem observadas em sua implementação no dia a dia ali, principalmente em diálogo com os governos estaduais […] Esse desafio, de organizar o que os 27 governos estaduais precisam e como lidar com os índices de criminalidade para cada um desses Estados ainda permanece. É um desafio que o governo federal não conseguiu desvendar perfeitamente”, disse.

Programa de Flávio Dino:

Na 2ª feira (2.out), o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou o investimento de R$ 900 milhões no Enfoc (Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas). As medidas foram divulgadas depois de casos de violência no Rio de Janeiro e na Bahia.

O programa integra o PAS (Programa de Ação na Segurança), lançado pelo governo Lula em julho de 2023. Eis a íntegra da apresentação (PDF – 50 kB). Será implementado de forma gradual até 2026. Terá 5 eixos de atuação:

-integração institucional e informacional;
-aumento da eficiência dos órgãos policiais;
-portos, aeroportos, fronteiras e divisas;
-aumento da eficiência do sistema de Justiça Criminal;
-cooperação entre os entes.

Segundo Dino, o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas tem “umas 80 páginas” e foi construído ao longo de 3 meses. O governo informou que o detalhamento do plano será apresentado em até 60 dias.

Eis o que disseram os especialistas sobre o plano de Dino:

Walkiria Zambrzycki, pesquisadora do Centro de Estudos de Criminologia e Segurança Pública da UFMG – afirmou que a estratégia de combater o crime organizado deve ser analisada com atenção porque o histórico do país mostra ser necessário haver equilíbrio entre as ações de prevenção e as de repressão à criminalidade: “Olhar para facções criminosa só pela ótica da repressão tende a não ter resultados tão positivos ou de alguma forma tende a reproduzir os números de dados que a gente tem no Brasil”;

Carolina Ricardo, diretora-executiva do Instituto Sou da Paz – considerou o Enfoc um “passo inicial” que precisa ser aprofundado. “O que foi apresentado é algo bastante genérico. Os 5 eixos estruturantes me parecem bons […] Parece que falta um pouco mais de estratégia detalhada para a questão investigativa”;

Rafael Alcadipani, professor da FGV e integrante do FBSP – disse que o programa do governo Lula repete o que ele sinalizou ser um problema em relação às outras políticas: “É muito genérico […] Agora, o que a gente não sabe é como isso vai ser feito na prática”. Falou, no entanto, que “parece que finalmente o governo decidiu lidar com a questão do crime organizado”.

O Poder360 procurou o Ministério da Justiça e Segurança Pública para verificar se o documento está disponível. O governo respondeu que a íntegra não será divulgada por “se tratar de planejamento estratégico de segurança para combate às organizações criminosas”.

Histórico:

Em 2000, o então presidente Fernando Henrique Cardoso lançou em seu 2º mandato o PNSP (Plano Nacional de Segurança Pública). Eis a íntegra do programa (PDF – 546 kB).

De acordo com o documento, a política buscava “aperfeiçoar o sistema de segurança pública brasileiro”.

“As ações propostas abaixo congregam Estados e municípios, e especialmente grandes centros urbanos que apresentam altas taxas de criminalidade, em torno de estratégias que levem a reduzir, de forma drástica, as taxas de assaltos, homicídios e outras graves violações à pessoa”, diz o programa.

O documento foi estruturado em 4 capítulos:

-ações de competência exclusiva do governo federal;
-medidas com apoio do governo federal;
-reforço legislativo e regulamentador;
-medidas de aperfeiçoamento do Sistema Nacional de Segurança Pública.

“O governo federal está ciente de que não existem soluções milagrosas para enfrentar a violência. Nosso desejo, com este plano, é o de aglutinar esforços nas áreas de segurança pública que propiciem melhorias imediatas na segurança do cidadão, tanto quanto o fomento de iniciativas de intervenção nas múltiplas e complexas causas que estão ligadas ao fenômeno da criminalidade”, afirmou.

Em 2004, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) lançou o Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania). Eis a íntegra do programa (PDF – 932 kB).

O documento tinha os seguintes pontos como prioritários:

-formação e a valorização dos profissionais de segurança pública;
-reestruturação do sistema penitenciário;
-combate à corrupção policial e o envolvimento da comunidade na prevenção da violência.

Foram investidos R$ 6,707 bilhões ao todo e, entre as metas do programa, estava a redução do número de homicídios de 29 por 100 mil habitantes para 12 homicídios por 100 mil habitantes em 4 anos.

A presidente Dilma Rousseff (PT) encerrou o Pronasci e anunciou um plano em cada um de seus 2 mandatos:

-Programa Brasil Mais Seguro, em 2012;
-PNRH (Programa Nacional de Redução de Homicídios), em 2015 –foi interrompido pelo processo de impeachment, em 2016, antes de ser lançado.

“Durante o governo Dilma, a gente observa que realmente o governo federal foi muito tímido em alguma medida até ausente em pensar em estratégias e ações para segurança pública. São ações muito pontuais”, afirmou a pesquisadora do Crisp.

No mesmo ano em que assumiu, em 2016, o ex-presidente Michel Temer (MDB) anunciou a formulação do Plano Nacional de Segurança Pública. Eis a íntegra do programa (PDF – 1 MB).

Temer também foi o responsável por sancionar, em junho de 2018, a lei 13.675, que instaurou o Susp (Sistema Único de Segurança Pública) e criou as bases para o Plano e Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. O programa trouxe a redução dos homicídios e outros crimes violentos letais como o 1º objetivo do programa. Eis a íntegra do plano (PDF – 2 MB).

Em 2021, Bolsonaro e o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Anderson Torres, lançaram o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (2021-2030). Eis a íntegra do programa (PDF – 3 MB).

Entre as metas, fixou diminuição da taxa nacional de homicídios para abaixo de 16 mortes por 100 mil habitantes até 2030.

Segundo o documento, houve necessidade de revisão no programa de Temer porque foram identificadas “fragilidades pelos órgãos de controle” para a implementação da política.

“O Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social 2021-2030 prevê um sistema de governança composto por mecanismos de liderança, estratégia e controle, por meio de um Comitê de Governança Estratégica, objetivando avaliar, direcionar e monitorar a gestão e a condução da política pública, conforme diretrizes do governo federal.”


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