Amazonas
Novas espécies de peixes no Amazonas são descritas sob ameaça de extinção, mostra pesquisa científica
Cientistas brasileiros identificaram animais de afluente do rio Madeira; região sofre com desmatamento.
A lista de espécies de peixes do Brasil acaba de ser atualizada. Um artigo publicado nesta segunda-feira (16) na revista científica especializada Zoological Journal of the Linnean Society com a descrição de duas novas espécies de peixes da Amazônia brasileira traz os dados sobre a biologia, morfologia e área de distribuição dos animais. Mas, se depender do ritmo acelerado de desmatamento amazônico, os novos membros podem estar com os dias contados.
Isso porque as espécies conhecidas como Poecilocharax callipterus e Poecilocharax rhizophilus, foram encontradas por uma equipe de cientistas brasileiros em apenas dois locais no rio Juma, um afluente do rio Madeira, no estado do Amazonas, entre os municípios de Apuí (a 455 km de Manaus) e Novo Arapuanã (a 227 km da capital amazonense).
Por serem animais diminutos —o maior deles, P. callipterus, tem 3cm de comprimento, e o P. rhizophilus, considerado uma espécie-anã, tem 2 cm de comprimento— o impacto ambiental causado pelos incêndios florestais e pela transformação da floresta amazônica em pastagem pode colocar em risco de extinção os peixinhos.
A pesquisa, liderada pelos cientistas brasileiros Willian Ohara, da Universidade Federal de Rondônia, Murilo Pastana, pós-doutorando do Museu Smithsonian de História Natural, em Washington, DC (EUA) e Priscila Camelier, professora da Universidade Federal da Bahia, em Salvador, é uma grande contribuição para o conhecimento da fauna tropical de peixes mundial.
Tudo começou em 2015, com uma expedição entre a equipe do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo, onde Pastana fazia sua pesquisa de doutorado, e da Universidade Federal de Rondônia, com o objetivo de mapear áreas ainda não exploradas do rio Madeira, o segundo maior rio da bacia do Amazonas e possuidor da maior biodiversidade de peixes já conhecida em todo o mundo.
Na primeira viagem, os cientistas encontraram, fotografaram e coletaram os dois bichos em dois locais distintos. A espécie maior, P. callipterus, caracterizada por uma coloração única que a diferencia das demais para o gênero foi encontrada em uma área do riacho Canadá, no rio Juma. O animal vive em águas escuras, com alta concentração de folhas em decomposição —por isso a coloração negra.
Já P. rhizophilus foi coletado em dois locais, na cachoeira Paredão, também no rio Juma, mas vivendo próximo a árvores com raízes aquáticas (igarapés), daí o seu nome (“rizo”, do grego, raiz, e “philos”, gostar de). O animal é tão pequeno que consegue inclusive se esconder nos buracos entre as raízes, explica Ohara.
Segundo o ictiólogo (especialista em peixes), é provável que ainda haja outras espécies a serem descobertas na região, uma vez que para esses animais, quedas, cachoeiras e outras barreiras geográficas podem levar à especiação. “Provavelmente a presença dessas espécies lá esteja relacionada a essa cachoeira, e podem ter outras ainda sem serem descobertas”, disse.
Porém, a velocidade com que os cientistas conseguem estudar e descrever uma espécie nova é sempre infinitamente menor do que a velocidade com que avança o desmatamento, afirma Ohara. “O sul do Amazonas, norte de Mato Grosso e Rondônia sempre fizeram parte do chamado arco do desmatamento, mas essa região do Apuí, infelizmente, nos últimos anos viu crescer o desmatamento principalmente pela especulação [de terra] e por causa do escoamento da carne de boi”, disse.
Isso pôde ser visto até no curto intervalo de cerca de um ano até a segunda expedição, em 2016, quando os pesquisadores procuraram, mas não encontraram mais indivíduos da espécie P. callipterus em outros locais ao longo do rio Juma, apenas na área delimitada de aproximadamente 4 km² onde foi visto pela primeira vez.
Segundo os autores, o forte impacto ambiental na região à época e, agora, mais intensificado devido aos incêndios recentes na região, fez com que a classificação apresentada no artigo fosse de “criticamente ameaçado” para P. callipterus, e “altamente ameaçada”, para P. rhizophilus.
Outro problema que os dois peixinhos enfrentam é o aquariofilismo. Por serem considerados ornamentais, devido a sua coloração chamativa e serem muito visados pelos colecionadores dos peixes “flechas” (darters, em inglês) sul-americanos, é provável que a comercialização dos animais os coloque em ainda maior risco de extinção.
Para Pastana, falta no país uma cultura de valorização do acervo científico e biológico, como é observado em outros locais do mundo. “Essas são as duas primeiras espécies do grupo descritas em 57 anos. Perder qualquer uma delas devido ao desmatamento seria como perder uma obra de arte em um museu, é parte de um acervo que não volta mais”, diz.
Uma das formas de conseguir aumentar a popularidade de pesquisas como essa é criar um espaço que chame a atenção no meio digital, onde está toda e qualquer interação humana hoje.
Por causa disso, Pastana e outros colegas do Museu de Zoologia da USP criaram a página do Instagram “Peixe ao Quadrado” (@peixe.aoquadrado), onde divulgam novas espécies de peixes descobertas em formato pixelado. “É uma forma que lembra um videogame, e acaba atraindo a atenção de pessoas mais jovens, que gostam desse universo geek”, disse, afirmando esperar que isso possa ajudar a criar uma cultura de valorização da biodiversidade no país.
A informação é do jornal Folha de São Paulo.
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