Amazonas
‘Ponto de virada’: Pesquisadores querem prever como a Amazônia responderá às mudanças climáticas
Por meio de uma tecnologia de enriquecimento de carbono, cientistas brasileiros buscam identificar como diferentes espécies amazônicas irão reagir ao aumento de gases de efeito estufa na atmosfera.
Um dos principais temores para a floresta Amazônica frente às mudanças climáticas é que o bioma sofra uma transformação catastrófica caso as degradações e emissões de gases de efeito estufa não sejam controladas. O que os pesquisadores chamam de “ponto de virada” (ou “tipping point”, na expressão em inglês) levaria à morte de forma maciça a cobertura vegetal e faria com que a região passasse a agravar o aquecimento global ao invés de combatê-lo.
As informações sobre a pesquisa foram publicadas pela revista National Geographic.
No entanto, ainda pairam incertezas sobre como a Amazônia reagiria a esse cenário e muitos estudiosos se questionam se existiriam fatores capazes de aumentar a resistência da floresta às mudanças de clima.
A busca por uma resposta é a principal motivação do programa AmazonFACE, um experimento inédito e de grandes proporções que quer entender especificamente como o aumento da concentração de gás carbônico (CO2) na atmosfera afeta a floresta amazônica, a biodiversidade que ela abriga e os serviços ecossistêmicos que esse bioma fornece à humanidade.
“O carbono não é só um grande vilão do efeito estufa. Ele é muito importante para a vida do planeta como a gente conhece e, para as plantas, é essencial para a fotossíntese”, explica Sabrina Garcia, uma das integrantes do programa AmazonFACE que é bióloga especialista em Clima e Meio Ambiente, e também pesquisadora na área de ecologia florestal, ecofisiologia e fenologia foliar.
Uma das teorias diante do aumento de CO2 na atmosfera é de que, para a vegetação, esse excesso pode significar mais recursos básicos para seu desenvolvimento, o que fortaleceria e estimularia o crescimento da floresta, assim como a sua resiliência à secas. “Entender se essa fertilização de gás carbônico realmente existe e como ela influencia na resposta de uma floresta tropical às mudanças climáticas é o principal objetivo”, conta Garcia.
O que é o programa AmazonFACE e como ele funciona
Realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), em parceria com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e com apoio do MetOffice, serviço de meteorologia do Reino Unido, o AmazonFACE contará com grandes e peculiares estruturas que irão expor uma área da floresta madura na Amazônia a uma concentração de CO2 50% maior que a encontrada atualmente na atmosfera. A quantidade atual no ambiente é por volta de 400 partes por milhão (ppm) de acordo com o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
Na prática, conta Sabrina Garcia, a área de estudo do projeto deve ser enriquecida com uma concentração de 200 ppm de CO2 acima do normal para simular as previsões do IPCC que indicam que a concentração do dióxido de carbono na atmosfera deve atingir 600 ppm entre os anos de 2050 e 2070 a depender do cenário das emissões.
“Quando se aumenta esse insumo na atmosfera é virtualmente certo que você vai acelerar o processo de fotossíntese e estimular a produção de açúcar (glicose) pela planta”, explica David Lapola, pesquisador do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura (CEPAGRI) da Unicamp e membro do comitê científico do AmazonFACE.
Uma vez que o carbono excedente entra na equação metabólica da planta, falta entender como ele será usado. Segundo Lapola, é como se as espécies vegetais tivessem ganhado na loteria e agora têm que decidir onde irão investir seus recursos extras.
“O que vamos analisar são as possibilidades de uso do carbono. Ele pode ir para as raízes, para que a absorção de nutrientes seja mais efetiva, ou para as folhas, para conseguir pegar mais luz, ou, a longo prazo, servir para um aumento no estoque de biomassa, fortalecendo o tronco”, exemplifica o pesquisador.
Para isso, o experimento utilizará a tecnologia FACE, sigla para Free-Air CO2 Enrichment (Enriquecimento de CO2 ao Ar Livre). Essa tecnologia, segundo contam os pesquisadores entrevistados pela National Geographic, já foi adotada em experimentos em florestas temperadas nos Estados Unidos e, atualmente, é empregada em pesquisas em Sydney, na Austrália e Birmingham, no Reino Unido.
“É a primeira vez que essa tecnologia é aplicada em uma floresta tropical, o que adiciona o desafio de analisar a resposta de uma enorme diversidade de espécies vegetais”, relata Lapola. “Mas que poderá prever de forma mais assertiva a real resposta às mudanças climáticas de uma floresta tão diversa quanto a amazônica.”
Localizado há 80 quilômetros de Manaus, em um sítio experimental do INPA direcionado exclusivamente para pesquisas científicas, o estudo contará com seis “anéis” de 30 metros de diâmetro cercados, cada um, por 16 torres de até 35m de altura dispostas de forma circular e ligadas a um tanque de armazenamento de CO2 líquido.
“Três dessas parcelas estarão recebendo o ar enriquecido com carbono, enquanto as outras três servirão como controle, recebendo apenas o CO2 atmosférico ambiental. Assim podemos saber exatamente quais mudanças estão acontecendo”, explica Garcia.
O experimento encontra-se em fase inicial de construção da estrutura necessária. As seis parcelas do AmazonFACE devem entrar em operação até 2024 e serão estudadas ao longo de 10 anos.
Como prever o futuro da Amazônia?
Em conjunto com a coleta de dados em campo, em que os pesquisadores analisarão o comportamento de mais de 400 espécies vegetais dentro dos anéis do AmazonFACE, o experimento também usará um modelo ecossistêmico pensado especificamente para a floresta tropical.
O modelo, que é um conjunto de algoritmos que fazem previsões sobre a interação entre os organismos e o meio-ambiente, foi chamado de Caetê, sigla para Carbon and Ecosystem Functional Trait Evaluation Model (Modelo de avaliação de características funcionais de carbono e ecossistema, em tradução livre).
“Apenas o experimento em si seria muito restrito para abordar o futuro de toda a Bacia Amazônica”, afirma Lapola. “Não só por ser um território com uma biodiversidade muito grande, mas também pela questão do tempo. O experimento durará no máximo 10 anos, o que não tem muita significância do ponto de vista ecológico quando existem árvores de 200, 400 anos sendo estudadas.”
O modelo ecossistêmico será alimentado com dados de condições ambientais, como chuva, incidência solar e níveis de CO2. Com essas informações, o algoritmo responde, por exemplo, qual poderá ser a taxa de fotossíntese naquelas condições e a quantidade de carbono que a floresta pode armazenar. “Também vamos simular como o aumento de CO2 afeta a transpiração das plantas, o que está diretamente ligado com o ciclo de chuvas da floresta”, comenta o pesquisador da Unicamp.
Com isso, o experimento ainda pode refutar a hipótese de que a crise climática levará a transformação da floresta amazônica em uma savana, segundo previsões do IPCC e de outros estudos científicos. “A enorme diversidade de espécies e estratégias de adaptação na Amazônia deixa incertezas sobre o futuro. A floresta vai mudar? Não vai? Ainda temos muito mais perguntas do que respostas”, afirma Sabrina Garcia.
De acordo com Lapola, o dado sobre a transpiração, por exemplo, pode indicar quais espécies são mais resistentes a um clima mais seco. “Se há mais CO2, a planta acaba transpirando menos, o que gera menos chuva. Isso pode levar a uma seleção de espécies mais adaptadas a um clima seco, o que significa mais resiliência da floresta às mudanças climáticas”, diz.
Mesmo que as hipóteses dos pesquisadores se confirmem, Lapola diz que os cenários possíveis não significam exatamente uma boa notícia. Mas podem indicar um panorama mais fidedigno do que realmente a crise climática causará à floresta amazônica.
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