Conecte-se conosco

Amazonas

Região amazônica com povos isolados pode ser devastada em menos de 30 anos, afirma relatório

A taxa de desmatamento estimada no relatório representa uma média de 9,4 mil km² de devastação por ano somente no Médio Purus.

Grupo indígena isolado no Acre em foto de 2009. (Foto: Gleilson Miranda/Governo do Acre)

O desmatamento em uma das regiões mais preservadas da Amazônia, o Médio Rio Purus, no sul do Amazonas, poderá chegar a cerca de 170 mil km² até 2050, área maior que o estado do Acre. O alerta é de um relatório da campanha Isolados Ou Dizimados, produzido por diversas organizações da sociedade civil e publicado nesta segunda-feira (14).

“A região do Médio Purus tem uma série de Terras Indígenas, Reservas Extrativistas e Florestas Nacionais que são conectadas umas nas outras, formando grandes mosaicos de florestas protegidas”, explica o pesquisador responsável pelo estudo, Antonio Oviedo, coordenador do Programa de Monitoramento do Instituto Socioambiental (ISA).

A taxa de desmatamento estimada no relatório representa uma média de 9,4 mil km² de devastação por ano somente no Médio Purus, taxa similar à registrada para toda a Amazônia Legal em 2019, que foi de cerca de 10 mil km. O relatório mostra que o desmatamento, a grilagem de terras públicas e a extração madeireira já ameaçam a área, com destaque para:

Reserva Extrativista do Médio Purus: a área sofre intensa ação de invasores e roubo de madeira desde 2017, segundo o estudo. Apenas entre agosto de 2021 e janeiro de 2022, mais de 27 mil árvores adultas foram derrubadas dentro da Resex.

Reserva Extrativista Ituxi: situada entre a Resex do Médio Purus e a Terra Indígena Jacareúba-Katawixi, território de povos isolados, o desmatamento vem crescendo no interior da reserva desde 2017 e alcançou o auge em 2021, com aumento de 373% em comparação com 2020. Monitoramento por satélite também mostra que a região sofre com incêndios criminosos.

Floresta Nacional do Iquiri: é uma área criada para ordenar o território e promover o manejo florestal sustentável na área de influência da BR-319, rodovia federal que corta a Floresta Amazônica, ligando Manaus a Porto Velho. Porém, entre 2019 e 2021, o desmatamento na Flona foi o equivalente à derrubada de 5,9 milhões de árvores adultas.

As unidades de conservação citadas estão localizadas em Lábrea, município do Amazonas. Dados do Ibama levantados pela Mongabay mostram que a região teve cerca de 450 autos de infração ambiental nos últimos três anos.

As autuações mais frequentes em 2021, de acordo com o documento do Ibama “Diagnóstico de Delitos Ambientais”, foram a conversão de vegetação nativa em pasto “por meio de motosserras, uso de fogo e máquinas pesadas, promovida por agropecuaristas e grileiros em Terras Indígenas e Unidades de Conservação Federal”; a comercialização de madeira ilegal com documentação ideologicamente falsa, destinada aos grandes centros consumidores do país e para exportação; e o “corte não autorizado, inclusive em áreas protegidas (UC e TI), de árvores para abastecimento de madeireiras, muitas vezes clandestinas”.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) publicado este ano mostrou que 54% do desmatamento registrado entre janeiro e outubro de 2021 na Amazônia ocorreram somente em terras públicas, enquanto que entre 2019 e 2020 o desmatamento nessas terras da União representou 44% do desmatamento total no bioma.

O relatório publicado nesta segunda-feira afirma que a grilagem de terras públicas no Médio Rio Purus, retrocessos na política de proteção aos povos isolados e a promessa de pavimentação da BR-139 deverão piorar a devastação na região.

Isolados e desprotegidos

Importante também do ponto de vista cultural, a região do Médio Rio Purus é habitada por povos que vivem em isolamento voluntário, populações tradicionais e populações ribeirinhas.

Porém, “os retrocessos na política de proteção aos povos isolados podem gerar novos genocídios e degradar áreas já protegidas legalmente”, diz trecho da publicação do ISA.

O relatório se refere à Terra Indígena Jacareúba-Katawixi e aos isolados recém-descobertos na região do Rio Mamoriá Grande, em Lábrea. Ambas as áreas estão há meses sem portaria de Restrição de Uso, instrumento da Funai que impede a exploração de recursos naturais dentro desses territórios, assim como a circulação de pessoas que não sejam os isolados e profissionais autorizados pelo órgão.

Identificados em 2007, os isolados de Jacareúba-Katawixi estão “em estudo” pela Funai há quase quinze anos. Sem homologação da TI, o território depende da publicação de portarias temporárias impedindo o uso da terra. A última portaria, publicada em 2017, venceu em dezembro de 2021 e não foi renovada até o momento.

Apesar da demora, o pesquisador Oviedo comenta que o senso da Funai deveria ser de urgência, uma vez que o desmatamento no interior da TI Jacareúba-Katawixi aumentou 60% em 2021, período em que o território ainda tinha a portaria de Restrição de Uso.

Além do avanço desmatamento, a TI também tem requerimento de pesquisa de ouro em uma área de 1.244 hectares, registrado na Agência Nacional de Mineração (ANM) em 2020, além de 639 registros de invasores no Sistema de Cadastro Ambiental Rural (Sicar), que ameaçam mais de 60 mil hectares no interior da Jacareúba-Katawixi, de acordo com o relatório.

Dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Inpe, mostram que até julho de 2021 já foram desmatados 5.889 hectares no interior de Jacareúba-Katawixi – o que corresponde a mais de 3 milhões de árvores derrubadas, segundo o relatório. Já dados do Ibama levantados pela Mongabay mostram que, em Canutama, outro município que abriga a TI Jacareúba-Katawixi, 112 autos de infração ambiental foram registrados desde 2019.

A Mongabay questionou a Funai sobre a não renovação da portaria, assim como a demora em avançar no processo de demarcação da TI – menos de 30% do processo foi concluído desde 2007. “Sobre a área Jacareúba-Katawiki, a Funai informa que o tema está em análise no âmbito da fundação”, respondeu o órgão em nota.

Segundo a própria Funai, a demarcação de Terras Indígenas é um dos principais impeditivos para a privatização das terras públicas, uma vez que esses territórios não podem ter titularidade.

Além disso, a Constituição Federal de 1988 considera que os indígenas são os primeiros e naturais donos do território, sendo, por isso, obrigação da União demarcar todas as terras ocupadas originariamente por esses povos. O Brasil tem mais de 300 Terras Indígenas que ainda estão em processo de demarcação, e isso não inclui os grupos indígenas isolados.

Para ler a reportagem completa, acesse UOL.


Clique para comentar

Faça um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

6 − 4 =