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Amazonas

PL de Wilson Lima pode afastar concurso por até 8 anos e achatar salários de temporários

A decisão está nas mãos dos deputados. Projeto dá aos dirigentes de órgãos públicos o poder de escolher quem contratar sem concurso e de demitir a qualquer momento.

O governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC) enviou à Assembleia Legislativa do Estado (ALE) uma proposta para contratação de milhares de funcionários sem concurso público e por até oito anos, período em que o Estado não será obrigado a realizar concursos. De acordo com o Projeto de Lei 717/2019, as contratações para as áreas de saúde e educação serão decididas pelos dirigentes de órgãos públicos mediante um simples termo assinado pelo contratado e pelo contratante.

A proposta do governador altera a Lei 2.607/2000, que trata da contratação de pessoal por tempo determinado no serviço público. Inclui a contratação para atender “continuidade” de serviços essenciais na saúde e na educação e para atender a determinações judiciais, por até 4 anos, prorrogados por igual período. Pelo projeto, serão transferidos todos os atuais terceirizados da área de saúde para o regime de contratação temporária.

Além de dar aos dirigentes o poder de escolher quem contratar sem concurso, a proposta do governador também dá aos dirigentes de órgãos públicos o poder de rescindirem os contratos a qualquer momento, por “razões de interesse público”.

A decisão está nas mãos dos 24 deputados estaduais.

O Artigo 37 da Constituição de 1988 veda a contratação de pessoas para o exercício de função pública de natureza permanente e habitual para executar atribuições inerentes e típicas às correspondentes ao exercício de cargo público integrante do quadro efetivo de pessoal. A obrigatoriedade do concurso público visa resguardar a isonomia, a moralidade e a probidade administrativa, bem como o interesse público decorrente da contratação de candidatos aptos a melhor prestação do serviço público, coibindo o uso do empreguismo e do apadrinhamento político.

Já há setores preocupados com as contratação temporárias na administração pública temendo um retrocesso social com a consequente ameaça aos direitos trabalhistas conquistados ao longo do aperfeiçoamento do atual Estado Democrático de Direito que se fundamentou na valorização do trabalho. Muitas vezes, oEstado acaba alegando que não tem recursos para realização de concurso público e contrata os chamados ‘DT’s’ (designação temporária), já que são “mão de obra mais fácil e barata”.

A proposta do governador também permite à Universidade do Estado (UEA) fazer contratações temporárias, autorizadas diretamente pelo reitor.

De acordo com a proposta, os contratados, independente da formação ou experiência, terão salários correspondentes à classe singular ou inicial do cargo cujas funções sejam idênticas ou assemelhadas às desempenhadas por efeito do contrato, assegurando-se os valores praticados no mercado privado de trabalho – cujos valores são menores do que os do Estado – não podendo ser menor que o salário mínimo.

A proposta diz, ainda: “não existindo cargo de funções idênticas ou assemelhadas às do contratado, a retribuição pecuniária observará os menores valores praticados no mercado de trabalho e será previamente aprovada pelo governador”.

O último artigo da proposta do governador revoga o Artigo 62 da Lei Delegada 123, de 31 de outubro de 2019, que diz: o Servidor Público ocupante de cargo de provimento efetivo, de função pública e empregados públicos nomeado ou designado para o exercício de Cargo de Provimento em Comissão, poderá optar: I – pelo vencimento do cargo de provimento em comissão; ou II – pela remuneração de seu cargo efetivo ou função pública acrescida de 50% da representação ou Gratificação de Atividade Técnico-Administrativa (GATA) do Cargo de Provimento em Comissão.

Argumento

Wilson Lima, após 11 meses de governo, argumenta, na mensagem, que recebeu “inúmeros problemas de ordem administrativa” e que a finalidade é reorganizar a saúde”. Faz críticas à terceirização de mão de obra ao mesmo tempo em que diz que será necessário criar um modelo “em que serão constituídas Organizações Sociais de Saúde”, instituições do setor privado que vão contratar os profissionais, “sem fins lucrativos”, para atuar nas unidades.

O governador se contradiz ao dizer que, ao longo do período – não diz qual – serão promovidos concursos públicos, “sem deixar de considerar o fato de que a terceirização será bastante reduzida, mas não haverá de ser totalmente eliminada”, porque haverá situações e seguimentos que certamente serão melhor atendidos pelo modelo da terceirização”.

“Má fé”

Há sete anos, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a contratação sem concurso pode justificar condenação por improbidade, desde que demonstrada má-fé do agente que praticou o ato administrativo suficiente para configurar o dolo, ao menos genérico. A turma analisou recurso interposto por um ex-prefeito de município paulista contra decisão do Tribunal de Justiça local, que impôs condenação por improbidade.

A contratação foi feita para atender necessidades na área de enfermagem, odontologia e advocacia. A ação civil foi ajuizada pelo Ministério Público estadual, com a alegação de que a prática feriu os princípios da isonomia e da legalidade, previstos no artigo 37 da Constituição Federal. O réu sustentou que não houve dolo, dano ao erário ou vantagem ilícita auferida por ele, de forma a justificar uma condenação.

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) concluiu que houve má-fé na atuação do ex-prefeito. O órgão entendeu que foi feita contratação de pessoas para exercer funções típicas de cargo cujo provimento exigia prévia aprovação em concurso, inconfundíveis com as de direção, chefia e assessoramento. As funções desempenhadas pelos profissionais contratados, segundo o TJSP, são permanentes e fundamentais ao estado, e não podem ser desenvolvidas de forma transitória.

O Supremo Tribunal Federal (STF) entende que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da administração.

A Constituição obriga o concurso público para resguardar o cumprimento de princípios como os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência.


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