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‘A vacinação em si não conseguirá conter a Delta’, afirma epidemiologista sobre variante da Covid-19

Especialista chama atenção para distribuição desigual de doses entre países, o que pode levar mundo a registrar ‘mais mortes depois de o imunizante ser inventado do que antes’.

O matemático e epidemiologista Adam Kucharski, em palestra no Canadá em 2018. (Foto: Ryan Lash / Agência O Globo)

Uma espécie de cortina de ferro está prestes a ser erguida no mundo, e a responsável por essa segregação é a variante Delta do coronavírus. Para o matemático e epidemiologista britânico Adam Kucharski, que se tornou uma referência nas análises sobre os rumos da pandemia, o planeta viverá a partir de agora uma divisão entre os países. De um lado, os que quiserem retomar uma vida mais normal e, como efeito colateral, conviver com surtos de Covid. Do outro, aqueles que, diante dos riscos da nova cepa, deixarão as medidas de restrição em vigor por mais tempo, por anos até.

— A vacinação por si só provavelmente não consegue parar a Delta. E isso leva os países a uma grande escolha: se decidem suspender as medidas de restrição e assumem que vai haver alguma transmissão ou se simplesmente vão manter as medidas em vigor — resume o professor da London School of Hygiene & Tropical Medicine e autor do best-seller “As regras do contágio: Por que as coisas se disseminam — e por que param de se propagar”.

Segundo Kucharski, a distribuição desigual de doses entre as nações pode nos levar a registrar “mais mortes depois de a vacina ser inventada do que antes”. Ele foi palestrante convidado do 33º Colóquio Brasileiro de Matemática, realizado on-line pelo Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa). Após sua participação no evento, o britânico conversou com O GLOBO, com exclusividade.

O que os modelos matemáticos conseguem prever para os próximos tempos? Por um lado, temos as vacinas, mas, por outro, existe a variante Delta.

Acho que os modelos estavam bastante otimistas há alguns meses, porque as vacinas pareciam estar indo muito bem e conseguiram reduzir a transmissão o bastante antes de a Delta chegar. Mas a Delta elevou os padrões do que os países precisam fazer. Estamos em uma situação em que a vacinação por si só provavelmente não conseguirá parar a Delta, mesmo que você vacine em níveis muito elevados. E isso leva os países a uma grande escolha agora: se decidem que as medidas de restrição são insustentáveis, que querem suspendê-las e que vai haver alguma transmissão, porque as vacinas não conseguem deter isso, ou se simplesmente vão manter as medidas em vigor. Especialmente alguns países que não tiveram muitas infecções até agora, e que não desenvolveram tanta imunidade (pelo contato com o vírus), podem querer manter em vigor algumas medidas de controle ainda por alguns anos. Poderemos ver uma grande divisão do mundo entre essas duas abordagens diferentes.

Em setembro de 2020, quando o seu livro foi publicado no Brasil, você disse em entrevista ao GLOBO que acreditava que ainda por um ou dois anos teríamos a nossa rotina afetada pela Covid-19. Hoje, como você enxerga essa previsão?

Isso foi antes de as vacinas surgirem. E as vacinas que apareceram são melhores do que a gente podia imaginar, tanto em termos de eficácia quanto no número (de opções). Mas o problema é que as vacinas estão sendo distribuídas de forma desigual. Estamos vendo uma grande disparidade entre os países. E é realmente chocante que possamos acabar tendo mais mortes depois de a vacina ser inventada do que antes. Isso é algo que provavelmente poucas pessoas imaginariam lá atrás se soubessem quão boas essas vacinas seriam.

A distribuição desigual das vacinas pode atrasar significativamente o final da pandemia?

Sim. Estamos em um ponto em que todas as pessoas dos grupos de risco e todos os profissionais de saúde do mundo já poderiam ter sido vacinados. E, por uma série de escolhas dos países, isso não aconteceu ainda. O vírus pode causar surtos devastadores em certas áreas, mas, uma vez que você atinja um nível alto de vacinação, isso não acontece mais. Você ainda convive com a doença, ela ainda causa problemas, mas não é catastrófica. Me preocupa o fato de que temos muitos países no mundo que ainda estão sob a ameaça dessas catástrofes. Isso alonga a epidemia e dá incentivo para o vírus se adaptar e se espalhar, por meio de variantes, inclusive entre as populações vacinadas.

Existe ainda, especialmente nos países ricos, a recusa de parte da população em tomar vacina.

Acho que precisamos separar as pessoas que querem apenas informações sobre saúde e têm perguntas razoáveis. Pessoas que têm problemas de saúde, grávidas, por exemplo, que só querem receber informações, e isso é totalmente compreensível. Mas há também alguns esforços bem organizados para minar as vacinas. E parte das coisas que alguns países disseram também não ajuda… Se isso acontece, a epidemia pode se tornar muito mais longa. Se um determinado país tiver uma cobertura de vacinação muito baixa, uma epidemia devastadora ainda pode acontecer. E isso levará os governos a manter as medidas em vigor. É como ter uma porta pela qual você pode sair da pandemia, mas há pessoas que não querem passar por ela, e, assim, terminamos trancados dentro de um cenário de lockdown.

No Brasil, a variante Gamma ainda domina, mas a Delta está avançando. Na vacinação, estamos evoluindo, mas a porcentagem da população completamente imunizada ainda não é grande. Em meio a esse quadro, São Paulo e Rio de Janeiro planejam reabrir a economia nas próximas semanas. Isso parece recomendável?

Vai ser difícil para muitos países porque eles não podem manter as restrições para sempre. Os países precisam encontrar um caminho de volta à normalidade, porque não dá para passar anos e anos com tudo fechado. Mas, quando a cobertura de vacinação é baixa, você precisa ter flexibilidade na tomada de decisão, porque já vimos que a Delta pode entrar muito rápido mesmo nos países com cobertura bastante alta, como no Reino Unido e nos EUA. Os países precisam ficar de olho na situação e estar preparados para mudar de direção se houver sinais de que é cedo para a reabertura.

As variantes do vírus têm sido cada vez mais difíceis de enfrentar. Há chances reais de, em breve, estarmos sofrendo com uma nova e pior cepa?

Acho que não, com base no que vemos com coronavírus sazonais e outros vírus, como o da gripe. Com o tempo, há um incentivo para o vírus evoluir, mas não necessariamente para ser inerentemente mais transmissível. Se ele consegue escapar das respostas imunológicas, mesmo que seja causando infecções leves, já é uma vantagem para ele. Para mim, a questão é: quando essa evolução vai acontecer? Porque a variante Delta agora é bastante antiga. Beta e Gamma também. Será que o vírus está a um passo de mutar ou a Delta é mesmo o tipo de vírus ideal para o momento? Nós vemos bastante isso na gripe. O vírus experimenta combinações diferentes e, em algumas delas, não faz muito sucesso. Nós precisamos nos planejar para isso, com atualizações nas vacinas e rastreio do vírus.

Na pandemia, a população em geral está vivenciando a ciência de uma maneira sem precedentes. Você já disse, em entrevistas à imprensa britânica, que é engraçado que até os tabloides o procuraram para falar sobre conceitos como “taxa de transmissão”. Ao final da pandemia, você acredita que a população terá mais confiança na ciência?

Espero que sim. (A pandemia) deu às pessoas uma percepção semelhante a estar por dentro das engrenagens (risos). Acho que há muitas partes da ciência que não funcionam muito bem. Existem os egos, existem as ineficiências, as pessoas cometem erros… Acho que algumas pessoas viram pela primeira vez como esse sistema funciona. Nós, os cientistas, precisamos pensar sobre por que alguns desses problemas aconteceram. Há situações ainda em que as pessoas estão expressando opiniões em voz alta sem ter muitas evidências, ou que vão contra as evidências que nós realmente temos. E isso apenas cria confusão na mídia e discussões sobre coisas que nem deveríamos discutir.

As informações são de O Globo.


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