Amazonas
MPF visita Terra Indígena Pirahã no Amazonas para avaliar a situação dos indígenas de recente contato
Órgão analisou a efetividade das políticas públicas de saúde e segurança alimentar e a situação da integridade do território.

O Ministério Público Federal (MPF) realizou uma inspeção técnica na região do Alto Maici, em Humaitá, sul do Amazonas, para verificar a situação dos indígenas da etnia Pirahã, considerados de recente contato. Desde meados de 2023, o órgão acompanha de perto e adota medidas sobre a situação dos Pirahã, diante da incidência de uma grave crise humanitária que tem afetado a saúde e a segurança alimentar da comunidade. A visita foi conduzida pelo procurador da República Daniel Luís Dalberto, responsável pelo Ofício de Povos Indígenas em Isolamento Voluntário e de Recente Contato e coordenador do Grupo de Trabalho Comunidades Tradicionais da Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais (6CCR).
A iniciativa está relacionada a procedimento administrativo aberto pelo MPF em 2023 para investigar as causas da situação de crise humanitária e de assistência insuficiente prestada aos Pirahã pelo estado brasileiro, em especial pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e pelo Ministério da Saúde, por meio do Distrito de Saúde Especial Indígena (Dsei). Durante a apuração, foi relatado ao órgão indícios de má gestão e possível desvio de recursos dos cartões de benefícios sociais dos indígenas, além de suspeitas de conivência com atividades ilícitas e interesses de terceiros sobre o território Pirahã, como exploração ilegal de madeira, caça ilegal e comércio irregular e sem transparência de produtos extraídos pelos Pirahã, como castanha, copaíba e mel.
Diante desse cenário, em 2024, o MPF solicitou à Funai a transferência da responsabilidade pelo atendimento aos Pirahã da Coordenação Regional Madeira para a Frente de Proteção Etnoambiental (FPE) Madeira-Purus, especializada no atendimento a povos indígenas de recente contato. Isso porque a comunidade mantém em larga medida seu modo de vida tradicional e apresenta baixa incorporação dos aspectos civilizatórios da sociedade ocidental, o que exige uma política indigenista específica. O pedido foi acatado pela instituição.
Assistência – Na visita à terra indígena, o procurador da República Daniel Luis Dalberto avaliou que as medidas adotadas pela Funai, pelo MPI e pelo Dsei a partir de 2023 têm minimizado a gravidade da situação. Houve implementação de roças, de casas de farinha e fornecimento de cestas básicas, mas até o momento as medidas ainda não foram eficazes para garantir a devida assistência aos Pirahã. O MPF tem constatado que a barreira linguística e a influência de terceiros na gestão de questões indígenas comprometem a autonomia do povo Pirahã. Outro ponto crítico apontado pelo MPF foi a alta incidência de malária no território, agravada pela ausência de infraestrutura básica para atendimento à saúde de modo adequado e pelo difícil acesso a tratamentos eficazes.
Além disso, o fornecimento de cestas básicas aos indígenas, embora reconhecido como uma ação emergencial necessária, não atende às necessidades culturais e nutricionais dos Pirahã. “[As cestas] estão, em boa parte, inadequadas à cultura Pirahã. São fornecidos alimentos que eles não consomem ou que são inadequados à sua dieta tradicional, que acabam gerando problemas de saúde que serão de difícil tratamento naquelas condições”, ressaltou Dalberto.
Singularidades – Há quase 20 anos, organizações indígenas e de apoio têm denunciado a falta de assistência adequada à saúde dos Pirahã. Segundo dados reunidos pelo Mapa de Conflitos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), doenças como desnutrição, desidratação, malária, tuberculose e complicações decorrentes do parto foram as principais ameaças à sobrevivência desse povo, entre 2007 e 2008. Em 2023, uma visita de servidores do Ministério dos Povos Indígenas à terra indígena Pirahã constatou a existência de um quadro grave de desnutrição e fome na comunidade.
Conhecidos por sua resiliência cultural, os Pirahã mantêm um estilo de vida seminômade que resiste à influência externa há séculos. A língua falada por eles é única e não possui relação com nenhum outro idioma vivo, caracterizando-se pela ausência de conceitos numéricos, tempos verbais no passado e futuro, e palavras para cores. Segundo Dalberto, as características culturais Pirahã consolidam seu direito à autodeterminação e expressam a riqueza e singularidade de sua cultura, cabendo ao Estado brasileiro a adoção de metodologia indigenista específica para a salvaguarda do direitos desse povo. “A autossuficiência dos Pirahã tem sido impactada ao longo do tempo pela ação de terceiros e do próprio estado, ainda que por omissão, como com a construção da transamazônica que cortou seus territórios e trouxe uma série de problemas aos Pirahã”, explica o procurador.
“É um processo gradativo e necessário, que requer uma série de atos adequados, planejamento e continuidade, de responsabilidade de vários órgãos para fazer o enfrentamento à crise, sendo que alguns já estão em andamento. Há muito ainda a se fazer e a se construir, compreendendo melhor e acompanhando de perto a realidade dos Pirahã para lhes devolver a autossuficiência que foi indevidamente retirada e para que seja efetivamente respeito seu direito de viver segundo suas escolhas e sua cosmologia”, completou Dalberto.
O MPF esclarece que as áreas habitadas pelos povos em isolamento precisam ser protegidas porque a presença de invasores no local pode representar grave ameaça à vida e à própria existência desses grupos, dadas suas vulnerabilidades frente à nossa sociedade, principalmente sob o aspecto epidemiológico (doenças) e segurança alimentar.
Atuação – Desde 2023, o MPF atua em defesa dos direitos e prerrogativas do povo Pirahã. Nesse sentido, o órgão também emitiu recomendação ao Serviço Florestal Brasileiro (SFB) solicitando a suspensão imediata da concessão florestal das Unidades de Manejo Florestal (UMFs) II e III da Floresta Nacional de Humaitá. O pedido baseou-se em possíveis impactos negativos para comunidades indígenas e em áreas de uso tradicional dos Pirahã e na falta de consulta livre, prévia e informada, conforme previsto na Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Por suas características culturais, o povo Pirahã não reconhece demarcações territoriais rígidas, mas o MPF esclareceu que há registros de uso tradicional da área onde a concessão florestal foi realizada. Segundo o procurador da República Daniel Luís Dalberto, que assinou o documento em conjunto com o procurador da República Eduardo Jesus Sanches, a recomendação, encaminhada em fevereiro de 2024, foi acatada inteiramente pelo Serviço Florestal Brasileiro.
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