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Amazonas tem superlotação em presídios, com déficit de 23% de vagas, aponta Ministério da Justiça

O déficit carcerário massivo também acaba por comprometer a segurança pública fora dos presídios.

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Apenas cinco estados brasileiros executaram prisões em proporção superior ou igual à capacidade de seus presídios ao longo do segundo semestre de 2023, conforme o último relatório do Sistema Nacional de Informações Penais (Sispeden) do Ministério da Justiça. Em todas as outras 22 unidades da federação, incluindo o Amazonas, com déficit de23% de vagas, e o Distrito Federal, todas as unidades prisionais, com exceção das federais, encontram-se superlotadas. As informações são do site Congresso em Foco.

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O Piauí é o estado onde a superlotação acontece na forma mais intensa: suas 3.134 vagas encerraram o ano preenchidas com 6.441 presos, representando assim um déficit carcerário de 105,52% — mais de duas pessoas por vaga. O Distrito Federal vem na sequência, com 15.469 pessoas em regime fechado ou prisão provisória ocupando 8686 vagas, atingindo assim 78,09% de déficit.

Os únicos estados com superávit carcerário são Rio Grande do Norte, Mato Grosso, Alagoas, Tocantins e Maranhão. Dos cinco, apenas o MT possui mais de 10% de vagas remanescentes, que alcançaram o patamar de 20%. Em valores absolutos, esses estados concluíram 2023 com 3,2 mil vagas restantes, sendo que o déficit nacional é superior a 159 mil ocupantes.

A superlotação de presídios é uma realidade histórica no país: todos os anos, desde 2003, foram marcados por um déficit carcerário superior a 100 mil vagas. Essa situação levou o Psol a questionar no Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade do sistema prisional brasileiro, levando a Corte a concluir, no final de 2023, que este se encontra em um estado de coisas inconstitucional.

O advogado criminalista Jorge Ferreira acompanha a situação no estado de São Paulo, que sofre com 29% de superlotação. Ele ressalta que os impactos do déficit carcerário são visíveis, atingindo inclusive as condições de saúde dentro de presídios. “A existência de celas de 10 pessoas sendo preenchidas com 30, 40 presos, por si só é desumana. Mas além do desconforto, isso promove a transmissão de doenças não apenas graças à falta de espaço, mas por todas essas pessoas compartilharem um espaço muitas vezes com esgoto aberto”, relatou.

Doenças em geral erradicadas, como a tuberculose, acabam se tornando rotineiras no sistema penal. O advogado ainda aponta para outro elemento grave identificado pelo STF na decisão: o reconhecimento da violência sistemática dentro dos presídios.

“O cumprimento da pena em condições insalubres é uma violência por si só. Mas o problema se agrava uma vez que, no sistema penitenciário, o próprio Estado comete torturas e maus tratos deliberados, não apenas descumprindo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, mas também participando ativamente de um crime”, explicou.

Essas condições acabam por comprometer os próprios objetivos da pena, que deveria servir, de um lado como punição, mas por outro como instrumento de ressocialização do preso. “Em tese, a pena deveria servir para recuperar aquela pessoa para que ela consiga retornar à sociedade. Mas quando se tem um sistema violador dos próprios direitos fundamentais, fica impossível cumprir com aquilo que é seu objetivo”, criticou.

O déficit carcerário massivo também acaba por comprometer a segurança pública fora dos presídios. “Os estudos sobre o tema demonstram que o superencarceramento é a principal ferramenta de fortalecimento das organizações criminosas. As principais organizações nasceram da necessidade desses presos, sistematicamente submetidos a condições subumanas, reivindicaram seus direitos. Como qualquer grupo social, eles tentam se unir. Mas sabemos que essas organizações também não têm qualquer interesse em recuperar ou ressocializar essas pessoas”, alertou.

Abandono do Estado

Somando-se ao entendimento de que o elevado índice de superlotação carcerária no Brasil configura por si só uma violação de direitos humanos está o jurista Rubens Beçak, Doutor em Direito Constitucional e professor de Teoria Geral do Estado pela Universidade de São Paulo (USP). Ele chama atenção para a falta de planejamento de sucessivos gestores em suas políticas de segurança pública, que passaram décadas adotando medidas de aumento no número de prisões sem destinar verbas para o aumento da capacidade de ocupação dos presídios.

O professor reflete que essa falta de planejamento não seja fruto de uma limitação nos recursos disponíveis aos estados e à União, mas sim de “um esquecimento coletivo” de membros do Executivo e do Legislativo sobre o momento posterior às condenações, conscientemente deixando essa preocupação de lado e não destinando a verba necessária para o aprimoramento do sistema carcerário nas peças orçamentárias.

Esse esquecimento acaba se revertendo em problemas para o próprio sistema penal. “Já é natural que o preso tenha um grau de insatisfação com o motivo que o levou ali, mas também com a negação de um espaço vital para que ele possa ali realizar suas atividades diárias graças à superlotação. Isso tudo vai pode refletir na possibilidade de uma rebelião, seja uma rebelião individual com as condições a que ele está submetido, seja participando de tentativas de evasão nefastas, como a fuga em massa”.

A decisão do STF impôs ao governo que este apresente uma solução para o estado de coisas inconstitucional do sistema penal brasileiro por parte do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e da Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) do Ministério da Justiça. Segundo o conselho, representantes dos dois órgãos, junto a diversos ministérios, se reuniram na terceira semana de março para começar a elaboração desse plano, que deverá funcionar a partir de políticas já implementadas pelas pastas do Executivo.

Diversas soluções já foram apresentadas por entidades da sociedade civil, incluindo movimentos de origem religiosa, como a Comissão Pastoral da Terra e a Pastoral Carcerária. Estas, e outras 41 instituições, assinaram conjuntamente um manifesto em 2017 com uma agenda de ações de enfrentamento ao encarceramento em massa, que foram apresentadas ao governo, até então sob gestão do presidente Michel Temer.

A Agenda Nacional pelo Desencarceramento prevê tanto mudanças na forma de gestão dos presídios para garantir a adequação à lei quanto mudanças legislativas para impedir o aumento da população carcerária. Isso inclui a adoção de critérios limitadores para a implementação de prisões provisórias, que atualmente correspondem a 137,8 mil do total de 644,3 mil presos no Brasil.

Presos provisórios são tanto os que cumprem prisão preventiva, estabelecida quando há o entendimento de que a libertação poderá resultar em tentativa de evasão do país ou de obstrução nas investigações, quanto prisões em flagrante ou penas provisórias temporárias, aplicadas quando o juiz de custódia, por critérios próprios, entende que o réu representa ameaça à ordem pública. Em nenhum desses casos, o preso foi submetido a julgamento, e não há distinção entre os três nos relatórios do Sistema Nacional de Informações Penais.

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