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Amazonas

Quase 9,5 mil alunos ficaram sem aula após operação contra garimpo no rio Madeira, aponta Defensoria

Suspensão das aulas, traumas psicológicos e queda no rendimento escolar estão entre os efeitos relatados por famílias e professores em Humaitá

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Um levantamento preliminar da Defensoria Pública do Estado do Amazonas (DPE-AM) identificou que cerca de 9,5 mil estudantes da rede municipal de Humaitá foram diretamente afetados pelas operações contra o garimpo ilegal no rio Madeira. Os dados reforçam indícios de impactos psicológicos graves em crianças e de queda no rendimento escolar. As informações serão incorporadas a um relatório técnico que vai embasar a adoção de políticas públicas na região.

Após intensificar os atendimentos às famílias atingidas pelas explosões de balsas, a Defensoria reuniu informações adicionais junto à Secretaria Municipal de Educação (Semed). De acordo com o órgão, 9.491 alunos ficaram sem aula tanto na zona urbana quanto, principalmente, nas comunidades ribeirinhas, onde as ações foram mais intensas.

Na área rural, 43 das 52 escolas de ensino básico e fundamental suspenderam atividades por uma semana. Já na sede do município, todas as 19 unidades escolares interromperam as aulas por pelo menos dois dias.

Depoimentos

Anne Mendonça, moradora da Comunidade Paraisinho, relatou que suas duas filhas, de 5 e 12 anos, ficaram três dias sem frequentar a escola. Para ela, os prejuízos vão além da aprendizagem.

“Os pais ficam com medo. Eu sou mãe e morro de medo, porque, quando a Federal vem, eles explodem as balsas, fazem queimas. Isso fica na memória da criança”, contou.

O defensor público Theo Costa destacou que a situação não se resume à suspensão temporária das aulas.

“Alguns alunos deixam de frequentar a escola por vários dias depois, apresentando danos psicológicos sérios e queda no rendimento. Isso ocorreu em um momento crucial para a cidade, durante a aplicação do Avalia, preparatório para o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb)”, explicou.

A secretária municipal de Educação, Arnaldina Chagas, reforçou a preocupação. “O nosso aluno já apresenta prejuízo no rendimento escolar. E isso, tão próximo ao Saeb, previsto para outubro, pode comprometer os resultados”, lamentou.

Impactos psicológicos

Profissionais da educação também relatam consequências emocionais entre os estudantes. A professora Martha Núbia, gestora da Escola Martha Macedo, afirmou que há esforço para diagnosticar e apoiar as crianças, mas reconhece os limites.

“O tempo perdido não volta. Mesmo com o apoio da escola e das famílias, o impacto é profundo”, afirmou.
A educadora Aline Buzaglo relatou o caso de uma aluna de cinco anos que apresentou sintomas após presenciar uma operação.

“Ela começou a ter dor de cabeça, sonolência e vômitos constantes. Era uma criança muito avançada para a idade, já sabia ler no pré-2, mas depois de tudo isso está regredindo”, relatou.

Relatório técnico

Entre os dias 22 e 24, a Defensoria intensificou o atendimento no município, colheu vídeos, fotos e depoimentos e ouviu cerca de 300 pessoas — parte delas no Centro de Referência de Assistência Social (Cras).

Defensores e servidores também visitaram as comunidades ribeirinhas Ilha do Tambaqui, Santa Rosa e Laranjeiras. A equipe foi ainda ao Lago do Uruapiara, onde existem cerca de 10 comunidades com cerca de 600 famílias diretamente afetadas.

O defensor Ricardo Paiva afirmou que todo o material vai compor o relatório técnico que servirá de base para programas sociais da prefeitura e poderá subsidiar uma ação por dano moral coletivo contra a União.

“A partir desse relatório, vamos recomendar medidas aos órgãos públicos e, se necessário, ingressar com ações judiciais pedindo reparação. Também queremos mostrar ao Judiciário que futuras operações precisam ocorrer sem explosivos e sem gerar danos ao meio ambiente e à população”, destacou o defensor.

O documento também deverá nortear a implementação de políticas públicas de sustentabilidade e alternativas de renda para o município.

‘Teko Porã – Vida Digna’

Em julho, a Defensoria criou o Grupo de Trabalho “Teko Porã – Vida Digna” pelo Grupo de Trabalho da DPE-AM para discutir os impactos de operações anti-garimpo no Rio Madeira, especialmente em Humaitá e Manicoré. No mesmo mês, uma comitiva do GT visitou Humaitá para ouvir moradores, avaliar os impactos socioambientais das operações com explosivos, levantamento de danos (moradia, psicológico, pesca etc.).

Em setembro, antes da operação Boiúna da PF, a Defensoria Pública do Amazonas (DPE-AM) ingressou com um pedido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para suspender as explosões de balsas usadas em garimpos ilegais no Rio Madeira.

Após a Operação “Boiúna”, a DPE reforçou os pedidos judiciais no STJ para suspender uso de explosivos em outras operações, sob “fato novo” e possibilidade de crise humanitária.


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