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Amazonas

MPF vai à Justiça para obrigar União e Funai a analisarem demanda territorial dos indígenas Kaixana no Amazonas

Segundo o órgão, terra tem sido alvo de invasões de pessoas não indígenas, inclusive de agente político do município de Tonantins

O Ministério Público Federal (MPF) apresentou à Justiça ação civil pública para que a União e a Fundação Nacional do Índio (Funai) tomem as medidas administrativas necessárias para identificar e delimitar a terra indígena Jerusalém do Urutuba, habitada pelo povo Kaixana. Localizada no município de Tonantins (a 865 quilômetros de Manaus), a terra indígena tem sido alvo de invasões de pessoas não indígenas, inclusive de agente político do município, que, segundo denúncia dos indígenas, solta seu rebanho bovino em áreas próximas à comunidade, que eram utilizadas pelos Kaixana para agricultura.
Na ação, o MPF requer que a Funai seja obrigada a publicar portaria de constituição de um Grupo de Trabalho (GT) para elaborar Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação referente aos indígenas em questão e apresente o plano de trabalho, bem como documentos que comprovem a realização das etapas do plano. O MPF requer ainda que a Funai elabore, finalize e avalie o relatório, que deverá ser custeado pela União, além de indeferir todos os requerimentos de intervenção de terceiros.
O MPF aponta que, conforme apurado por um período de, pelo menos, sete anos, mesmo diante da reivindicação fundiária dos Kaixanas, do fato de a área de Jerusalém do Urutuba ter registros na Funai desde 2006, bem como a autarquia ter conhecimento dos constantes conflitos entre indígenas e não indígenas na área, o processo administrativo de reivindicação permaneceu na estaca zero, relegando o povo a uma situação de extrema vulnerabilidade territorial e ambiental. “A omissão estatal vem ocasionando diversos danos ao povo Kaixana e provocando insegurança jurídica generalizada na região”, destaca o MPF em trecho da ação.
Em 2013, os indígenas entregaram ao MPF documentos solicitando providências em relação ao conflito, os quais indicam que há registro, pelo menos desde 2006, das reivindicações fundiárias do povo indígena perante a Funai. Na época, a fundação informou que os documentos tinham sido enviados para a Coordenação Geral de Identificação e Delimitação (CGID), em Brasília, para que fossem tomadas as providências cabíveis.
No ano seguinte, a Diretoria de Proteção Territorial (DPT) informou que a reivindicação fundiária do povo Kaixana encontrava-se em qualificação, etapa em que a Funai fica disponível para receber documentos e informações preliminares de natureza etno-histórica, ambiental, sociológica, fundiária e cartográfica, que serão analisados e sistematizados pelo setor competente com o objetivo de motivar, oportunamente, a constituição de Grupo Técnico multidisciplinar, responsável por realizar os estudos necessários à demarcação das áreas com base na legislação vigente.
A priorização dos procedimentos de identificação e delimitação é pautada por alguns critérios, dentre eles, situação de vulnerabilidade social do grupo indígena. Segundo o MPF, embora a Funai já tivesse conhecimento da existência do conflito entre indígenas e não indígenas em Jerusalém do Urutuba, a área não tinha nenhuma priorização para realização de trabalhos e estudos fundiários específicos até 2014.
Nos anos seguintes, o MPF e a Funai apuraram denúncias dos indígenas contra um agente político do município de Tonantins. Após diligências realizadas no local, a Funai constatou que muitos bois e búfalos pastavam dentro das áreas pertencentes à comunidade dos Kaixana. Segundo depoimentos colhidos na ocasião, os indígenas estavam sendo impedidos de plantar e, quando conseguiam, também eram impedidos de realizar a colheita de suas roças. Por conta desses impedimentos e devido à comunidade depender tradicionalmente da produção familiar agrícola de subsistência, a comunidade relatou períodos de escassez de alimentos.
Já em 2019, o MPF solicitou novamente que a Funai prestasse informações atualizadas sobre a área indígena e as invasões, tendo em vista que o inquérito instaurado veiculava informações de, pelo menos, dois anos atrás. Em resposta, a autarquia informou que não seria possível responder a requisição em tempo razoável, alegando que os gastos para o deslocamento de servidores não poderiam ser pagos, pois os recursos da fundação não estavam disponíveis devido ao fato de 90% do orçamento nacional estar contingenciado e ainda sem previsão de descontingenciamento para execução de atividades de campo.
O MPF lembrou que a Constituição garante aos povos indígenas direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam e que, internacionalmente, o Brasil reconheceu jurisprudência firmada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) sobre o “direito à propriedade comunal dos povos indígenas, superando a visão convencional civilista de propriedade individual, para incorporar o caráter coletivo e tradicional do uso de território e seus recursos naturais pelos povos indígenas”.
Segundo o MPF, no caso dos Kaixana de Jerusalém do Urutuba, a omissão dos órgãos estatais em dar início ao processo administrativo de demarcação viola o direito constitucional à terra, contraria a Convenção Americana de Direitos Humanos (Cadh) e a jurisprudência da Corte IDH, sujeitando o Estado brasileiro à responsabilização internacional, e contribui para o agravamento e tensionamento dos conflitos na região.
A ação tramita na Vara Única da Subseção Judiciária de Tabatinga sob o número 1000154-35.2020.4.01.3201.

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