Amazonas
MPF faz pacto de combate a trabalho escravo e crimes ambientais com frigoríficos no Amazonas
Desde 2009, um grupo de trabalho do Ministério Público tenta coibir o desflorestamento na Amazônia Legal ao bloquear a comercialização de gado de fazendas irregulares.
O Ministério Público Federal encerrou, na semana passada, a sequência de 10 Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) assinados com abatedouros instalados no Amazonas que comprometeram-se, publicamente, a não adquirir animais de fazendas que desmataram ilegalmente da floresta amazônica ou que façam parte da lista do trabalho escravo. O Nosso Frigorífico, instalado em Boca do Acre, sul do estado, foi o último dos dez maiores abatedouros do Amazonas a fechar um acordo com o MPF.
O abatedouro, situado na área conhecida por integrar o Arco do Desmatamento, os bois comem em pastos abertos no que já foi a Floresta Amazônica. Dentre os mais de 250 municípios que compõem essa região marcada por crimes ambientais, Boca do Acre chama a atenção por concentrar tanto 10% das áreas abertas de forma irregular no Estado quanto por ter o segundo maior rebanho amazonense.
Na cidade onde foram desmatados 200 quilômetros quadrados em 2021, há quase sete bois para cada habitante. São 35 mil pessoas e 235 mil cabeças de gado, ou quase 16% do total estadual, que soma 1,5 milhão de animais.
Esse retrato torna a recente assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) entre o Ministério Público Federal (MPF) e o Nosso Frigorífico, particularmente emblemático.
Desde 2009, um grupo de trabalho do Ministério Público tenta coibir o desflorestamento na Amazônia Legal ao bloquear a comercialização de gado de fazendas irregulares. Ao todo, mais de 100 plantas de abate, de nove Estados, assumiram compromisso com a iniciativa – de gigantes como JBS, Marfrig e Minerva até pequenas empresas regionais. O alvo são frigoríficos com registro federal e estadual, que, em tese, são os que abatem mais gado.
Histórico
Em 2014, a Amazona, então dona da planta que hoje pertence ao Nosso Frigorífico, chegou a assinar um acordo com o poder público. Porém, três anos depois, uma investigação do MPF descobriu que a empresa continuava comprando gado criado em áreas desmatadas. “E estamos falando de fornecedores diretos – ou seja, a fazenda responsável pelo último ciclo do boi”, disse Rafael Rocha, procurador da República no Amazonas, durante painel no evento “Diálogos pelo Clima”, organizado pelo programa Copaíbas. Depois de longo diálogo entre as partes, os donos do Nosso Frigorífico aceitaram firmar o novo acordo.
Rocha coordena o grupo de trabalho responsável pelo Carne Legal. Ele explica que, a cada seis meses, essas empresas devem enviar a lista de fornecedores atualizada, apontando produtores que tenham sido descredenciados por não atender as exigências do acordo. Caso descumpram a TAC, os frigoríficos arcarão com uma multa equivalente a 50 vezes o valor da arroba do boi por cabeça de gado comprada de fornecedores irregulares.
Segundo o procurador da República, o próximo passo é iniciar o processo de auditorias, que vai atestar se a indústria está realmente cumprindo o combinado. O trabalho está mais adiantado no Pará, onde o projeto começou há 13 anos.
De acordo com Rafael Rocha, ainda é difícil mensurar o impacto real da iniciativa. Mas, em 2017, a ONG internacional Union of Concerned Scientists estimou que o projeto ajudou a reduzir o desmatamento ilegal na Floresta Amazônica em 60%.
“Ainda não temos números fechados, mas é perceptível a quantidade de produtores que nos procuram para obter a regularização. Claro que fazemos exigências, como eles não poderem usar a área desmatada, porque senão parece que o crime compensa. Ele desmata e depois assina um acordo com o MP e volta para o mercado”, explica Rocha.
Portas a fechar
O procurador da República afirma, também, que essa é apenas uma das muitas portas que se precisa fechar para acabar com o desmatamento atrelado à pecuária. A cadeia produtiva é complexa e é difícil confirmar se um produtor que desmatou realmente vendeu a um frigorífico, já que a Guia de Trânsito Animal (GTA) é autodeclaratória e pode não ter todas as informações necessárias sobre o destino dos animais.
“Pode estar lá que o lote foi vendido a um frigorífico, mas a empresa pode ter recusado ao saber a procedência do lote, e isso não constar na GTA”, diz Rocha. Dada a complexidade, ele defende uma discussão ampla com os agentes da cadeia, de forma a agregar outros mecanismos para coibir o desmate para a criação de gado.
Karen Oliveira, diretora para políticas públicas e relações governamentais da The Nature Conservancy (TNC) no Brasil, também participou do evento e endossou o discurso de que é preciso uma abordagem em múltiplas frentes, desde pagamento por serviços ambientais e entrega de títulos de terra até ações ostensivas da polícia.
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