Brasil
Anistia Internacional denuncia retrocessos em direitos humanos e vai oficiar Bolsonaro
Informe sobre 2021 da ONG aponta má gestão da pandemia no Brasil como vetor de violações em várias áreas.
Aumento de mortes evitáveis, da fome e da pobreza. Da violência contra a mulher, contra pessoas trans e contra defensores de direitos humanos. Mais conflitos rurais, mais desmatamento, mais garimpo ilegal em terra indígena.
“O chocante é que, para qualquer direção em que você olhe, houve retrocesso em relação ao cumprimento das obrigações de direitos humanos no Brasil”, afirma Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil.
A ONG internacional lança nesta terça-feira (29) seu “Informe 2021/2022 – O Estado dos Direitos Humanos no Mundo”, que aponta para violações ocorridas no Brasil na gestão de Jair Bolsonaro (PL), avanços e retrocessos no campo dos direitos na América Latina e estatísticas sobre essas garantias em todo o planeta.
“A imagem do Brasil em 2021 é a de um país que emergiu como local de negligência, de violações de direitos humanos e de destruição do meio ambiente. Onde crianças yanomami morrem de fome, os rios e os alimentos estão contaminados, e secas, enchentes e incêndios ganham proporções catastróficas”, lamenta. “É uma fotografia do pior que o Brasil é capaz de produzir.”
Jurema explica que as “autoridades públicas têm a obrigação a cumprir, e os direitos humanos fazem parte dessas obrigações, assumidas perante a sociedade brasileira, a sociedade global e os outros governos do mundo”.
E lembra que, em 2022, o Brasil passa pela Revisão Periódica Universal (RPU), um mecanismo da ONU que avalia a situação dos direitos humanos nos 193 países membros das Nações Unidas a cada quatro anos.
Na última RPU, de 2017, o Brasil recebeu 246 recomendações das quais 242 foram aceitas pelo Estado brasileiro e que versavam sobre temas como povos indígenas, meio ambiente, gênero, violência policial, educação e luta contra a pobreza.
“Vamos oficiar o presidente da República, a ministra Damares Alves [Mulher, Família e Direitos Humanos] e os presidentes das comissões de direitos humanos da Câmara, Carlos Veras (PT-PE), e do Senado, Humberto Costa (PT-PE)”, conta a diretora da Anistia Internacional Brasil. “De alguma forma, eles precisam se mover na direção de garantir as obrigações de direitos humanos no país, que estará sob escrutínio internacional em 2022.”
Para além dos compromissos do Brasil com o direito internacional, Jurema aponta para a própria carta constitucional do país.
“Descumprir os direitos humanos que estão escritos na Constituição brasileira precisa ter consequências. Nós vamos apresentar às autoridades públicas essa fotografia do país, e vamos pedir explicações e correções de rota”, relata ela, que já solicitou reuniões com o presidente e com a ministra dos Direitos Humanos, mas nunca teve as solicitações atendidas.
“A mesma fotografia será apresentada aos brasileiros, neste ano particularmente sensível, para que tomem suas próprias decisões políticas.”
O relatório aponta para o Brasil como nação recordista no assassinato de pessoas trans, seguido de México e Colômbia, e como um dos três países do mundo onde mais defensores de direitos humanos são mortos, de acordo com a organização internacional Frontline Defenders.
O documento compila dados de aumento da insegurança alimentar e mostra que se passava fome em 9% dos domicílios do país pesquisados pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar. E que a parcela mais vulnerável sofreu mais: entre os agricultores familiares e as comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas, a proporção de domicílios atingidos pela fome subiu para 12%.
“A pandemia trouxe a fome para quase 20 milhões de pessoas”, denuncia Jurema. “E atingiu ainda mais as comunidades tradicionais, que perderam os meios de produção e acabaram mais afetadas pela falta de assistência.”
Jurema aponta para o desastre da gestão da pandemia no país e para os problemas enfrentados em outras partes do mundo.
“A gente entrou em 2021 com muita esperança, tanto de que a experiência da dor nos tornasse seres humanos melhores, como de que a pandemia fosse superada com a vacina”, avalia.
Mas, segundo ela, a vacina tardou a chegar “graças às escolhas do presidente Jair Bolsonaro, que foram graves e nefastas”. E, no plano global, países do hemisfério Norte fizeram estoque de vacinas, gerando desigualdades pelo mundo. “Na região das Américas, a gente teve cenários contraditórios: o melhor e o pior nas vacinas. Cuba e Chile conseguiram vacinar 90% de suas populações e o Haiti, apenas 2%.”
Para Jurema, que é médica e se diz militante na saúde pública, “o Brasil tinha capacidade e inteligência para lidar com a pandemia de maneira mais proativa e passar por ela com menos trauma”.
Durante depoimento à CPI da Covid, no entanto, Jurema apresentou dados do Grupo Alerta, integrado pela Anistia Internacional Brasil, segundo os quais 120 mil mortes poderiam ter sido evitadas até março de 2021 com maior coordenação estratégica e mesmo sem vacina.
O Brasil teve o segundo maior número de mortos pela Covid-19 no mundo. Foram 615 mil óbitos até dezembro de 2021.
“Foi uma situação dramática. Faltou oxigênio no Amazonas. Faltou gestão inteligente e interessada. E quem foi que impediu a disseminação de informações que poderiam proteger as pessoas, defendendo tratamentos sem comprovação científica?”, questiona. “O próprio presidente Bolsonaro.”
De acordo com a Anistia Internacional, o ano de 2021 foi palco do agravamento das desigualdades no Brasil e no mundo e de um cenário de instabilidade para as populações que já sofriam antes da pandemia.
“Temos um trabalho de muitos anos pela frente para recuperar o que perdemos”, avalia Jurema Werneck. “A população está sem seus direitos.”
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