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Amazonas

Vice-presidente Alckmin defende exploração de potássio no Amazonas, diz jornal

A exploração da reserva de potássio fica em território indígena não demarcado e de uso tradicional do povo mura, em Autazes, no Amazonas.

Vice presidente e ministro Geraldo Alckimin. (Foto:Reprodução)

O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin (PSB), defendeu em público a exploração da reserva de potássio em território indígena não demarcado e de uso tradicional do povo mura, no Amazonas. As informações são do jornal Folha de São Paulo.

A defesa de Alckmin da mineração na região ocorreu em reunião do CAS (Conselho Administrativo da Suframa – Superintendência da Zona Franca de Manaus) no final de março. Segundo a Justiça Federal do Amazonas, que suspendeu o licenciamento da atividade na área, as terras são de uso dos indígenas há cerca de dois séculos.

No discurso, Alckmin disse que a mina no Amazonas “pode ser um dos maiores investimentos do país” e representa a possibilidade de o Brasil deixar de importar 98% do potássio, usado como fertilizante na produção do agronegócio.

Alckmin acena

No mesmo dia, 24 de março, antes de ir a Manaus, o vice-presidente se reuniu com o ministro do Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), Carlos Fávaro (PSD), para tratar do Plano Nacional de Fertilizantes.

Por nomeação do presidente Lula (PT), Alckmin assumiu a presidência do Confert (Conselho Nacional de Fertilizantes e Nutrição de Plantas). Fávaro também defende a exploração da reserva no município de Autazes (AM). Ambos receberam o presidente da empresa Potássio do Brasil, Adriano Espeschit, no início de março para discutir o projeto.

“O Brasil é o maior exportador de alimentos do mundo. Precisamos de indústria de fertilizantes. Importamos 98% do potássio. E o potássio é Amazonas, é Autazes. Vamos trabalhar com empenho para resolver o problema jurídico”, afirmou Alckmin no evento do CAS.

“Não é possível levar cinco anos para discutir se a competência é do Ibama ou do Ipaam [órgão ambiental do governo do Amazonas]”, completou.

“Queria destacar uma coisa, sobre a importância da mineração —mineração bem feita, legal, respeitando o meio ambiente. Pergunto para vocês: qual o município mais rico?”, disse.

“Não é em São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais ou Paraná. O maior PIB per capita do Brasil é em Canaã dos Carajás, no Pará. Mineração. R$ 480 mil PIB per capital ano. Por pessoa, por ano. Você divide por 12, dá R$ 40 mil reais para cada um. Evidente que, infelizmente, não é igual. Mas é impressionante.”

Em agosto de 2020, o MPF do Pará recomendou ao Incra apuração sobre compra irregular de lotes da reforma agrária para implantação do projeto de mineração em Canãa dos Carajás.

Após a defesa da mineração puxada por Alckmin, o governador do Amazonas, o bolsonarista Wilson Lima (União Brasil), reproduziu discurso usado em eventos com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

“Precisamos diversificar as atividades da Zona Franca de Manaus e conciliar com os recursos que temos, como o gás natural e o potássio de Autazes. A reserva tem capacidade de fornecer 25% do potássio do Brasil por 30 anos, fora as outras já descobertas na nossa região”, afirmou.

O senador Omar Aziz (PSD), no mesmo evento, ampliou a defesa da mineração para a legalização da exploração de ouro.

“Eu discordo do presidente Lula em relação à exploração da mineração. Veja o que está acontecendo hoje e não vai parar. Pode prender, pode tocar fogo que não vai acabar. Presidente Alckmin, o Japurá é um rio que tem dois municípios, Maraã e Japurá. Sabe quantos quilos de ouros estão tirando por mês e mandando do Japurá para a Venezuela? 500 quilos”, disse.

“Essas riquezas finitas que são retiradas da Amazônia —e não há investimento nenhum para gente, só depredação— poderia muito bem, uma lei sustentável, você poder tirar e ajudar a população que mais precisa no interior.”

No governo Bolsonaro, o licenciamento da reserva de potássio de Autazes passou do Ibama para o Ipaam (Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas), o que é contestado pelo MPF-AM. Neste ano, Jaiza Fraxe, juíza da 1ª Vara da Seção Judiciária Federal do Amazonas, determinou que Ibama e Funai que se manifestem sobre o caso e suas eventuais competências.

O Ipaam, órgão ambiental do Amazonas para emissão de licenças, tem como diretor-presidente Juliano Valente, genro do presidente do PT-AM e deputado estadual Sinésio Campos, defensor de mineração, inclusive em terra indígena. No ano passado, Sinésio chegou a declarar que Bolsonaro “estava nisso só há três anos” e ele há mais de duas décadas.

Durante a campanha à Presidência, no ano passado, em entrevista à rádio Difusora do Amazonas, Lula disse ser contrário à mineração na Amazônia, mas que poderia discutir o assunto.

“Eu, sinceramente, não acho que a gente precise fazer mineração na Amazônia, se tiver algum minério que seja imprescindível para o país vamos discutir. Com a sociedade brasileira, com o povo da Amazônia, com o Congresso Nacional e fazer uma coisa da maior seriedade envolvendo a sociedade brasileira. Porque a gente não pode brincar em destruir a Amazônia.”

O licenciamento do minério usado em fertilizantes —produtos que passaram por uma crise com a Guerra da Ucrânia— foi suspenso pela Justiça Federal em setembro. A decisão foi confirmada pelo TRF1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região).

As decisões atendem a pedido do MPF do Amazonas e indicam que há provas de que a empresa Potássio do Brasil desenvolve atividades na Terra Indígena Soares/Urucurituba, não demarcada por lentidão da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), que protelou o processo durante o governo Bolsonaro.

A juíza Jaiza Fraxe, na decisão em setembro, com uso de documentos históricos da época da Cabanagem —revolta popular, liderada pelos muras, que defendia a independência da região no período do Império—, aponta que o grupo vive na Terra Indígena Soares/Urucurituba, em Autazes, desde 1838. As comunidades ficam onde a Potássio do Brasil quer explorar o minério.

Procurada pela reportagem, a Potássio do Brasil diz que “todas as futuras operações da empresa estão fora de terras indígenas homologadas e delimitadas”.

A empresa afirma ainda que tem projetos de mitigação socioeconômica e ambiental para a região e que se pauta pela sustentabilidade. A companhia diz que estão previstas contrapartidas às populações tradicionais, que, segundo a nora, foram ouvidas antes da concessão da licença prévia.

Questionado sobre as declarações de Alckmin, o Ministério dos Povos Indígenas afirmou, em nota, que qualquer atividade exploratória próxima a territórios indígenas deve se pautar pela escuta aos mesmos, como preconiza a Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho).

“Se não houver regulamentação para esta prática, esta é, portanto, considerada atividade ilícita”, diz a pasta.

A Funai, por sua vez, diz que a decisão judicial para demarcação da terra indígena já está sendo atendida, com uma equipe em campo neste momento. Após a avaliação na comunidade, segundo a autarquia, serão feitos estudos para delimitação da área.

Também procurado, o MMA (Ministério de Meio Ambiente e Mudança do Clima) afirma que o Ibama analisa a decisão da Justiça Federal sobre a competência do licenciamento “para emitir manifestação em juízo”.

A reportagem também contatou Mapa, Ipaam e MPF-AM para que comentassem o caso, mas não houve resposta até a publicação.

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.


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