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Amazonas

Estudos com amostras de ar indicam que emissões de CO2 na Amazônia dobraram depois de 2018

Projeto que coletou amostras de ar por avião durante dez anos culpa desmate e queimadas pelo aumento; pela primeira vez, cientistas viram oeste da região emitindo mais carbono do que absorve.

Área de floresta desmatada e queimada em Lábrea, no sul do Amazonas. (Foto: Edilson Dantas / Agencia O Globo)

Um projeto de pesquisa que coletou amostras de ar por avião na Amazônia ao longo de dez anos mostra que, em 2019 e 2020, a emissão de CO2 na região mais que dobrou em relação aos oito anos anteriores. Os aumentos, de 83% e 117%, são explicados sobretudo pela aceleração do desmatamento e das queimadas na região. As informações são do jornal O Globo.

As conclusões do trabalho, liderado pela cientista Luciana Gatti, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), foram submetidas à revista Nature e aguardam agora revisão independente.

A pesquisa é continuidade de um estudo que o grupo de Gatti publicou no ano passado e mostrava uma tendência preocupante para o leste da Amazônia, que em 2018 já estava emitindo mais carbono do que absorvia. Agora, pela primeira vez, os pesquisadores observaram um saldo negativo de carbono também no oeste da floresta.

O estudo divulgado pelos cientistas agora, além de mostrar o desequilíbrio no ciclo de carbono, indica que a floresta está mais seca, com queda de 12% de chuvas no período de comparação. A região analisada também foi mais quente, com aumento de 0,6°C no mesmo intervalo.

“Nós postulamos que as consequências do colapso na fiscalização levou a um aumento de desmatamento, queima de biomassa e degradação produzindo perdas líquidas de carbono e acelerando seca e aquecimento em partes da floresta”, escrevem os pesquisadores.

Entre 2010 e 2018, a média anual de emissão na região foi de 250 milhões de toneladas de carbono, mas subiu para 440 milhões em 2019, depois 520 milhões em 2020. Um dado preocupante é que as emissões de carbono estão aumentando proporcionalmente mais do que a área de floresta desmatada ou queimada, que cresceu 74% e 42% em 2020, em relação ao período de comparação. Segundo Gatti, esses dados indicam que o inventário de carbono enviado pelo governo brasileiro à convenção do clima está subestimado.

Força tarefa

O trabalho submetido agora à Nature é um dos levantamentos mais abrangentes sobre a Amazônia publicados em anos recentes. Além de Gatti, o estudo reuniu também outras duas equipes do Inpe, que mapeiam desmatamento e queimadas, lideradas por Claudio Almeida e Alberto Setzer.

Entre outros coautores está o climatologista Carlos Nobre, pioneiro em estudos sobre o clima e floresta, e dois professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Britaldo Soares Filho e Raoni Rajão, que estudam o impacto de políticas públicas sobre desmatamento e queimadas. Ao todo, 30 cientistas assinam o artigo.

Segundo Gatti, a capacidade da floresta de absorver carbono piorou mais do que ela esperava depois de 2018.

— Depois que o desmatamento desembestou, e com esse monte de queimada, eu esperava, lógico, que fosse aumentar, mas fiquei surpresa. Não esperava que tivesse piorado tanto — disse a cientista. — Uma das surpresas é que o lado oeste da Amazônia, mais preservado, também passou a ser fonte de carbono, em vez de sumidouro. Isso é uma tragédia, porque estamos falando das regiões mais profundas da Amazônia.

O desmatamento ocorrido no leste do Pará e norte de Mato Grosso já colocava a Amazônia Oriental com saldo negativo de absorção de carbono. Em 2020, com o desmatamento no sul do Amazonas e queimadas em Roraima, a porção ocidental da floresta também exibiu a mesma tendência.

A perda de chuvas descrita, segundo os cientistas, está ligada a desmatamento e degradação, porque com menos árvores para bombear umidade do solo, o ar sobre a floresta fica mais seco. Junto com isso, a temperatura sobe, porque a transpiração das plantas funciona para dissipar calor, tal qual um aparelho de ar condicionado.

Táxi aéreo

A obtenção dos dados sobre carbono que sustentam as conclusões da pesquisa envolveu um esforço logístico por parte dos pesquisadores. Sem ter avião próprio e estação de pesquisa na Amazônia, o Inpe desenvolveu um sistema de coleta automática adaptado a aviões de táxi aéreo de pequeno porte.

As coletas foram feitas em voos duas vezes por mês, em quatro pontos diferentes da Amazônia, representativos de nordeste, sudeste, sudoeste e noroeste da região. Cada vez que o piloto da aeronave chegava a um dos pontos, apertava um botão que acionava o dispositivo de coleta. O avião então espiralava para chegar em diferentes altitudes das quais os cientistas precisavam de amostragem.

Ao longo de todo o período de coleta, foram obtidas 742 amostras de ar, levadas ao Inpe, em São José dos Campos (SP), onde foram analisadas. Além dióxido de carbono, Gatti avaliou a concentração de óxido nitroso e metano, outros gases causadores de efeito estufa. A concentração de monóxido de carbono também foi medida, como forma de avaliar a intensidade de queimadas.

Os resultados de fluxo de carbono obtidos na pesquisa, diz Gatti, são um indício a mais de que o inventário de emissões que o Brasil envia à Convenção do Clima da ONU (UNFCCC) está subestimado.

— Existem três problemas que fazem o inventário ser meio distante da realidade. O primeiro é não considerar as emissões de queimadas. O segundo é não considerar as emissões de degradação florestal. O terceiro é considerar que todas as áreas protegidas estão absorvendo o carbono — explica. — As áreas protegidas deixaram de ser protegidas. Estão invadindo reserva adoidado, desmatando, e nada acontece.

No estudo, os pesquisadores da UFMG incluíram também o histórico de multas por desmatamento ilegal aplicadas e pagas, que caíram 42% e 89%, respectivamente, no período de comparação. Os dados sinalizam correlação entre a falta de fiscalização e o aumento de crimes ambientais após 2018.

O GLOBO entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente pedindo um comentário sobre o estudo dos cientistas do Inpe e da UFMG, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria. A primeira versão do artigo de Gatti e seus colegas foi publicada na plataforma Research Square, ligada à revista Nature.


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