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Amazonas

MPF: governo do Amazonas não fornece merenda escolar adequada aos indígenas e população tradicional

A Seduc ainda não atendeu a recomendação do MPF emitida em março; lei federal prevê que no mínimo 30% dos alimentos destinados à merenda sejam adquiridos de agricultores familiares.

Alimentos cultivados por agricultura familiar. (Foto:Reprodução)

No prazo de dez dias, a Secretaria de Educação do Estado do Amazonas (Seduc) deverá encaminhar informações ao Ministério Público Federal (MPF) sobre o lançamento de chamada pública diferenciada para aquisição de itens da merenda escolar que contemple os povos tradicionais – indígenas, ribeirinhos, extrativistas, quilombolas, com o objetivo de garantir o respeito à alimentação culturalmente adequada nas escolas indígenas e tradicionais em geral.

A medida foi recomendada pelo MPF em março deste ano e reforçada em ofício à Seduc e à Casa Civil, encaminhado nesta quinta-feira (28). O prazo de resposta passa a contar a partir do recebimento do documento pela Seduc.

No mínimo trinta por cento dos alimentos adquiridos para a merenda escolar com os recursos repassados pelo Fundo Nacional do Desenvolvimento da Educação (FNDE) devem ser provenientes da agricultura familiar, conforme a Lei n. 11.947, de 2009, sobre o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Os alimentos também devem ser adequados à cultura destes povos, e não enlatados e processados em geral, como ocorre ainda hoje em grande parte das escolas indígenas e dos povos tradicionais.

O MPF acompanha a questão por meio de procedimento e em reuniões realizadas no âmbito da Comissão de Alimentos Tradicionais dos Povos no Amazonas (Catrapoa). De acordo com o MPF, diversas tratativas têm sido dialogadas com o poder Executivo estadual em encontros da comissão, mas sem resultados concretos.

“Além de uma política pública que contribui com segurança alimentar, o PNAE deve ser entendido como uma política pública de inclusão social, que tem largos reflexos, quando bem executada, sobre a agricultura familiar, constituindo mercado seguro no qual os agricultores familiares podem comercializar sua produção, o que gera renda e qualidade de vida ao produtor rural, no caso específico aos indígenas, quilombolas e ribeirinhos/ extrativistas”, destaca o MPF no ofício.

A Catrapoa se reúne periodicamente desde 2016 com órgãos municipais, estaduais, federais, sociedade civil, lideranças e movimento indígena e de comunidades tradicionais para debate de medidas e implementação de políticas públicas que garantam a efetiva aplicação da Lei n. 11.947/2009, entre outras, e uma alimentação escolar tradicionalmente adequada a estes povos.

Falta de avanços em grupo interno – Na recomendação emitida em março, o MPF indicou a necessidade de criação de um mecanismo, como um comitê gestor, para tratar sobre as lacunas e observações apontadas pelos membros da Catrapoa para acompanhar todo o processo da chamada pública e garantir a maior participação de povos e comunidades tradicionais, nos termos da Convenção nº 169 da OIT. Dessa orientação, foi originado o grupo de apoio à Seduc.

Entretanto, nas quatro reuniões realizadas até o momento, foram constatadas ausência de objetividade, de atenção devida ao tema, de acolhimento às dificuldades apresentadas pelas lideranças e sociedade civil e deficiências técnicas no âmbito da Secretaria que impediram o lançamento da chamada pública e o efetivo cumprimento da recomendação.

“São notáveis avanços que ocorreram no âmbito da Catrapoa, especialmente no lançamento de chamadas públicas municipais, permitindo que povos indígenas e comunidades tradicionais acessem o PNAE. No entanto, ainda não se vislumbra legítimo engajamento e comprometimento por parte da Seduc, como mencionado, para sanar ajustes e adequações no edital público específico para oportunizar e facilitar acesso por parte de povos indígenas e comunidades tradicionais”, reforça o MPF em trecho do ofício

Ausência de engajamento – Durante reunião realizada em junho com o MPF, a Seduc se comprometeu a articular agenda com órgãos, entidades diversas e secretarias estaduais para fomento ao processo de formação e sensibilização dos gestores estaduais dos municípios e dos agricultores familiares indígenas e de comunidades tradicionais, com o intuito de esclarecer a forma como esses povos podem acessar a chamada pública, vender sua produção para a alimentação escolar própria, além dos documentos necessários, elaboração de projetos de venda, formas de entrega e emissão de nota fiscal para recebimento. Até o momento, a Secretaria não informou ao MPF quanto a essas providências.

No ofício, o MPF também ressalta que os obstáculos impostos pela Seduc desestimulam povos indígenas e comunidades tradicionais a participarem das chamadas públicas enquanto fornecedores de alimentos. “Vale considerar ainda que a alimentação fornecida nas escolas públicas muitas vezes se apresenta como a principal – senão única – refeição de parcela dos estudantes e que muitas famílias, inclusive as indígenas e de comunidades tradicionais, contam com isso para a nutrição mínima diária de suas crianças e adolescentes”, acrescenta o MPF.

Segundo o órgão ministerial, a compra da produção dos povos indígenas e tradicionais para as escolas é “algo bastante direto e simples”, que além de garantir o cumprimento da legislação, gera renda nas comunidades, movimenta a economia local nos municípios e reduz custos logísticos do estado do Amazonas.

O MPF também questionou a Seduc e pediu explicações e data para o pagamento dos agricultores familiares indígenas que forneceram alimentos à Secretaria na chamada pública passada (de 2019), que ainda não haviam recebido os valores devidos mesmo após a entrega e confirmação dos alimentos há muito tempo.

“Causa estranhamento haver discurso constante nas mídias sobre a importância destinada pelo atual governo do estado do Amazonas ao interior do estado, ao estímulo à geração de renda sustentável entre os comunitários, ribeirinhos, pescadores, indígenas, enfim e, ao mesmo tempo, haver pouco ou quase nenhum engajamento da Seduc/AM e demais órgãos do mesmo governo para possibilitar o uso do recurso público federal (ou mesmo estadual) (…) para cumprir de fato este compromisso anunciado, que nada mais é do que dever legal do órgão”, assinala o MPF no documento encaminhado à Seduc e à Casa Civil.

O MPF, enfim, citou o exemplo positivo de diversos municípios amazonenses, como o município de Barreirinha/AM que, mesmo tendo porte pequeno e estrutura administrativa muito menor do que a Seduc, realizou chamada pública para os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos e extrativistas em 2022 contemplando mais de 70 agricultores familiares e já estando em fase de fornecimento às escolas indígenas e tradicionais, e de pagamento dos agricultores


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