Brasil
Sem preservação, Amazônia desaparecerá em dez anos, diz Ricardo Galvão
Agora, aos 75 anos, o professor aposentado da USP ocupa o cargo de presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
O cientista Ricardo Galvão está apreensivo com a dimensão das mudanças climáticas provocadas pelo homem e que colocam o planeta em risco cada vez maior. Ele entende que o mundo precisa diminuir fortemente a emissão de gás carbônico e incrementar o desenvolvimento sustentável, sobretudo na Amazônia. A entrevista foi publicada na revista Istoé.
“Se isso for feito, estaremos no céu, mas se nada fizermos, dentro de cinco ou dez anos as nossas florestas desaparecerão e aí estaremos no inferno”, assegura. Físico que foi apontado pela revista Nature como um dos dez cientistas mais importantes do mundo em 2019, pode exibir em seu currículo, com muito orgulho, que foi exonerado por Jair Bolsonaro do comando do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), sob alegação de que os dados sobre o desmatamento da Amazônia eram mentirosos – quando, ao contrário, mostravam a realidade e revelavam a aceleração de crimes ambientais na região.
Agora, aos 75 anos, o professor aposentado da USP volta a ocupar um cargo de importância para o futuro do País: o de presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Ele quer garantir que a produção acadêmica alcance a sociedade, ultrapassando o chamado “Vale da Morte”, que, para ele, seria uma espécie de fosso criado entre a produção científica das universidades e o mercado consumidor.
Como o senhor vê o mundo daqui a uma década em termos de aquecimento global?
Com preocupação. Estaremos entre o céu e o inferno. Se tomarmos medidas corretas com relação ao meio ambiente, será o céu. Para isso, precisamos diminuir fortemente a emissão de gás carbônico no mundo e tratar do desenvolvimento sustentável. É isso que precisamos ter em mente em relação à Amazônia. No Brasil, com o apoio da ciência e do conhecimento tecnológico, o governo precisa articular com os vários setores, incluindo parcerias com empresas, para alcançarmos um desenvolvimento sustentável. Se tomarmos esse rumo, nosso futuro será brilhante.
E se não tomarmos as medidas corretas para o meio ambiente?
Se não fizermos o que é preciso, aí será o inferno. Se não tomarmos medidas duras diante das mudanças climáticas que estamos vendo, dentro de um período de cinco ou dez anos, vamos atingir o ponto de não-retorno na Amazônia, como já disse o professor Carlos Nobre. As florestas desaparecerão, com a região sendo transformada em savana. Estamos em uma bifurcação e dependemos de políticas públicas e ações compatíveis com a sustentabilidade, para ver por qual caminho vamos seguir, se vamos para o céu ou para o inferno.
Como integrante da comissão de transição, o senhor já tinha ideia do trabalho gigantesco que será necessário para a retomada científica no País?
Ao contrário do MCTI, permeado por uma mentalidade militarista e, assim, oposta aos caminhos da ciência, não preciso me preocupar com relação ao pessoal no CNPq, que estava sendo bem conduzido, e também porque nossos profissionais são altamente especializados. Com relação ao orçamento, os recursos vinham caindo de 2014 a 2021, quando baixou para R$ 540 milhões, cinco vezes menos do que os R$ 2,77 bilhões de 2013. Teve apenas uma pequena recuperação, em 2022, mas por ações da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC). Com o governo Lula agora, o grupo de trabalho de Ciência e Tecnologia chegou a um acordo para obtermos um aumento emergencial por meio da PEC de Transição. Teremos R$ 400 milhões para bolsas e R$ 150 milhões para investimentos. E somente assim conseguimos alcançar um orçamento de R$ 1,911 bilhão para este ano. Lula irá à China no final do mês e a construção conjunta de mais um novo satélite de observação estará em pauta.
Ainda que a PEC da transição tenha permitido esse aumento emergencial, o senhor destaca a importância da participação de parcerias privadas, no campo de pesquisas e inovações?
Sim, é preciso esse apoio a pesquisas e bolsistas, porque geram produtos que vão para a sociedade. Esse é um problema sério no Brasil. As empresas no geral não investem em pesquisas, em desenvolvimento, quando seria preciso haver essa mão dupla. O CNPq tenta incentivar as parcerias com programas como o chamado Doutor na Indústria, para colocar pós-graduandos trabalhando em empresas do setor. O mais recente é o MAI/DAI, de Mestrado e Doutorado Acadêmico para Inovação. Precisamos dessa aproximação, de mestrandos com as indústrias.
Então, seu objetivo será alcançar uma “coligação” entre governo, academia e empresas privadas?
Exatamente. Só assim conseguiremos avançar, atravessar o que se chama de ‘Vale da Morte’, espaço que fica entre o que se produz na universidade e o que as pessoas compram no mercado. Esse processo, no Brasil, ainda tem falhas. É preciso a colaboração e a articulação entre a academia e as empresas, para que protótipos superem o nível de laboratório e ultrapassem barreiras, até se tornarem produtos comercializáveis no comércio.
E quais os pilares que o senhor pretende colocar o CNPq, para que a ciência renasça e a tecnologia ganhe fôlego no País?
Tenho a minha opinião pessoal, mas o trabalho será o reflexo conjunto do trabalho da diretoria executiva composta por quatro membros que ainda serão nomeados. E também é preciso um acordo sobre a política a ser adotada no CNPq, que passará por um conselho deliberativo onde está, por exemplo, a Academia Brasileira de Ciências.
Mas o senhor já tem propostas para reerguer o setor tecnológico?
Sim. E a primeira delas é aumentar substancialmente o montante dos nossos recursos em investimentos, para que tenhamos mais projetos de pesquisa e com valores mais altos. Hoje, no CNPq, 90% do valor total do orçamento vai para bolsas e somente 10% para investimentos e novos laboratórios. De toda forma, é um processo lento e por isso precisamos ter paciência. A segunda proposta é aumentar fortemente a quantidade de bolsas de pesquisas para jovens doutores se aprimorarem nas universidades e fixá-los no País. Nossa estimativa é de que temos 20 mil doutores formados no Brasil, que não têm emprego na indústria ou no governo. Porque já se passaram dez anos sem concursos. E também queremos atrair brasileiros que hoje estão no Exterior.
Atrair pesquisadores estrangeiros também?
Sim. Porque vemos que são parte importante nos países que estão em desenvolvimento. Dando sequencia às propostas para a reativação do setor, a terceira ideia é termos mais bolsas para estagiários no exterior, com cursos para pós-doutorado. Hoje, temos 700 alunos por ano, o que é muito pouco.
Existe algo também com relação ao acesso a essas bolsas?
Em nossa quarta proposta, estamos estudando as questões de igualdade de gênero e a racial. Com relação a gênero, estamos razoavelmente bem. As mulheres já têm a fatia de 70% em bolsas de mestrado e doutorado, mas ainda estão nos 30% em relação às mais avançadas, de pesquisa e produtividade. Historicamente, as mulheres estão ganhando mais protagonismo na ciência, produzindo mais e espero que se tornem ainda mais assertivas. Não se pode dizer o mesmo quanto à igualdade racial e isso acontece por causa de um problema muito sério: nós não temos dados correspondentes. O item não era obrigatório em cadastros e, assim, por enquanto, não conseguimos formular políticas nesse sentido. Mas estamos caminhando cada vez mais para ações afirmativas.
Recentemente, o CNPq recebeu visitas de comissões da Embaixada da China, em busca de parcerias. Neste caso, o Brasil parece se encontrar em uma saia justa, pois é tão parceiro comercial dos chineses como dos EUA. A ciência consegue passar ao largo dessas barreiras político-econômicas?
O Brasil tem um programa de colaboração científica de 30 anos com a China para construção de satélites de observação da Terra. O CBERS-4 (sigla traduzida do inglês para Satélites Sino-Brasileiros de Recursos Terrestres) monitora principalmente a Amazônia e agora também está sendo utilizado para imagens do Cerrado e do Pantanal. O governo anterior não fez nada com relação ao programa. Quando fui demitido do Inpe em 2019, havia um projeto de construir mais um satélite, que foi congelado. O presidente Lula irá à China agora no fim de março e o assunto deve estar em pauta. Entre EUA e China, o presidente tem habilidade para tratar com os dois países. Tem maturidade para fazer acordos que beneficiem o Brasil, tanto com a China como com os EUA.
O senhor se mostra atuante nas redes sociais, um fenômeno que também foi possível pelo avanço da tecnologia, campo que faz parte do escopo do CNPq. Apesar de rasas, o senhor considera as redes como importantes ferramentas de trabalho?
Você disse bem: são rasas e despertam ainda mais ansiedade na sociedade de hoje, com respostas muito rápidas e nada complexas. No caso das ciências, precisamos justamente de profundidade. As redes sociais funcionam, ou deveriam funcionar, como auxiliares. Fazem com que as pessoas adquiram uma falsa segurança a respeito da tecnologia. Mas, com a learning machine, a aprendizagem por máquina, estamos conseguindo aplicações importantes, como nos diagnósticos médicos.
Hoje a Inteligência Artificial é capaz de produzir respostas e produzir artigos inteiros sobre todos os assuntos, como é o caso do ChatGPT. Como o CNPq vê esse universo virtual?
A IA tem seus aspectos positivos e negativos. E, para chegarmos aos programas, precisamos de bases de dados e técnicos para fazer esses levantamentos. É preciso grandes investimentos em Tecnologia da Informação (TI). O CNPq ainda não conta com os recursos necessários nesse segmento. Em 2021, o orçamento do CNPq baixou para R$ 540 milhões, e este ano, graças à PEC de Transição, teremos R$ 1,9 bilhão.
Para trabalhar com ciência, é preciso imaginação e criatividade. O senhor, que é cientista, pode fazer um exercício do que nos espera no futuro?
Os avanços incomodam. No fim do século 19, um físico não via mais nada a se fazer em matéria de ciência, depois da adoção do Kelvin (unidade básica internacional para a escala da temperatura termodinâmica). Mas acabaram ocorrendo novas descobertas na mecânica quântica e na genética, com resultados altamente positivos. Estamos em uma fase de transição, da computação quântica, por exemplo, que ainda não sabemos no que vai dar. Só precisamos estar atentos para não desviarmos nossas atenções.
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