Amazonas
Juíza federal condena União, Estado do Amazonas e Município de Manaus a indenizar familiares de vítima da falta de oxigênio
A União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus devem pagar, cada um, R$ 200 mil de indenização por danos morais cada uma das filhas. Cabe recurso à decisão.
A Justiça Federal condenou a União, o Estado do Amazonas e o Município de Manaus a pagarem R$ 200 mil de indenização por danos morais a cada uma das três filhas de uma vítima de Covid-19 em Manaus que morreu por falta de oxigênio, em janeiro do ano passado, em um total de R$ 600 mil. A informação foi dada pela advogada da família, Karina Câmara, neste terça-feira. Cabe recurso à decisão.
A autoras da ação, narraram que sua mãe, no início do mês de janeiro de 2021, começou a apresentar sintomas gripais, tendo sido levada para uma UPA no Bairro Campos Sales em Manaus para receber os primeiros atendimentos com suspeita de Covid-19, tendo recebido apenas analgésicos e encaminhada de volta para casa.
No dia 09/01/2021, a paciente começou a sentir forte falta de ar e foi levada com urgência para o SPA Eliameme R. Mady em Manaus/AM, onde foi constatada que sua saturação estava em 78% e sintomas como febre e tosse. Foi internada no local e, no fim da tarde do dia 10/01/2021, as filhas foram informadas de que necessitariam levar um regulador de oxigênio para sua mãe, pois ela necessitaria utilizar bala de oxigênio, o que foi providenciado, de modo que desde a noite do dia 10/01/2021 a paciente passou a fazer uso de oxigênio, mas ainda se encontrava em maca no corredor do SPA.
As filhas informaram que conseguiram vaga na enfermaria do SPA para sua mãe às 13h do dia 12/01/2021. No dia seguinte, 13/01/2021, a mulher permanecia estável, comunicativa e recebendo a medicação. Nesse dia, não houve repasse de Boletim Médico em razão de grande tumulto de pessoas que havia se formado no local por conta da falta de leitos para atendimento e internação, mas as autoras conseguiram informações sobre sua mãe por intermédio de uma enfermeira, que confirmou o quadro estável dela. Foi, ainda, pedido lençol para a cama.
No dia 14/01/2021, na hora do almoço, as autoras receberam ligação do SPA pedindo que levassem documentos da mãe, tendo se dirigido para o local de imediato. Lá chegando, buscaram informações sobre sua mãe e foram questionadas por uma enfermeira: “vocês são parentes da Sra. que faleceu hoje de manhã?”
As filhas informaram que ficaram desesperadas com essa indagação, pois não haviam sido comunicadas do ocorrido, sendo que, na véspera, sua mãe estava estável. A enfermeira, percebendo que filhas não sabiam do falecimento, encaminhou-as para uma sala, onde uma médica confirmou a morte da mãe e explicou que isso tinha ocorrido em virtude do oxigênio do SPA ter acabado às 9:20h. A paciente veio a óbito às 10:20h.
As autoras ainda questionaram a médica do motivo de não lhes terem pedido para providenciar o oxigênio para a mãe, ao que ela respondeu que elas não iriam conseguir porque o insumo tinha esgotado em toda a cidade de Manaus. Na Justiça, as filhas sustentaram que o óbito da sua mãe não ocorreu em razão da Covid-19, porque até a véspera o quadro estava estável, mas sim por asfixia em razão da falta de oxigênio, de modo que a perda da sua vida se deu por consequência única e direta da conduta omissiva dos réus.
Alegaram que os réus têm a obrigação de prestar os serviços necessários à assistência à saúde do cidadão, dentre eles o fornecimento regular para as unidades de saúde do oxigênio medicinal, o que não se desincumbiram de fazer em janeiro/2021, no auge da crise de saúde instalada no Estado do Amazonas por conta da segunda onde da pandemia de Covid-19.
Afirmaram que fazem jus à indenização por danos morais pleiteada em razão do grande abalo emocional e sofrimento experimentados por conta da morte de sua mãe pela falta de oxigênio, devendo os réus responderem objetivamente por omissão específica.
Requereram a aplicação da inversão do ônus da prova nos termos do Codigo de Defesa do Consumidor (CDC) e também os benefícios da justiça gratuita.
Na decisão a juíza considerou “ser incontroverso” o fato de que a morte se deu em razão da falta de oxigênio na unidade de saúde pública em que estava internada. E que a Constituição Federal, estabelece que as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. “Não há como negar que cabia aos réus providenciarem o correto e suficiente abastecimento de oxigênio medicinal em suas unidades de saúde pública, como a que a Sra. estava internada”, afirma.
A decisão também diz que “a crise de desabastecimento de oxigênio no Estado do Amazonas no auge da segunda onde de Covid-19, que teve seu auge nos dias 14 e 15 de janeiro de 2021 é fato público e notório, tendo sido matéria jornalística em todo o país e no mundo”. E que, “além disso, a falta de presteza, agilidade e organização dos réus na solução do problema também é fato público e notório, tendo sido, inclusive, matéria de discussão em CPI no Senado Federal”.
“A omissão específica dos réus, portanto, é gritante, haja vista que tinham o dever de agir para evitar o colapso no sistema de saúde quanto à falta de oxigênio e não o fizeram. Não há que se cogitar, como fez o Estado do Amazonas, de ocorrência de excludentes da responsabilidade civil como o caso fortuito e a força maior. Isto porque, a primeira onde de COVID 19 no Estado ocorreu em março e abril de 2020, quase um ano antes, de modo que já era de conhecimento dos réus a gravidade da pandemia e o colapso que ela provocava no sistema de saúde”, diz a decisão.
Segundo a juíza, “o dano sofrido pelas autoras salta aos olhos, já que a perda de um ente querido em razão da omissão dos réus em abastecer adequadamente suas unidades de saúde com oxigênio medicinal é incomensurável, ainda mais se tratando de mãe”. E o “desespero, a dor, a tristeza e a revolta experimentados pelas filhas ao saberem que sua mãe perdeu a vida asfixiada por falta de oxigênio é evidente e refoge ao simples dissabor do dia-a-dia.”
Veja a íntegra da decisão:
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