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Amazonas

Amazônia levará Brasil à liderança global por cumprir metas climáticas, diz Carlos Nobre

Respeitado mundialmente, cientista e climatologista Carlos Nobre defende início em janeiro de operações contra desmatadores e demarcação de mais terras indígenas.

Climatologista Carlos Nobre. (Foto:Reprodução)

O climatologista Carlos Nobre, um dos especialistas em mudanças climáticas e Amazônia mais respeitados do mundo, frisa que o desmatamento deve ser combatido desde o primeiro dia do governo Lula.  Em entrevista ao jornal  O Globo., o cientista falou sobre os desafios do próximo governo federal para a gestão no meio ambiente.

Cotado para a equipe de transição, Nobre diz que Lula e a Amazônia estarão no centro das atenções da COP27. O cientista está convicto de que, ao acabar com o desmatamento, o Brasil chegará à liderança ambiental mundial e poderá ser o primeiro país a cumprir suas metas climáticas.

Durante os governos anteriores do presidente Lula, o Brasil conseguiu reduzir em 80% o desmatamento. Conseguirá o mesmo agora?

Sim e até mais. Com vontade política, o Brasil tem condições de reduzir drasticamente o desmatamento e, com isso, tornar-se o primeiro país entre os maiores emissores de CO2 do mundo [somos o quinto], a cumprir suas metas climáticas. Pode se tornar NET zero [zerar as emissões líquidas de gases do efeito estufa] em 2040. Hoje, 50% das emissões brasileiras são provenientes do desmatamento.

Qual o tamanho do desafio?

O desafio é maior agora do que há 18 anos, quando o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm) foi criado no primeiro governo de Lula, em 2004. Naquela época as taxas de desmatamento eram maiores. Mas hoje o crime organizado, que financia o desmatamento, está mais poderoso e disseminado. Temos grandes avanços tecnológicos, mas temos problemas na segurança.

Quais os avanços e os problemas?

A tecnologia, que já era boa em 2004, quando o Deter (sistema de alertas diários do Inpe) foi criado, avançou muito. Hoje os satélites enxergam uma árvore cortada, as imagens têm resolução de três metros. Sistemas de monitoramento são capazes de cruzar dados e pegar o desmatamento no berço, no primeiro dia. Flagrar o crime não é o problema.

E qual é?

Prender o verdadeiro desmatador, quem financia a derrubada da floresta, o “ogronegócio”, gente ligada ao crime organizado, como o PCC e o Comando Vermelho. Quando os agentes chegam em campo encontram e prendem os que executam o desmate, quase sempre gente que vive em condições miseráveis, mas não quem manda desmatar. O desmatador é quem financia a destruição da floresta. São esses que precisam ser pegos e punidos. Mas há meios para capturá-los também.

Quais?

Inteligência, a mesma que foi tão importante antes e que agora é fundamental. Você pode, por exemplo, descobrir quem comprou tratores e todo o maquinário caro usado para destruir a Amazônia. O desmatamento é um crime mais difícil de encobrir do que outros delitos aos quais essas redes criminosas estão envolvidas, como tráfico de drogas, armas e animais, porque é claramente visível e rastreável. O obstáculo não está aí.

E onde está?

Em contar com uma ação rápida e forte da Polícia Federal. Cabe à PF entrar em campo e prender. E ela precisará estar em sintonia com os órgãos ambientais, algo que não existe hoje. Durante o governo Bolsonaro, todas as ações contra desmatadores que a PF fez foi por ordem de juízes.

O que será fundamental?

A meu ver, é fundamental realizar grandes operações logo em janeiro. Elas têm efeito prático e simbólico. Há muitas possibilidades. Existe, por exemplo, um mercado negro de fazendas em terras públicas. Uma possibilidade seriam operações de embargo e confisco em fazendas que estão em área invadida e desmatada. Há centenas delas para confiscar equipamento e rebanho. Outra necessidade é acabar com o garimpo, e é fundamental destruir equipamento em campo, porque dá prejuízo ao desmatador. Também fazer operações em áreas com altos índices de desmatamento, como cidades do Sul do Amazonas e Novo Progresso, no Pará, por exemplo. Há outras frentes de atuação para os primeiros dias.

Quais são essas frentes?

Anunciar a demarcação do maior número possível de terras indígenas e a criação de unidades de conservação. E demarcar rapidamente. Isso foi feito no passado e teve um papel muito importante. E mais para a frente há uma série de medidas.

Quais?

No passado, houve subsídio aos municípios que conseguiram reduzir o desmatamento, essa é uma política importante e que foi muito eficaz. Também penso ser preciso foco nas rodovias. Elas são o principal vetor do desmatamento. Deveria haver uma negociação para não pavimentar rodovias, como a BR-319 (Manaus-Porto Velho), até que o desmatamento seja reduzido.

O que podemos esperar dos números de desmatamento deste ano?

Os números do Prodes/Inpe costumam sair em novembro, mas acho improvável que o governo Bolsonaro os apresente durante a COP27. Não deve haver redução. No melhor cenário, a área desmatada deve ficar na faixa dos 13 mil quilômetros quadrados, uma enormidade. Como o Prodes mede o desmatamento de agosto do ano corrente a julho do ano seguinte, a taxa de 2023 será alta e refletirá a explosão de derrubada da floresta que tivemos em setembro, outubro e, ao que tudo indica, novembro deste ano.

Há cientistas que consideram que algumas áreas do Sul da Amazônia, intensamente desmatadas, já entraram na chamada fase de não retorno, quando a floresta começa a virar savana. O senhor foi pioneiro em alertar sobre esse risco. Como vê a situação?

É um momento perigoso, mas acho que há esperança se o desmatamento for detido logo. De qualquer forma, é preciso salientar que existem duas grandes áreas do mundo que já sofrem acelerada mudança climática. Uma é o Oceano Ártico, que está de 3°C a 4°C graus mais quente. A outra é o Sul da Amazônia, onde a estação seca já é quatro a cinco semanas mais longa, como resultado da combinação do desmatamento com alterações do clima global. É uma área de cerca de 2 milhões de km². Nosso desafio é imenso.


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