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Amazonas

Um ano sem Bruno Pereira: ‘parceiros de floresta’ relatam convivência com indigenista

“Nesse dia eu prefiro cobrar. O Brasil e as autoridades brasileiras devem uma resposta convincente para o mundo sobre o assassinato de Dom e Bruno”,

Beto Marubo e Bruno Pereira. (Foto: Reprodução)

Jair Candor (Sertanista, coordenador da Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena em MT):

“Bruno era um cara guerreiro, um cara lutador, cara que fazia diferença no trabalho público. Eu tive a oportunidade de fazer alguns trabalho com ele lá no Vale do Javari e logo percebi isso nele, que era um cara que ia para cima e queria resultado mesmo. A gente estava sempre trocando ideia, sempre se alinhando as coisas, ainda mais nesses últimos quatro anos de bolsonarismo ele ajudou para caramba nós ali da Frente Madeirinha, inclusive toda hora tinha pedido de exoneração para mim na mesa do presidente e ele segurava as paradas lá.

Bruno para mim era como se fosse um irmão. Eu tive a oportunidade de fazer dois trabalhos com ele e o último foi o contato dos korubos em 2019. Era um cara assim que fazia diferença e às vezes isso incomodava aqueles que estavam no seu entorno, porque ele corria atrás e resolvia. Fazia coisa acontecer. Então, foi uma perda muito grande, individual e para o profissionalismo público, afinal não é todo dia que a gente tem pessoas assim no funcionalismo público, uma perda muito grande para nós todos que fazemos esse trabalho com o sangue no olho.

Como companheiro então não tinha e não tem nem o que falar porque para mim ele era um irmão, ele se defendia na hora do arrocha e a gente defendia ele , que defendia a gente e a gente estava do mesmo lado. Aliás, a gente estava sempre no mesmo lado e isso depois que ele foi acabou, ficou um pouco mais distante, a gente não consegue mais ter aquele alinhamento que a gente tinha com o Bruno. As pessoas vão perceber que nem todos são iguais.

Não sei como descrever aquela garradeira, aquela marra, cara marrento, mas é assim um trabalho bacana, um cara honesto, que lutava uma batalha pelo direito civil com a mais pura honestidade, simplicidade. Por isso eu era muito ligado a ele, a gente sempre deu muito certo e nunca se opôs e sei que ele admirava muito o meu trabalho, respeitava para c**** meu trabalho. Então para mim foi uma perda irreparável.”

Beto Marubo (Coordenador da Univaja):

“Nesse dia eu prefiro cobrar. O Brasil e as autoridades brasileiras devem uma resposta convincente para o mundo sobre o assassinato de Dom e Bruno. O Brasil ainda deve uma atuação ostensiva para o Vale do Javari, apenas uma instituição Polícia Federal, Exército, Ibama, Funai não vão conseguir enfrentar uma situação que exige a atuação conjunta do Estado brasileiro, precisa de um plano específico para a nossa região, com planejamento de curto, médio e longo prazo. Não queremos que seja algo paliativo por algo que o Bruno e o Dom lutaram tanto para que o Estado brasileiro tivesse essa atuação, que estamos reivindicando agora novamente.

Nós precisamos de reformas das bases da Funai, do fortalecimento da Funai, que ela seja vital para os povos indígenas isolados . Mas por enquanto não teve atuação efetiva do governo, sem se dar a devida prioridade. É fundamental que se diga isso nesse um ano das mortes de Bruno e Dom.

Não precisamos de boas intenções do governo, mas sim de atitudes concretas. Infelizmente, com a sua passagem, Bruno, nós conseguimos! Conseguimos que todos vejam as nossas mazelas. Expomos quão esquecidos nos encontramos, nós, povos indígenas do Vale do Javari. Um monte de pessoas no Brasil e ao redor do mundo inteiro estão falando sobre você, Grandão, e sobre o Dom.”

Danielle Brasileiro (Agente em indigenismo da Funai , trabalhou com Bruno no Vale do Javari):

“Eu fui me tornando indigenista e o Bruno parecia que já tinha nascido indigenista. O olhar de sempre ouvir os povos e diz que era através deles que nós iríamos encontrar a solução. Ele sempre teve essa pegada de “para os povos tem que ser com os povos”. Eu aprendi muito com ele no dia a dia e ele sempre foi um gigante. Pensava sempre como a política de fato poderia atender a realidade desses povos. E lá no Javari eu trabalhei com ele seis anos, fui chefe de divisão dele, foi coordenadora substitututa com ele. A gente desempenhou lá no Vale do Javari vários projetos capitaneadas por ele. Vivemos uma situação muito ruim em 2012, que foi a morte de algumas crianças indígenas que vieram com seus familiares da aldeia para cidade votar nas eleições municipais e contraíram doenças. E a partir dessa tragédia a gente começou a brigar pela mudança dessa realiade, com o objetivo de que as urnas eleitorais fossem até as aldeias. Ele se comprometeu com afinco , foi até Manaus “amansar” o Estado brasileiro e conseguiu apresentando dados de que de fato as seções eleitorais tinham que estar nas aldeias. E aí se construiu algumas seções eleitorais e já na eleição seguinte em 2014, não teve nenhum episódio de morte, nenhum caso de diarréia entre as crianças. Foi um sucesso e comprovou que as políticas públicas têm que estar aonde os indígenas estão. Hoje o cartório eleitoral leva o nome do Bruno Pereira, em sua homenagem a todo esse esforço que ele fez. E isso era de personalidade dele , de fazer com que o estado brasileiro fosse indigenista e ele sempre assumiu sempre esse papel da Funai de conversa com os órgãos e intermediar essa relação entre os indígenas e as aplicação das políticas públicas através Estado. Então, nesse um ano do assassinato dele o que a gente pede de fato é que o Estado brasileiro reconheça isso e que todo esse legado dele realmente faça valer a luta que ele sempre combateu e o bastão que ele está passando para gente”

Rodrigo Ayres (Indigenista especializado da Frente de Proteção Etnoambiental Madeirinha-Juruena em MT):

“Bruno Pereira foi um gigante. Em seus últimos anos, estivemos em frequente contato, sempre um grande aliado na resistência aos retrocessos do governo passado. Entregou a sua vida pela causa, e por ele guardo máxima admiração. Faz uma falta imensa, e a sua energia seria de extremo valor nesse momento. Nas durezas das batalhas, cabe sempre lembrar a firmeza com que Brunão dedicou a vida pela floresta e pelos povos indígenas isolados, até as últimas consequências. Levarei o seu exemplo para sempre comigo, em referência de luta e compromisso. É duro, mas como cantou o poeta venezuelano Alí Primera, “os que morrem pela vida não podem chamar-se mortos, e a partir deste momento é proibido chora-los.” Bruno Pereira segue vivo e presente na luta!”

Eliésio Marubo (procurador jurídico da Univaja):

“O Bruno foi um cara ímpar. E pessoas iguais a ele não são fáceis de se encontrar. Uma pessoa que se doou como ele a uma causa a ponto de morrer em nome de uma luta que nós acreditamos muito. E agora nesse dia que completa um ano de sua morte, de seu assassinato, nós queremos relembrar as coisas boas coisas que ele fez e olhar para o legado que ele nos deixou. Nos deu gás, nos deu energia, ânimo novo para continuar na luta que é também a nossa luta. A luta minha, do meu irmão, da minha família, dos povos indígenas do Vale do Javari. Certamente nós vamos continuar como ele dizia “entrincheirados” fazendo aquilo que a gente sempre fez e é o que a gente saber fazer. E agora em memória e em nome dele. E do Dom também, que foi um cara que representou a mídia, a imprensa, a comunicação, representou o dever de comunicar até o último dia, até o último momento.”

Fabrício Amorim (indigenista , companheiro de Bruno no Vale do Javari):

É uma perda irreparável de um indigenista profissional como poucos, completo. Ele tão fazia bem a parte de gestão, de liderança, como a parte de campo. Sabia ser chefe e sabia ser peão. Um cara que sacava dessa lida de campo, escrevia relatórios bons. Para a família ainda maior é a essa perda. Brunão era um cara que tinha uma relação familiar muito boa, seja com a filha mais velha, do primeiro casamento, apesar da distância era sempre muito presente. Os amigos que ficaram acabam dando um jeito, né? tentando coletar os cactos que ficaram com as mortes do amigos…do Bruno, do Maxciel, do Rieli Franciscato.

Tem uma união muito forte entre o coletivo indigenista , sobretudo os que trabalham com os povos isolados. A morte do Bruno fez com que a gente se juntasse ainda mais em torno desse legado dele, que faz com que esse trabalho se torne ainda mais forte. Isso é uma legado que o Bruno deixou que era trabalhar em equipe, em corpo, ele era muito assim. As equipes dele eram sempre equipes muito boas. Ele sempre trazia para perto e construía sempre um corpo. Então esse legado de trabalhar em coletivo e corpo, sabendo ser chefe e ser peão sem dúvida é um grande legado, uma verdadeira inspiração para nós todos.

Eu conheci o Bruno em 2010, quatro anos depois de eu ter chegado na Funai. Desde então a gente se tornou amigos, colega de trabalho com amizade forte. A gente se falava quase toda semana, dia sim, dia não, ele empolgado com as conquistas da Equipe de Vigilância da Univaja (EVU), ele estava animado com a evolução do trabalho. Ele sempre falava isso, que com a Funai sucateada a solução seria instrumentalizar os parentes indígenas, cada vez mais é um trabalho com eles, que vai garantir a proteção dessas terras. E desse visão a gente compartilha, nessa política de proteção aos isolados, que sempre foi muito centrada no Estado, cada vez mais centrar isso num trabalho autônomo, iniciativa autônoma dos indígenas. Então, ficou esse coletivo fortalecido, vamos continuar esse legado e trabalhar nisso, potencializar mais os povos indígenas na proteção de suas terras e onde a gente vê aí a ministra Sonia Guajajara , a deputada Célia Xakriabá, presidência da Funai com Joenia Wapichana e os parentes protagonizando cada vez mais nesse caminho que o Bruno ajudou a trilhar.

Guilherme Martins (Coordenador da Política de Proteção e Localização de Indígenas Isolados):

“Bruno foi, é e será eternamente um gigante. Desses que são estrelas que irão nos guiar para sempre em nossos caminhos. Ainda sinto sua presença, sua risada faceira, e me lembro de seus conselhos, o que me sustenta para seguir hoje na luta, na luta dele que será sempre a nossa. Acho que ele está lá em cima, por aí, subiu o céu pelo arco-íris – se encantou e se transformou em divindade, Kodoh-warah, como chamam os Kanamari, com os quais eternizou em seu canto. Foi com Bruno quem iniciei os primeiros passos na trilha da proteção dos isolados. Caminho que levo para a vida e pelo qual mantenho Bruno vivo pelo compromisso de construir os projetos e sonhos dele nesse novo momento na Funai. Bruno está aqui. Apontando o caminho. Amolando nossas flechas. Sustentando nossas batalhas. Bruno está presente, hoje e sempre.”

Carolina Santana (Advogada da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)

“Bruno era para mim um grande amigo e um mestre. Em nossos 12 anos de convívio, eu sempre me impressionei com sua inteligência política e com sua capacidade de comunicação. Sua paixão pelo que fazia cativava de imediato quem o escutava. Ele me ensinou muito do que sei sobre povos em isolamento. Em 2019 passamos a trabalhar juntos e nos falávamos todos os dias. Ele levou-me para o convívio de sua família e ganhei Bia, como grande amiga e parceira. Quando o mataram, ficou um buraco em minha vida. Sinto falta demais dos conselhos e das risadas debochadas. Dia desses, Bia me contou que o Uaqui, filho mais velho deles, disse que queria que o pai tivesse apenas desmaiado. Senti uma imediata identificação por aquele desejo infantil. Não raro, me pego imaginando Bruno reaparecendo e dizendo que tudo foi um mal entendido, que estava perdido no mato. Quando a saudade aperta muito, confesso que escuto o último áudio que ele me enviou em maio do ano passado. Depois de contar dos preparativos para a viagem com Dom, de contar que estava correndo com o imposto de renda, ele termina o áudio assim: “Amiga, dia 06 [de junho] eu volto do Javari e te ligo pra gente continuar essa conversa”. É, meu amigo, um dia, quem sabe, a gente continua.”

Lucas Albertoni (Médico indigenista)

“O Bruno era um grande colega de trabalho, grande amigo, grande professor do indigenismo. Ele tinha uma personalidade forte, super combativa, incrível mesmo. Sobre o indigenismo o trabalho dele era de excelência em todos os pontos. Ele conseguia transitar em várias áreas, tanto nas articulações com o Legislativo, no campo jurídico, no trabalho de campo, na organização deles, pensar a política e as inovações dentro da política indigenista. Então, ele era bem completo e vai fazer muita falta para gente. Não só como amigo, mas de forma geral para a política pública. Eu conheci o Bruno em 2014, logo que eu fui trabalhar no Vale do Javari, onde discutimos muito os assuntos e questões sobre os povos isolados e de recente contato. Tanto pela população korubo, que já tinha contato em 2016 e que depois acompanhamos todos os processo de contato com essa etnia, de 2014, 2015 e 2019 trabalhamos juntos. Sempre aprendi muito com ele e como proceder em várias situações, de decisão rápida, de pressão e de todo o contexto complexo do Vale do Javari. E também a gente com ele acabava aprendendo sobe outras as áreas, já que a cabeça dele pensava em todos os aspectos de políticas públicas”.

Agora, depois desse um ano já sem o Bruno, a gente tem certeza de que ele realmente está presente com a gente, no nosso trabalho, diversas pessoas estão tentando construir as política públicas em conjunto, na mesma ideia que ele trazia para gente também. Então ele segue presente na nossa luta em defesa desses povos que estão sempre ameaçados pelas políticas do governo e de interesses internacionais. Além disso bruno era um cara extremamente dedicado ao trabalho, era até um exagero, 20 horas por dia de indigenismo, sem fim de semana, sem descanso. Desde que nos conhecemos em 2014 não ficamos praticamente nem 15 dias sem nos falar sobre trabalho

Juliana Batista (Advogada do Instituto Socioambiental – ISA):

“A voz de Bruno ecoou e ecoa na defesa dos povos indígenas isolados e de recente contato. Ele deixou legado para todos nós, o dever de continuar essa luta e de trabalhar incansavelmente pela proteção dos territórios dos povos mais vulneráveis do planeta. Esperamos que os responsáveis por sua morte e a de Dom Phillips sejam exemplarmente responsabilizados”.


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