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Amazonas

Vale do Javari: Brasil não segue recomendação da OEA, e ameaçados de morte estão sem proteção

Ao menos dois da lista, Eliésio Marubo e Orlando Possuelo, receberam ameaças de morte após o crime que chocou a comunidade internacional.

Região do Vale do Javari, no Amazonas. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

O governo federal não acatou a recomendação da Organização dos Estados Americanos (OEA) que solicitou ao Brasil, há mais de seis meses, a adoção de medidas para proteger 11 pessoas ligadas à União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) envolvidas nas buscas pelo indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips, mortos em junho do ano passado em uma emboscada. As informações são do jornal O Globo.

A resolução de medidas cautelares da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foi emitida no final de outubro, mas até agora, nenhuma pessoa da lista recebeu qualquer proteção. Ao menos dois da lista, Eliésio Marubo e Orlando Possuelo, receberam ameaças de morte após o crime que chocou a comunidade internacional.

O procurador jurídico da Univaja, Eliésio Marubo, deveria ser um dos beneficiados pelo programa, mas confirma que até o momento segue sem escolta, apesar de as ameaças contra ele e outros indígenas continuarem. Recentemente, chegou até Eliésio uma nova ameaça, acompanhada de uma oferta de R$ 80 mil para quem o matasse. Após uma perseguição nas ruas de Manaus por cerca de meia hora, no fim de fevereiro, Eliésio decidiu registrar um novo boletim de ocorrência.

— Nós não trouxemos o problema. Aliás, o que nós fizemos foi buscar a solução indicando as atividades de cada um. Nós dialogamos com o novo governo , com o ministro da Justiça, Flávio Dino, e até para o presidente Lula enviamos ofício. Buscamos o apoio deles de maneira amigável. A proteção das 11 pessoas ameaçadas e a proteção efetiva do Vale do Javari ainda não acontecem. A prova de que não existe nada lá é que há pouco tempo tivemos duas ameaças diretas contra indígenas kanamari e ninguém foi averiguar. A efetividade da decisão no quesito de proteção do território e dos defensores não aconteceu — afirmou ao Gglobo.

De acordo com Eliésio, uma das lideranças da Univaja, Paulo Marubo, presenciou as ameaças e os recados de que sua “cabeça estava a prêmio” no Vale do Javari. Ainda segundo o procurador jurídico da Univaja, as pessoas que fizeram chegar o recado até ele são ligadas a Ruben Dario da Silva Villar, o Colômbia, apontado como mandante das mortes de Bruno e Dom. Paulo confirmou o registro.

— Eu cheguei a ser perseguido em Manaus em fevereiro, abri boletim ocorrência e até hoje não fui ouvido pela Polícia do Amazonas. Perseguiram meu carro com um Fiat Palio preto enquanto estava com minha filha no carro. Já o Paulo Marubo, pouco antes, presenciou diretamente no Vale do Javari que ofereceram R$ 80 mil pela minha cabeça. Estamos desesperados com isso. Também registramos isso na polícia e ele foi minha testemunha — conta Eliésio.

Outro integrante da Univaja que está na lista dos 11 beneficiados é o indigenista Orlando Possuelo, que atua na linha de frente da equipe de vigilância da entidade. Filho do ex-presidente da Funai Sydney Possuelo, Orlando confirmou as informações obtidas pelo GLOBO de que seu nome circula nas comunidades ribeirinhas como “próximo da lista” para ser morto no Javari. Ele também confirma que até o momento não tem qualquer proteção do Estado. Segundo Orlando, três homens vieram de fora de Atalaia do Norte (AM), onde fica a sede da Univaja, para fazer o “serviço”.

— Quando soube por um informante de que havia três homens atrás de mim para me matar, rapidamente prestei depoimento à Polícia Federal. Mas não sei se fizeram algo. Depois disso, fiquei um tempo fora e as coisas acalmaram. Mas sigo aqui na sobrevivência, até o momento sem nenhuma escolta e também sem fazer parte de um programa de proteção — afirmou Orlando, que tenta tirar o porte de arma.

Orlando confirmou também a informação de que seu nome foi citado em uma conversa entre uma adolescente, filha de um colaborador da Univaja, e outra, parente próxima de Amarildo da Costa Oliveira, o “Pelado”, assassino confesso da dupla.

— A colega da filha do nosso colaborador perguntou onde o pai trabalhava. Logo que falou que era na Univaja a amiga falou: “Lá onde trabalha o… aquele cara de cabelo enrolado, né?”. Ela respondeu “sim, o Orlando.” A parente de Pelado emendou: “Pois avisa seu pai pra tomar cuidado, o pessoal da comunidade está querendo pegar o Orlando. Falaram que só estão esperando a oportunidade. Fala pro seu pai tomar cuidado quando andar com ele e também não ir com ele pra área da comunidade.”

O Ministério da Justiça confirmou ao GLOBO que as denúncias contra os integrantes da Univaja estão sendo investigadas pela Polícia Federal. No entanto, a pasta afirma que “não é responsável pelo Programa de Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita) que está sob a gestão do MDHC, que vem empreendendo uma série de esforços para reestruturar e fortalecer o programa, alvo de forte desmonte na gestão passada”.

Procurado na última sexta-feira, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) não se manifestou mas informou que daria retorno “assim que possível”.

Eliésio afirma que foi procurados pelo Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), mas sem efeito prático.

— O que acontece na real é que ele é uma central telefônica. Estou no programa, então se estou sentindo alguma ameaça, alguém veio com a arma na minha direção, eu pego o telefone e ligo para alguém do programa, que vai ligar para uma autoridade do local onde estou e que por sua vez vai ligar para um policial que vai mandar uma viatura para o local onde está a ocorrência. Vou precisar contar com a compreensão do bandido esperar o reforço chegar. Isso não funciona — ironiza.

O procurador da Univaja afirma que já até conversou pessoalmente com o ministro Flávio Dino para expor a sua preocupação.

— Nosso caso é que precisamos de escolta, a todo tempo estamos correndo risco. Nós não somos criminosos, somos vítimas. Nós falamos com o próprio ministro Flávio Dino. São níveis de segurança, a do Javari é mais abrangente. No caso dos 11 ameaçados, é preciso segurança efetiva. E segurança efetiva é escolta. Por que não estamos parados, a gente continua fazendo a militância , continua trabalhando e não podemos parar – afirma Eliésio que diz ter sido necessário contratar escolta particular, paga por parceiros.

— Quando o Bruno recebeu o bilhete com ameaças, as autoridades chegaram a desdenhar na época, e olha o que deu.

“Grave risco”

Na resolução emitida pela OEA em outubro do ano passado, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) indicou que os 11 integrantes da Univaja estavam em situação de “grave risco”.
“A Comissão observa que as 11 pessoas propostas beneficiárias receberam ameaças e assédio devido a seus trabalhos como defensores, como pessoas que demandam justiça pelo assassinato de Araújo Pereira e Phillips”, diz o documento assinado por Tania Reneaum Panszi, secretaria executiva da CIDH.

A resolução é decorrente de um pedido da Univaja feito em julho do ano passado para que a CIDH concedesse a esse grupo medidas cautelares para sua proteção. Um mês antes, o mesmo órgão havia concedido medidas semelhantes a Bruno Pereira e Dom Phillips, que ainda se encontravam desaparecidos.

Para justificar o pedido, a Univaja levantou o histórico de violência contra os povos indígenas e seus defensores na região. Entre os episódios lembrados, está o do assassinato do funcionário da Funai Maxciel Pereira dos Santos, morto a tiros em 2019, no município de Tabatinga. O caso até hoje não foi solucionado, mas como O GLOBO revelou a PF já tem indícios de que “Colômbia” e a mesma organização criminosa são responsáveis pelo crime.

Há ainda relatos de outros ataques e ameaças, alguns ocorridos ainda neste ano, como quando funcionários da Funai receberam visitas de garimpeiros armados no Vale do Javari. Os membros da Univaja também receberam cartas com ameaças a suas vidas e foram alvos de ameaças diretas em praças de Atalaia do Norte.

Além de Eliésio e Orlando, estão na lista de proteção da OEA os indigenistas Beto Marubo, Cristóvão Negreiros, Higson Dias, Juliana Oliveira, Manoel Barbosa da Silva, Paulo Marubo, Varnei Kanamary, Valdir Estevão Marubo e mais a advogada Natália France Neves Carvalho.

O Globo confirmou que ninguém da lista ainda recebeu proteção efetiva. A advogada Natália France afirma que foi procurada em janeiro pelo governo federal.

— Entrou em contato uma vez, mas para dizer que estava providenciando. E nada mais.


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