Amazonas
Sete projetos para indígenas com recursos do Fundo Amazônia são cancelados pela Funai
Iniciativas indígenas aguardam há dez meses sinal verde da Funai e são cancelados pelo ISPN, ONG que tinha recursos do Fundo Amazônia.
Sete projetos de organizações indígenas e indigenistas, aprovados para receber recursos do Fundo Amazônia, foram cancelados pela falta de consentimento da Fundação Nacional do Índio (Funai). As organizações aguardam há dez meses o sinal verde do órgão, uma exigência do financiador. A informação é do site Valor Econômico.
No período, foram 211 trâmites burocráticos entre idas e vindas nos corredores da Funai. As iniciativas, orçadas em R$ 1,5 milhão, eram de restauração florestal, organização de casas de sementes e até para fortalecer a cadeia da castanha nas aldeias.
Os projetos haviam sido selecionados pelo Fundo para Promoção de Paisagens Produtivas Ecossociais (PPP-Ecos), gerido pelo Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), ONG que existe há 32 anos, tem sede em Brasília e atua com iniciativas de apoio a povos indígenas, comunidades tradicionais e agricultores familiares.
O ISPN tinha recursos do Fundo Amazônia, o mais estruturado mecanismo global de compensação pelos esforços de contenção ao desmatamento e de apoio a projetos na região, desconstruído pelo então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles. As iniciativas com recursos já aprovados, contudo, seguiram seu curso, embora com cronograma e execução atrasados em função da pandemia.
O contrato renovado entre o ISPN e o Fundo Amazônia em 2019 permitiria apoiar até 2023 a execução de 60 novos projetos de organizações da agricultura familiar, indígenas e indigenistas no Maranhão, Tocantins e Mato Grosso, Estados com alto índice de desmatamento da Amazônia e do Cerrado. Os sete projetos cancelados pelo ISPN fazem parte desse conjunto.
No caso de projetos indígenas, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que administra os recursos do Fundo Amazônia, pede o ok da Funai. O processo, antes rápido, está levando dez meses, o que inviabiliza a execução dos sete projetos.
“Mesmo que a Funai dê a anuência agora, não dá mais tempo”, diz Rodrigo Noleto, coordenador do Programa Amazônia do ISPN. “São projetos com limitação de tempo e recursos em contratos de 18 meses. Seria impossível realizar as atividades e prestar contas. O absurdo é que conseguimos o ok de órgãos como o ICMBio e o Ibama, que são processos bem mais complexos. No caso da Funai é um simples ok para projetos do interesse dos povos indígenas. A Funai existe para protegê-los, o que nos deixa mais indignados”, segue Noleto. O pedido de anuência foi protocolado pelo ISPN em dezembro de 2021 na Funai.
O Fundo PPP-Ecos (que tem entre financiadores agências de cooperação como a americana Usaid, a norueguesa Norad, o Ministério do Meio Ambiente alemão) apoiou 88 projetos com recursos do Fundo Amazônia desde 2013. “Após meses de espera e 200 trâmites burocráticos, lamentamos o cancelamento compulsório dos projetos”, diz a nota do ISPN. É a primeira vez que isso acontece nos 32 anos de existência da ONG.
Um dos projetos cancelados era do povo Kaapor, no Maranhão, e previa restaurar com Sistemas Agroflorestais (SAFs) 7 hectares de floresta. Outro, de R$ 150 mil, envolvia 30 famílias xavante e buscava estruturar o armazenamento de sementes e aumentar o adensamento de espécies nativas nas aldeias. Um terceiro, com o povo zoró, no Pará, previa o fortalecimento da cadeia da castanha.
Consultada, a assessoria de comunicação da Funai informou, por email, que “para a emissão da Carta de Anuência foi realizada a análise de informações e relatórios solicitados ao ISPN, que não apresentou à fundação os documentos solicitados”.
A mensagem diz que um ofício da presidência, de abril, solicitou mais detalhes a Noleto, mas não foram atendidos. “Não foi encontrado no documento protocolado na Funai a indicação das poligonais georeferenciadas dos locais onde seriam realizadas ações de reflorestamento/plantios/SAFs, conforme solicitado pelo órgão”.
A reportagem pediu esclarecimento à Funai sobre o motivo de o órgão precisar saber a localização georeferenciada das roças indígenas para dar seu ok, mas não obteve resposta. “Outro quesito importante para a emissão de Carta de Anuência são os relatórios das execuções dos projetos já realizados”, segue a Funai. O órgão alega não ter tido resposta da ISPN.
Noleto disse que os argumentos “são absurdos, para manter a protelação. Nunca pediram detalhes de projetos anteriores ou poligonais georreferenciadas, que nem o próprio financiador exige. O ISPN atendeu todas as demandas”. Seguiu: “Os projetos executados no edital anterior não têm relação com os deste edital. Sem contar que a demanda de informações sobre projetos passados chega há quase um ano da nossa solicitação de anuência”. Diz que “até o processo de dispensa de licenciamento ambiental pelo Ibama, que exige mais informações técnicas, já foi concluído enquanto a anuência da Funai, que é um documento menos exigente, ainda não foi expedido mesmo com a não-objeção das coordenações e de sua diretoria, que constam no processo. São pareceres que mostram o quanto a decisão de não emissão da anuência é uma decisão política.”
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