Amazonas
30% das empresas do Amazonas investigadas por comércio ilegal de madeira alimentaram mercado brasileiro
As madeireiras suspeitas estão em Manicoré, Humaitá, Maués, Apuí, Lábrea, Novo Aripuanã, Manacapuru, Itacoatiara, Rio Preto da Eva e Manaus; madeira amazônica ilegal serviu para diversas áreas do País, como construção e decoração.
Quase 30% das madeireiras suspeitas de participação no mercado ilegal de madeira da Amazônia transportaram o produto dentro do Brasil em 2020, apesar das investigações em curso na PF (Polícia Federal) e no MPF (Ministério Público Federal). As madeireiras investigadas estão em Manicoré, Humaitá, Maués, Apuí, Lábrea, Novo Aripuanã, Manacapuru, Itacoatiara, Rio Preto da Eva e Manaus, todos municípios do Amazonas. As informações são do jornal Folha de S.Paulo.
A madeira amazônica alimentou o mercado da construção, da decoração e de outras áreas nos estados mais ao sul do País, como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás e Santa Catarina. Uma compradora de uma dessas empresas é a Amaggi Exportação e Importação, que integra o grupo Amaggi, gigante do agronegócio.
A Folha revelou neste domingo (6) que a PF e o MPF apontam suspeitas sobre a atuação de 61 madeireiras, principalmente ao sul do Amazonas. Elas são investigadas na Operação Arquimedes, a maior já deflagrada sobre o mercado ilegal de madeira no País.
Um vasto esquema de pagamento de propina, com 20 denominações diferentes dadas pelos investigados, garantiu a lavagem de madeira, parte dela exportada para outros países, segundo documentos das investigações. A Folha fez um cruzamento de informações para constatar a atuação intensa das madeireiras em território nacional, um ano depois da deflagração da segunda fase da Operação Arquimedes, em 2019 –as investigações prosseguem.
A reportagem cruzou os dados das 61 madeireiras identificadas nos documentos da PF e do MPF com os dados abertos alimentados pelo Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), referentes à guia necessária para o transporte de madeira.
Essa guia se chama DOF (documento de origem florestal), e é imprescindível para o transporte do produto, sejam toras, madeira serrada ou ripas, por exemplo. Das 61 madeireiras investigadas, 18 (29,5%) fizeram uso de DOFs para transportar madeira ao longo deste ano.
O esquema investigado por PF e MPF consiste em fraudes relacionadas a esse sistema. Créditos artificiais eram criados para garantir a inclusão de madeira ilegal –extraída principalmente de áreas de conservação e terras indígenas– no sistema de toras cortadas de áreas de manejo, autorizadas por órgãos ambientais locais.
As 18 madeireiras que seguem com um comércio intenso com outras empresas, apesar das suspeitas levantadas pelos órgãos de investigação, têm 8,2 mil registros de DOFs no sistema do Ibama. Um mesmo DOF pode se referir a uma mesma carga, mas cada registro equivale a uma espécie ou um tipo de madeira transportado.
Dentre esses casos, a Folha não constatou a existência de outros países como destino final do produto. A exportação pode ocorrer a partir das empresas compradoras, mas o perfil da grande maioria dos clientes mostra que a madeira acaba alimentando o mercado doméstico.
Esta constatação contradiz o discurso do presidente Jair Bolsonaro. Em uma reunião virtual da cúpula do Brics, bloco que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, Bolsonaro disse que divulgaria quem são os países compradores de madeira ilegal da Amazônia brasileira. A ameaça foi feita em 17 de novembro.
O presidente se baseou nas investigações da Operação Arquimedes para fazer a ameaça, que não foi cumprida. Parte da madeira amazônica extraída de forma ilegal alimenta o mercado exterior, mas numa proporção bem inferior à movimentação dentro do País. Técnicos do Ibama ouvidos pela reportagem estimam que 90% dessa madeira fica no Brasil.
Uma reportagem publicada pela Folha em 18 de novembro mostrou que dois despachos da presidência do Ibama facilitaram a recirculação de madeira ilegal no mercado doméstico e flexibilizaram a fiscalização.
As madeireiras investigadas, e de onde é despachada a madeira, estão em Manicoré, Humaitá, Maués, Apuí, Lábrea, Novo Aripuanã, Manacapuru, Itacoatiara, Rio Preto da Eva e Manaus, todos municípios do Amazonas.
Não é possível, a partir da análise dos dados disponíveis no banco de informações do Ibama, somar a quantidade comercializada e transportada pelas 18 madeireiras. Somente uma delas transportou 8,5 mil metros cúbicos de toras retiradas da vegetação em Lábrea, destinadas a outras cidades do Amazonas e a Rondônia.
Os registros dos DOFs apontam que a madeira tem origem aparentemente legal, sendo oriunda de áreas de manejo autorizadas por órgãos ambientais. São espécies como samaúma, cerejeira, angelim, roxinho e ipê.
A WS Madeireira Ltda., que teve contêineres apreendidos pela PF em 2019 no porto de Manaus, segue transportando madeira em 2020. O banco de dados do Ibama aponta 1.387 registros de DOFs, com envio do produto a estados como Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Ceará, além de cidades no Amazonas. Algumas espécies são angelim, ipê e jatobá.
A Amaggi Exportação e Importação é uma das destinatárias, conforme os registros do Ibama. Advogado da WS, Marcelo Augusto Pinheiro disse que um contêiner foi liberado e uma multa, derrubada. Outros dois contêineres permanecem apreendidos e o restante das multas foi parcelado, conforme o advogado.
“A Operação Arquimedes não foi 100% correta. A imprensa militante e os ecoterroristas ficam escrevendo o que não é correto”, disse Pinheiro. “A PF não pode colocar todos no mesmo balaio de gatos. Tem madeireiro bom e madeireiro mau.”
Em nota, a Amaggi afirmou que todas as suas compras estão em consonância com a regularidade ambiental e as licenças relacionadas. “A biomassa é utilizada como fonte de energia para caldeiras e secadores de grãos. Toda compra está coberta da devida documentação exigida por lei, emitida pelos órgãos ambientais responsáveis, bem como com os registros junto ao Ibama.”
Já a L Dias Comércio de Madeiras tem 1.122 registros de DOF em 2020, conforme o banco de dados do Ibama. Transportou madeira serrada e vigas de cedrinho, cupiúba e maçaranduba para estados como São Paulo, Minas, Espírito Santo, Goiás e Rio Grande do Sul.
Segundo as investigações da PF e do MPF, a madeireira é suspeita de receber créditos indevidos de madeira oriunda de áreas de manejo. Documentos mostram também pagamentos da empresa a servidores do Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), órgão responsável por certificar o funcionamento dessas áreas de manejo.
Uma terceira madeireira com movimentação expressiva é a Três R Comércio de Madeira, com 1.023 registros de transporte neste ano. A empresa transportou principalmente toras e madeira serrada de angelim, faveiro, jequitibá e maçaranduba. Ela é suspeita de crimes ambientais e fraudes no sistema de DOFs, conforme as investigações.
A reportagem ligou nos telefones informados das madeireiras e em escritórios de contabilidade, mas não conseguiu localizar nenhum responsável. O Ibama não respondeu aos questionamentos da reportagem.
O Ipaam, em nota, afirmou ter suspendido licenças de empreendimentos envolvidos nas fraudes e disse ter mudado o fluxo de processos, com informatização do licenciamento. Servidores investigados foram afastados por decisão da Justiça, segundo o órgão.
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