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Amazonas

Onças ficam até 4 meses em árvores nas cheias de rios na Amazônia, diz pesquisa

Viver na copa das árvores é um esforço considerável para a onça: saltar entre galhos, descer e subir troncos e, ainda, nadar de árvore em árvore .

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O biólogo Marcos Roberto de Brito é o autor principal de um artigo recém-publicado que investigou um comportamento único das onças da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, no médio Solimões, no Amazonas: durante as cheias dos rios, elas passam até quatro meses vivendo no topo das árvores, onde caçam, procriam e cuidam de seus filhotes.

Entre 2011 e 2020, pesquisadores do Instituto Mamirauá monitoraram 14 onças-pintadas (Panthera onca) da reserva que leva o mesmo nome, utilizando colares com GPS. Localizada entre os rios Solimões e Japurá, a reserva passa por cheias anuais que, dependendo das condições climáticas, podem elevar o nível dos rios em 10 metros, na média, inundando as florestas de várzea por aproximadamente quatro meses.

O biólogo e coautor da pesquisa, Guilherme Alvarenga, destaca o quão surpreendente é essa adaptação das onças. “Quando o rio começa a encher, animais que são suas presas, como a anta ou o porco-do-mato, simplesmente saem da várzea e vão para terra firme. Era de se supor que as onças iriam atrás deles, não?”, questiona o pesquisador. “Mas, na Reserva Mamirauá, não há essa opção, porque a área inteira é cercada por dois grandes rios. É uma cheia absurda, que chega a 16 metros em alguns pontos.”

Viver na copa das árvores é um esforço considerável para a onça: saltar entre galhos, descer e subir troncos e, ainda, nadar de árvore em árvore é trabalhoso e exaustivo, especialmente em uma época com menor disponibilidade de presas. Por isso, os pesquisadores inicialmente apontavam que a área de vida das onças – um animal territorialista – diminuiria durante a cheia. Em outras palavras, ao reduzir seus deslocamentos, esperava-se que o território ocupado pelos felinos fosse menor. Mas a realidade mostrou o contrário.

“A minha impressão é que, para uma onça, é tão custoso criar, defender uma área de vida, que ela se esforça duramente para mantê-la, seja na seca ou na cheia”, explica Guilherme.

Ao monitorá-las por até 538 dias consecutivos, estimou-se que os seus territórios variam de tamanho entre 50 e 373.6 km², de indivíduo para indivíduo. Porém, a sazonalidade não se mostrou um fator de variação relevante. Inclusive, para algumas onças monitoradas, sua área de vida até chegou a se expandir durante as cheias.

Mas, se não há presas em terra nesse período, resta ainda a pergunta: o que elas comem? Brito conta que teve a sorte de observar onças dormindo durante o dia, nas árvores, para poupar energia, e até mesmo uma capturando um bugio, que pulava entre os galhos. “A reserva tem muitos macacos, muitas preguiças. Nossa hipótese é que a onça passa a ficar de tocaia, aguardando alguma presa para capturá-la, em vez de caçá-las ativamente, justamente como modo de conter esforços.”

Natural do Rio Grande do Norte, Brito chegou a Mamirauá em 2019, quando a pesquisa já estava em andamento. Até então, ele nunca havia trabalhado com grandes felinos, tendo dedicado seu mestrado ao estudo de algo bem menor: comunidades de borboletas.

Sua trajetória mudou em 2017, quando se mudou para Manaus com uma amiga bióloga. “A Amazônia é um ímã”, conta. Apaixonado pela floresta, buscou por quaisquer oportunidades na região, até conseguir trabalhar com onças.

Inicialmente, seria responsável apenas por tratar e analisar os dados coletados, sob supervisão de Guilherme. No entanto, logo surgiu a necessidade de envolvê-lo também nas expedições de campo para capturar e equipar os maiores felinos das Américas.

“Tudo na Amazônia é difícil, caro, distante e sem comunicação. Vamos a campo, usamos uma base flutuante e ficamos lá por 30 dias”, detalha Brito. “Espalhamos armadilhas pela floresta, colocando um transmissor de rádio em cada uma, mas é preciso checar constantemente para evitar que o animal fique preso por muito tempo.”

Quando uma armadilha prende a pata do animal, é preciso avançar com cuidado, geralmente tarde da noite. Um dardo tranquilizante é disparado à distância. Na primeira experiência com uma onça, Brito e dois colegas novatos observaram de longe enquanto Guilherme, mais experiente, e a veterinária Louise Maranhão mediam e pesavam o animal. No escuro, ouvia-se apenas os urros da fera. A tensão era palpável, até que os veteranos retornaram, convidando os recém-contratados para vê-la.

“Ele estava lá, minha primeira onça, o Xangô”, relembra Brito. “Pesava cerca de 60 quilos. As onças de Mamirauá são menores que as de outras regiões, o que facilita subir nas árvores. Mas, ainda assim, são animais muito musculosos e fortes. E lá estava ele, dormindo. Sensacional!”

Cada campanha envolve cerca de cinco profissionais, incluindo pesquisadores, uma veterinária e assistentes. Um cozinheiro também é contratado, permanecendo no flutuante. Um colar com GPS custa aproximadamente 2.500 dólares. Além disso, cada expedição consome cerca de 50 mil reais, considerando equipe, suprimentos e materiais.


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