Amazonas
MP do Amazonas instaura procedimento criminal para apurar abusos contra mulher indígena em Santo Antônio do Içá
Investigação pode responsabilizar suspeitos de estupro praticado durante custódia.

O Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM) informou que instaurou, por determinação da procuradora-geral de Justiça (PGJ) Leda Mara Albuquerque, um procedimento investigatório criminal (PIC) para apurar os abusos sexuais sofridos por uma mulher indígena em uma unidade policial do município de Santo Antônio do Içá. A medida tem como objetivo identificar e responsabilizar criminalmente os suspeitos de cometer os crimes, que teriam ocorrido durante o período em que a vítima esteve sob custódia do Estado. O MPAM pediu que a indígena cumpra a pena fora do sistema prisional, com uso de tornozeleira eletrônica.
O PIC é um instrumento formal utilizado pelo Ministério Público para reunir provas e evidências que embasem uma futura denúncia criminal. Neste caso, a investigação está sob responsabilidade do Gabinete de Assuntos Jurídicos (GAJ) Criminal, coordenado pelo promotor de Justiça Reinaldo Alberto Nery de Lima. O Ministério Público pode, por meio do PIC, requisitar informações, documentos e depoimentos de pessoas envolvidas ou relacionadas ao caso, buscando esclarecer a dinâmica do crime e a autoria.
A utilização do instrumento tem como propósito proteger direitos individuais ou coletivos que tenham sido lesados pela prática do crime investigado, buscando garantir a reparação dos danos causados. A instauração do PIC, segundo o MPAM, se fez necessária porque não foi instaurada uma investigação no âmbito da Polícia Civil para apurar as denúncias, conforme sugerido pelo MPAM quando a vítima, já em Manaus, denunciou as agressões sofridas.
Simultaneamente à atuação criminal, o MPAM determinou o envio de uma equipe multidisciplinar ao município, com a finalidade de prestar atendimento psicossocial aos familiares da vítima. A ação será coordenada pelo Núcleo de Apoio às Vítimas e Vulneráveis (Naviv/Recomeçar), liderado pela promotora de Justiça Silvana Cavalcanti, e por membros designados pelo Centro de Apoio Operacional de Combate ao Crime Organizado (Cao-Crimo).
A equipe — formada por assistentes sociais, psicólogos e profissionais do direito — fará visitas à residência da vítima e de seus filhos, avaliando, inclusive, a necessidade de inclusão em programas sociais e outras políticas públicas de proteção. A medida atende à diretriz da procuradora-geral Leda Mara Albuquerque de oferecer assistência integral às vítimas de violência, com foco na dignidade e na recuperação emocional da mulher e de sua família.
Segundo o relato da vítima, os crimes teriam sido praticados ao longo de nove meses, dentro da unidade policial, por quatro policiais militares e um guarda municipal. Os abusos, descritos como estupros recorrentes e coletivos, ocorreram na presença do filho recém-nascido da vítima, de apenas 20 dias. Além disso, a mulher ficou presa em cela masculina, sem receber cuidados médicos ou psicológicos após o parto.
A procuradora-geral de Justiça, Leda Mara Albuquerque, ressaltou a gravidade do caso, destacando que a vítima foi violentada por agentes públicos que deveriam protegê-la. Para ela, o episódio reforça a urgência de debater e reestruturar o sistema prisional nas comarcas do interior. “Não podemos mais aceitar que mulheres sejam custodiadas em condições tão degradantes. A Lei de Execução Penal garante tratamento digno a todas as pessoas privadas de liberdade. O que essa mulher enfrentou é inaceitável — como promotora de Justiça, como mulher e como cidadã, não podemos silenciar”, afirmou a PGJ.
Antes da missão em Santo Antônio do Içá, uma comitiva do MPAM, coordenada pela PGJ, esteve na Cadeia Pública Feminina de Manaus, onde a vítima está atualmente custodiada. O objetivo da visita foi ouvir seu relato e prestar apoio institucional. Participaram da ação a ouvidora-geral do MPAM e ouvidora da Mulher, procuradora de Justiça Sílvia Abdala Tuma; a promotora de Justiça Silvana Cavalcanti, coordenadora do Naviv/Recomeçar; além de integrantes da equipe técnica do núcleo.
Funai
A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) cobrou o afastamento imediato dos policiais suspeitos de estuprar uma mulher indígena da etnia Kokama dentro de uma delegacia no interior do Amazonas. A vítima, de 29 anos, afirma ter sofrido os abusos durante nove meses, enquanto estava presa com o filho recém-nascido na unidade policial de Santo Antônio do Içá.
Diante da gravidade da denúncia, a Procuradoria Federal Especializada junto à Funai (PFE/Funai) acionou a Corregedoria-Geral do Sistema de Segurança Pública do Amazonas, por meio de ofício, solicitando o afastamento imediato dos agentes apontados pela vítima em declaração prestada à Defensoria Pública do Estado (DPE-AM).
A procuradoria também pediu acesso a eventuais procedimentos administrativos disciplinares já abertos ou que venham a ser instaurados contra os policiais mencionados, além de solicitar o acompanhamento dos processos judiciais em andamento. A Funai confirmou que a mulher tem advogado constituído no processo penal.
Em junho deste ano, representantes da Coordenação Regional da Funai em Manaus e da Coordenação-Geral de Promoção à Cidadania (CGPC) visitaram a indígena na unidade prisional para avaliar sua situação e a do filho, com o objetivo de ampliar a atuação institucional no caso.
O caso também foi encaminhado pela Funai ao Ministério das Mulheres, com pedido de medida protetiva para a indígena e articulação de ações preventivas, diante de relatos de que outras mulheres teriam sofrido abusos semelhantes na mesma delegacia.
Durante a Conferência Municipal das Mulheres, realizada nesta quarta-feira (23) em Manaus, a ministra das Mulheres, Márcia Lopes, repudiou o caso e classificou a situação como um reflexo da omissão do poder público.
“Isso significa falência do Estado, do órgão público que não tomou nenhum tipo de providência numa situação dessa. Eu imediatamente pedi para conversar com o Ministro da Justiça, Lewandowski, para entendermos o caso”, afirmou a ministra em entrevista ao g1.
Márcia Lopes disse ainda que pretende cobrar pessoalmente providências ao ministro Ricardo Lewandowski e ao governador do Amazonas, Wilson Lima, durante sua passagem pelo estado.
“Conversei com uma colega assistente social que me convidou para a Conferência Municipal das Mulheres e a gente lamenta ter que fazer uma conferência em um estado em que tem não só esses casos. Só hoje foram anunciados e denunciados tantos outros. O Amazonas aparece como o segundo estado maior em violência, então nós não podemos nos conformar com isso”, completou a ministra.
Indiciados
A Polícia Militar do Amazonas informou, em nota à imprensa, que quatro policiais “serão indiciados pelo crime de estupro, conforme as provas dos autos analisadas”, no âmbito do procedimento que apura estupros em série contra uma mulher indígena da etnia Kokama, ocorridos dentro de uma unidade prisional do Estado. Atualmente, os militares seguem em funções administrativas na corporação e tiveram as armas funcionais recolhidas.
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