Amazonas
‘Dos processos que vi, todos tinham fraude’, diz delegado que levou à queda de Ricardo Salles
Em debate sobre saídas para brecar o desmatamento, delegado que denunciou o então ministro Ricardo Salles pede transparência e fiscalização.
“Dos processos que vi pessoalmente em 10 anos, nunca vi um que não tivesse fraude do início ao fim”, disse o delegado da Polícia Federal Alexandre Saraiva, famoso por ter levado à queda do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, durante o governo Bolsonaro, ao site Rede Brasil Atual.
O servidor federal, que denunciou Salles à Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2021, em meio à maior apreensão de madeira ilegal da história, se referia a processos de autorização para o desmatamento na Amazônia travestidos de regularização fundiária.
Em participação em debate no canal do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam), presidido pelo ambientalista Carlos Bocuchy, na noite desta segunda-feira (29), Saraiva teceu um panorama da destruição da floresta. Em pouco mais de uma uma hora e meia de conversa, explicou que não é por acaso que 99% da madeira que sai da Amazônia é ilegal.
“A exploração da madeira é o motor econômico do negócio. O colapso da produção mudou a dinâmica mundial. Com a exploração excessiva no sudeste asiático, caiu a produção. O preço da madeira tropical subiu no mercado e se tornou atraente. Então é preciso chegar e desmatar uma área grande para tirar. E como se faz isso? Terra indígena, unidade de conservação”, disse o delegado, autor de Selva: Madeireiros, Garimpeiros e Corruptos na Amazônia Sem Lei, lançado recentemente. No livro ele reconstitui sua trajetória de uma década como superintendente da Polícia Federal em Roraima, Maranhão e Amazonas.
Legalização do desmatamento
Mas é preciso legalizar tudo isso, conforme lembrou. E para isso, vale tudo: a abertura de lavouras de soja, criação de gado.”99% da madeira extraída da Amazônia é ilegal. Primeiro, porque ele não paga matéria prima, eletricidade, nem mão de obra, análoga à escrava. Como alguém que vai produzir de maneira legal vai competir com essa gente? Impossível. Depois vem o gado, com o “boi zelador”; para dar ideia de posse, a soja. A atividade econômica nem é o boi. Nem eles vão plantar tanto”, disse Saraiva.
Um levantamento realizado por ele mostrou que a produção agropecuária na Amazônia foi de 6% em um período de 10 anos, no qual o desmatamento foi de 90%. “Eles desmatam, não plantam, vão nos bancos oficiais, oferecem aquela terra grilada para garantia do empréstimo, não plantam, não pagam e recebem. Uma fraude bilionária. Não pagam e vão no ‘Proagro’, que é um seguro para atividade agropecuária que o governo Bolsonaro colocou quase R$ 2 bilhões em 2020 e mais R$ 2 bi no ano seguinte. Por isso que essa bancada do agronegócio está visceralmente ligada aos madeireiros também”, disse, ressaltando que o termo “madeireiro ilegal” é pleonasmo.
Mas em meio a um cenário tão desolador, a boa notícia é que há saídas possíveis. E inclusive já implementadas para barrar a destruição da floresta: transparência e fiscalização para agir nos pontos fracos das organizações criminosas.
Fiscalização nos portos, rodovias e hidrovias
Para Alexandre Saraiva, qualquer plano para para eliminar o desmatamento tem de atacar os portos, rodovias e hidrovias. E auditar processos administrativos. “Como um negócio que atua com automóveis furtados tem de ter esquema no Detran para vender aquele carro, com madeira é a mesma coisa. Só que no setor ambiental. Dez fiscais do Ibama, mais dez peritos policiais já passam ali um pente fino, pra começar. Fiscalização nos portos, rodovias e hidrovias. Checar as placas de onde está vindo a madeira. E a palavra-chave para o longo prazo é a rastreabilidade. Provar que a madeira X saiu da área X e não da Y”, disse.
Ele destacou também a existência de satélites, entre eles, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que possibilitam imagens de desmatamento e garimpo. E citou operações bem-sucedidas da Polícia Federal. E o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) em julgamentos relativos a questões ambientais.
“Essas organizações criminosas se tornaram tão poderosas que só quem tem estatura para bater de frente é o STF. Nenhuma outra tem. E felizmente o STF tem histórico em questão ambiental. Porque é inevitável que nessas operações se encontre alguém com foro privilegiado. Antes eu achava ruim quando alguma ação ia para o supremo. Hoje dou graças a Deus. Tem TRF (Tribunal Regional Federal) que mandou devolver madeira apreendida. Tem juiz que mandou literalmente entregar o ouro ao bandido”, afirmou.
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