Amazonas
Ribeirinhos do rio Madeira relatam transtornos com a seca na Amazônia: “nunca esteve tão baixo”
Os efeitos da seca estão visíveis em grandes rios como o Negro, o Solimões, Purus, Juruá e Madeira.
Aos 16 anos, Iremar Antonio Ferreira deixava o Paraná, onde viu “a soja matar o Rio Azul”, como definiu a situação vivida pelo afluente do Rio Piquiti. Hoje, aos 53 anos, Ferreira cita o medo de testemunhar processo semelhante, agora no Rio Madeira. Morador de Nazaré, um distrito ribeirinho de Porto Velho (RO), ele explica que a atual seca na Amazônia é agravada pelo contexto recente de desmatamento, expansão agrícola e garimpos ilegais, que derrubam as matas ciliares e assoreiam os leitos dos rios. As informações são do jornal O Globo.
— Já tivemos outras secas, mas essa está sendo a pior de todas. Estão aparecendo bancos de pedra que eu nunca tinha visto. Os próprios pilotos estão comentando. Nunca vimos o Rio Madeira tão baixo, os barcos maiores estão tendo muita dificuldade, porque há trechos com profundidade abaixo de 1,5m, então precisam levar menos carga e menos gente, um impacto muito grande — afirma Ferreira, que é coordenador do Instituto Madeira Vivo.
Os efeitos da seca estão visíveis em grandes rios, como o Negro, o Solimões, Purus, Juruá e Madeira. O nível do Negro desce 20 cm por dia, segundo o Serviço Geológico do Brasil. O volume de chuva na Região Norte está abaixo da média histórica, segundo uma nota conjunta deste mês do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). A vazão normal do Madeira está 35% abaixo da média do mês.
A situação deixou mais de 110 mil famílias somente do Amazonas em situação de risco de desabastecimento. Nada menos que 59 dos 62 municípios do estado sofrem com a seca, 15 dois quais em estado de emergência. Outros 40 estão em estado de alerta e cinco em atenção. Em Rondônia, a capital Porto Velho está em risco em atenção de acordo com as medições do Sipam (Sistema Integrado de Monitoramento e Alerta Hidrometereológico), administrado por órgãos federais.
Nesta terça, o governo federal e os governos estaduais de Rondônia e do Amazonas anunciaram uma força-tarefa para enfrentamento da seca, com envio de cestas básicas, água e intensificação do combate ao incêndio. A dragagem dos rios é outro plano de ação.
Ferreira lembra, porém, que a seca não é um evento isolado, e que a tragédia de hoje é o resultado da conjunção de diversos fatores, como queimadas – que segundo ele diminuíram esse ano, mas ainda continuam em grande quantidade – e movimentação de sedimentos através do garimpo e plantações de soja.
— Não é só a falta de chuva, é uma cadeia de mudanças provocada na região. Além da seca do rio, tem movimentação de areia e sedimentos, aí os bancos de areia vão dançando no rio. Os pilotos conheciam melhor o leito do rio, mas agora não tem mais total noção do canal. Embarcações grandes estão proibidas de navegar à noite, porque é um risco. Esse desastre ambiental mostra que estamos tratando os rios de maneira errada, estão cada vez mais secos e rasos.
Nesse cenário, as comunidades ribeirinhas são as mais vulneráveis. Além das dificuldades no abastecimento de cargas dependentes do transporte fluvial, os moradores sofrem com desgaste físico. Com as margens secas, as bancas de areia cresceram e então é preciso andar longas travessias desde o ponto de desembarque até as casas.
— Hoje (terça) vim para Porto Velho e levei quatro horas, numa viagem que normalmente gasta no máximo 2h30. Quanto mais devagar a viagem, maior o custo. São menos viagens por dia e com menos gente. É um impacto direto no sistema de transporte do Rio Madeira — explica Ferreira, que acrescenta que alguns afluentes nem conseguem ser acessados.
Muitos poços artesianos também estão secos, o que demanda a busca de água no leito do rio. O calor ainda afeta a reprodução dos peixes. A alta temperatura da água compromete os ovos, que acabam “cozinhando” antes de nascerem os filhotes.
— A seca está bem anormal para esse período. A região da calha do Rio Amazonas normalmente queima muito em outubro, mas esse ano antecipou — afirma Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). — Claro que a falta de chuva impacta na quantidade de água que volta para o sistema, mas a recuperação das matas ciliares ajudaria a não agravar o problema, por exemplo. Além das ações emergenciais, os governos têm que se preparar para esses impactos de eventos climáticos extremos, que ficarão cada vez mais frequentes.
Não deixe de curtir nossa página no Facebook, siga no Instagram e também no X.
Faça um comentário