Amazonas
STJ publica ementa da decisão que tornou réu o governador do Amazonas; veja a íntegra do documento
O MPF imputa ao governador Wilson Lima (PSC) os delitos de dispensa irregular de licitação, fraude a procedimento licitatório, peculato, liderança em organização criminosa e embaraço às investigações.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou, nesta terça-feira (03/11) a ementa – síntese da decisão colegiada (acórdão) – da Corte Especial que recebeu a denúncia contra o governador do Amazonas, Wilson Lima, oferecida pelo Ministério Público Federal (MPF), por crimes na compra superfaturada de ventiladores pulmonares (respiradores) destinados ao tratamento de vítimas da Covid-19 no estado.
O MPF imputa ao governador os delitos de dispensa irregular de licitação, fraude a procedimento licitatório, peculato, liderança em organização criminosa e embaraço às investigações. A corte também tornou réus o vice-governador do Amazonas, Carlos Alberto Filho, e outras 12 pessoas, entre elas ex-secretários estaduais, servidores públicos e empresários. O colegiado rejeitou a denúncia contra a ex-secretária de Saúde Simone Papaiz e contra o servidor Flávio Cordeiro – nesses dois casos, a corte entendeu não haver provas suficientes para admitir a acusação.
R$ 2 mi de prejuízo
Segundo o MPF, os crimes ocorreram na compra de 28 respiradores, cujo superfaturamento teria causado prejuízo de mais de R$ 2 milhões aos cofres públicos. O preço de mercado de um respirador era cerca de R$ 17 mil, mas os itens foram comprados pelo governo por mais de R$ 100 mil cada.
Na denúncia, o MPF descreve irregularidades na forma de condução da compra emergencial, na emissão de pareceres e na dispensa da licitação, além de apontar o desvio de recursos públicos destinados ao combate à pandemia no Amazonas.
Em relação ao governador Wilson Lima, o MPF registra que o chefe do Executivo teria atuado diretamente para que um empresário cuidasse dos procedimentos para a compra dos respiradores – intermediação que, posteriormente, teria gerado as compras fraudulentas. Além disso, o MPF apontou que foram encontrados no gabinete do governador documentos que descreviam as empresas interessadas na venda dos equipamentos e os preços oferecidos, o que demonstraria que o mandatário acompanhava o processo de aquisição.
Respiradores não serviam
O relator da ação penal, ministro Francisco Falcão, destacou que, além da gravidade na compra dos ventiladores pulmonares com excesso de preço, as informações disponibilizadas pelas empresas envolvidas indicavam, mesmo antes da aquisição pelo governo amazonense, que os equipamentos não tinham a capacidade de atender pacientes graves acometidos pela Covid-19.
Falcão também apontou que, nas ações para a contratação dos ventiladores, chegou a participar do negócio uma empresa de vinhos que, aparentemente, não tinha competência técnica para atuar na área de equipamentos médicos.
No caso do governador Wilson Lima, o ministro apontou que as acusações não configuram meras conjecturas, mas sim indícios efetivos de que o chefe do Executivo estadual acompanhou o processo de compra emergencial e interferiu, atuando com liderança sobre a organização criminosa que se formou para vender ao governo os equipamentos com sobrepreço.
Em seu voto, o relator também entendeu não ser o caso de desmembramento do processo em relação aos réus que não têm prerrogativa de foro, pois a manutenção integral da ação no STJ, segundo ele, favorece a busca da verdade e evita a prolação de decisões conflitantes.
Veja a íntegra do texto do documento:
Superior Tribunal de Justiça
AÇÃO PENAL No 993 – DF (2020/0092882-6)
Documento: 136080274 – EMENTA / ACORDÃO – Site certificado – DJe: 03/11/2021 Página 1 de 7
PROCESSO PENAL. PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. GOVERNADOR DE ESTADO. COMPRA DE VENTILADORES PULMONARES NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19, NO AMAZONAS, EM MARÇO E ABRIL DE 2020. CRIMES DA LEI DE LICITAÇÕES E PECULATO. FORMAÇÃO DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA LIDERADA PELO GOVERNADOR E CRIME DE EMBARAÇO À INVESTIGAÇÃO DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA.
QUESTÕES PRELIMINARES REJEITADAS. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E DE MATERIALIDADE. CONFIGURAÇÃO DE JUSTA CAUSA PARA A CONTINUIDADE DA AÇÃO. DENÚNCIA RECEBIDA CONTRA O GOVERNADOR E DE OUTROS DENUNCIADOS. DENÚNCIA REJEITADA CONTRA DOIS DENUNCIADOS POR AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA.
I – Ação penal que imputa aos denunciados os delitos de dispensa/direcionamento de licitação sem observância das formalidades legais (art. 89 da Lei n. 8.666/1993); fraude à licitação, com elevação arbitrária do preço (art. 96, I, da Lei n. 8.666/1993); peculato (art. 312 do Código Penal); participação em organização criminosa (art. 2o, §§ 3o e 4o, II, da Lei n. 12.850/2013); embaraço a investigações que envolviam a organização criminosa (art. 2o, § 1o, da Lei n. 12.850/2013), tendo havido efetiva compra de 28 ventiladores pulmonares para a rede pública hospitalar do Amazonas com direcionamento licitatório, fraude, peculato e desvio de recurso pelos denunciados, que teriam formado uma organização criminosa com essa finalidade.
II – Preliminar de existência de provas obtidas por meios ilícitos: rejeição, dado que as provas, ordenadas pela autoridade judiciária competente, foram produzidas sem vícios, bem como a apreensão de aparelho celular na residência do alvo foi precedida de decisão para a busca do que interessava à investigação de acordo com o mandado de busca e apreensão, de maneira que a apreensão do aparelho da esposa de alvo de mandado, apreendido no local da busca, estava acobertada por ordem judicial e se deu na residência do denunciado e não em outro local.
III – Preliminar de cerceamento de defesa: rejeição, por ter sido ofertada ampla defesa e observado o princípio do contraditório nessa fase preambular da ação penal.
IV – Preliminar de inépcia da denúncia: rejeição, pela circunstância de que a denúncia especifica cada conduta tanto no objeto da compra superfaturada e que levou à adjudicação e ao empenho dos valores em benefício indevido da Empresa FJAP E CIA e, indiretamente, da SONOAR, sendo apta, inteligível e individualizada igualmente quanto à participação de cada um na indicada organização criminosa.
V – Demais questões levantadas também rejeitadas: não procede a alegação de que as condutas de dispensa de licitação são atípicas, considerando a Lei n. 13.979/2020, uma vez que não se deu a abolitio criminis pela nova legislação; também não procede a arguição de ocorrência da consunção entre o crime de dispensa de licitação (direcionamento indevido) e fraude à licitação, porque se configuraram figuras delituosas distintas previstas na Lei n. 8.666/1993: inicialmente dispensa de licitação com direcionamento à Empresa SONOAR, seguido de direcionamento contratual à empresa de FÁBIO JOSÉ ANTUNES PASSOS e com consequente prática de preço abusivo mediante fraude.
VI – Rejeição do pedido de desmembramento do processo, à vista do encadeamento de condutas em coautoria e participação em crimes que envolvem agente com foro por prerrogativa de função (Governador do Estado) e demais não detentores do foro, além do fato de o delito de organização criminosa ensejar a presença de diversos partícipes; e a divisão neste momento poderia colocar em risco a instrumentalidade, a busca conjunta da verdade na instrução processual e o objetivo de que sejam proferidas decisões não contraditórias aos litisconsortes passivos (denunciados).
VII – Existência de elementos indiciários robustos contra o Governador WILSON MIRANDA LIMA, que teria instado os Secretários do Amazonas/SUSAM a se reunirem com GUTEMBERG ALENCAR, empresário que teria passado a conduzir as compras de respiradores/ventiladores; acompanhamento pelo Governador de todo o processo de aquisições e importação dos aparelhos pulmonares de diversas empresas, tendo recebido pessoalmente, um dia antes da contratação da Empresa FJAP E CIA., os 19 (dezenove) ventiladores pulmonares cujos preços estavam sabidamente superfaturados, conforme inclusive ampla divulgação na imprensa.
VIII – Existência de elementos de provas de que o Governador exerceria o comando da organização criminosa formada pelos dirigentes do Amazonas (Secretários e servidores públicos) e empresários para o cometimento de delitos de fraude e dispensa de licitação indevida, e peculato.
IX – Existência de elementos de provas de prática do delito de embaraço às investigações que envolviam a organização criminosa, pelo fato de que o Governador ordenou ao Secretário de Estado JOÃO PAULO obtivesse assinatura retroativa da ex-Secretária do Estado de Apoio à Saúde da Capital DAYANA MEJIA, a fim de forjar e regularizar extemporaneamente o procedimento antes concluído de compra dos 28 respiradores.
X – Existência de elementos de provas também contra os ex-Secretários de Estado do Amazonas nos delitos previstos na Lei de Licitação, peculato e organização criminosa: DAYANA PRISCILA MEJIA DE SOUSA, que teria iniciado por memorando o procedimento direcionando à aquisição de aparelhos hospitalares para SONOAR, tendo acompanhado os trâmites das compras, inclusive nos contatos com essa empresa oculta, devendo responder ainda como partícipe da organização criminosa; JOÃO PAULO MARQUES DOS SANTOS, que, com consciência da ilicitude, participou da compra, deu sequência e homologou a compra, devendo responder ainda como partícipe da organização criminosa; PERSEVERANDO DA TRINDADE GARCIA FILHO, como ordenador de despesas, mesmo ciente das irregularidades, deu o aval financeiro, adjudicou e empenhou para a Empresa FJAP E CIA., devendo responder ainda como partícipe da organização criminosa; RODRIGO TOBIAS DE SOUSA LIMA, que teria aceitado o pedido do Governador para inserir empresário (Gutemberg Alencar) no comando dos procedimentos abertos para a aquisição dos equipamentos, devendo responder ainda como partícipe da organização criminosa.
XI – Em face dos mesmos delitos, existência de elementos de provas contra os Servidores Públicos: RONALD GONÇALO CALDAS DOS SANTOS, engenheiro clínico, que teria dado parecer para a aquisição dos produtos mesmo sabendo que estavam com sobrepreço, tendo exarado parecer final também em favor da Empresa FJAP E CIA., devendo responder ainda como partícipe da organização criminosa; ALCINEIDE FIGUEIREDO PINHEIRO, na qualidade de Chefe de Compras da SUSAM, teria acompanhado e atuado em todo o procedimento e no desenrolar das tratativas e fraudes, na qualidade de gerente de compras, devendo responder ainda como partícipe da organização criminosa; MÁRCIO DE SOUZA LIMA, ex-gerente de patrimônio, porque possibilitou o direcionamento, a fraude e o peculato ao atestar que recebera os produtos, quando os equipamentos não tinham sido recebidos pelo Setor de Patrimônio, mas em datas diversas e em outros locais.
XII – Provas colhidas que apontam os empresários como partícipes dos mesmos delitos:
1) GUTEMBERG LEÃO ALENCAR, que teria participado e direcionado as compras governamentais dos equipamentos de saúde mediante fraude, servindo como “ponte” entre empresas e a Secretaria de Saúde nas pretendidas aquisições, devendo responder ainda como partícipe da organização criminosa;
2) CRISTIANO DA SILVA CORDEIRO, que teria financiado a compra pela FJAP para entrega de dinheiro para a SONOAR, viabilizando os eventos delituosos que favoreceram tanto a SONOAR quanto a FJAP E CIA., tendo ainda financiado FÁBIO JOSÉ PASSOS em outra aquisição de respiradores pulmonares cuja licitação não logrou êxito, devendo responder ainda como partícipe da organização criminosa;
3) FÁBIO JOSÉ ANTUNES PASSOS, porque fez a proposta falsa e utilizou sua empresa para fraudar e desviar valores no mínimo em duas oportunidades, devendo responder ainda como partícipe da organização criminosa;
4) LUCIANE ZUFFO VARGAS DE ANDRADE, porque deu início à oferta de produtos que nem sequer tinha em seu poder, participando do procedimento com proposta superfaturada e se favorecendo dos valores ao vender os produtos, mediante fraude à FJAP E CIA.;
5) LUIZ CARLOS DE AVELINO JÚNIOR, que acompanhou, como sócio oculto pela SONOAR, a negociação da sócia LUCIANE, beneficiando-se dos valores ilícitos, valores que reintroduziu no mercado com a compra de testes de Covid-19 pela SONOAR, da empresa A.R. Rodrigues.
XIII – Elementos de provas colhidos que apontam o Vice-Governador CARLOS ALBERTO SOUZA DE ALMEIDA FILHO como partícipe do delito de organização criminosa liderada pelo Governador do Estado.
XIV – Recebimento da denúncia contra os denunciados acima mencionados.
XV – À míngua de provas de participação em organização criminosa (art. 2o, § 4o, da Lei n. 12.850/2013), rejeição da denúncia movida contra SIMONE ARAÚJO DE OLIVEIRA PAPAIZ e FLÁVIO CORDEIRO ANTONY.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, A Corte Especial, por maioria, rejeitou as preliminares, e, por unanimidade, rejeitou o pedido de desmembramento do processo; recebeu a denúncia em face dos denunciados Wilson Miranda Lima, Alcineide Figueiredo Pinheiro, Dayana Priscila Mejia de Sousa, Rodrigo Tobias de Sousa Lima, João Paulo Marques dos Santos, Perseverando da Trindade Garcia Filho, Ronald Gonçalo Caldas Santos, Cristiano da Silva Cordeiro, Fábio José Antunes Passos, Luciane Zuffo Vargas de Andrade, Luiz Carlos de Avelino Júnior, Márcio Souza de Lima, Gutemberg Leão Alencar e Carlos Alberto Souza de Almeida Filho; rejeitou a denúncia oferecida contra os denunciados Simone Araújo de Oliveira Papaiz e Flávio Cordeiro Antony Filho; determinou o arquivamento das investigações em relação aos investigados Jefferson Luiz Rodrigues Coronel, Renata de Cássia Dias Mansur e Rubens Gustavo Siqueira Lengler, e, por fim, determinou a remessa de cópia dos autos à Justiça Estadual do Amazonas, conforme requerido pelo Ministério Público Federal, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Quanto às preliminares, os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Paulo de Tarso Sanseverino e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator. Vencido o Sr. Ministro Raul Araújo que acolhia a preliminar de cerceamento de defesa.
Quanto ao mérito, os Srs. Ministros Nancy Andrighi, Laurita Vaz, João Otávio de Noronha, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Jorge Mussi, Luis Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Raul Araújo, Paulo de Tarso Sanseverino e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator.
Impedido o Sr. Ministro Mauro Campbell Marques.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Og Fernandes.
Licenciado o Sr. Ministro Felix Fischer.
Sustentaram oralmente a Dra. Lindôra Maria Araújo, Subprocuradora-Geral da
República, o Dr. Nabor Bulhões, pelo réu Wilson Lima, o Dr. Roosevelt Jobim, pelos réus João Paulo dos Santos e Perseverando da Trindade, o Dr. José Carlos Cavalcanti, pela ré Dayana de Sousa, o Dr. Fabrício Parente, pelo réu Rodrigo Lima, o Dr. Pedro Ulisses, pelo réu Cristiano Cordeiro, o Dr. Luís Henrique Machado, pelo réu Fábio Passos, a Dra. Carla Luz, pelos réus Luciane de Andrade e Luiz Carlos de Avelino, o Dr. José Luiz Franco, pelo réu Gutemberg Alencar, a Dra. Luciana Lóssio e o Dr. Luiz Viana Queiroz, pelo réu Carlos Alberto de Almeida Filho, o Dr. José Carlos Nobre, pelo réu Flávio Cordeiro e a Dra. Catharina Estrella, pela ré Simone Papaiz. Esteve presente à sessão o Dr. Róbson de Souza, Defensor Publico Federal, pela Defensoria Pública da União.
Brasília (DF), 20 de setembro de 2021(Data do Julgamento).
MINISTRO HUMBERTO MARTINS Presidente
MINISTRO FRANCISCO FALCÃO Relator
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