Amazonas
Justiça condiciona linhão de energia entre AM e RR a medidas firmadas com indígenas
Em sua decisão, a juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe afirma que se a empresa Transnorte Energia decidir dar início à obra de forma unilateral “poderá haver bloqueio da conta de empresas beneficiárias.
A Justiça Federal no Amazonas determinou que a construção da linha de transmissão de energia prevista para interligar Manaus (AM) a Boa Vista (RR) só poderá ter início após a concessionária que é dona do projeto atender às medidas socioambientais firmadas com os povos indígenas da região.
Em sua decisão, a juíza federal Jaiza Maria Pinto Fraxe afirma que se a empresa Transnorte Energia, dona do projeto, decidir dar início à obra de forma unilateral, sem o pagamento das compensações, “poderá haver bloqueio da conta de empresas (públicas ou privadas) beneficiárias com a exploração da matriz energética decorrente do linhão”.
A Transnorte é uma sociedade de companhia privada Alupar e da estatal Eletronorte, criada especificamente para erguer essa linha de transmissão. Segundo a juíza da 1ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Amazonas, “não haverá suspensão do licenciamento se rés acolherem imediatamente a proposta de compensação oferecida pela Associação do povo Kinja – ACWA, na medida em que a compensação é parte da concordância com o grande empreendimento”.
O linhão, também conhecido como “linhão de Tucuruí”, ficou na gaveta do Ministério de Minas e Energia por uma década depois de ser leiloado, em setembro de 2011. O motivo da paralisação foi o impacto que a linha impõe à terra indígena Waimiri Atroari, onde hoje vivem mais de 2.300 indígenas. Dos 720 km da linha de transmissão, 122 quilômetros passam no meio de suas terras. Os indígenas não se posicionavam contra a obra de energia, mas exigiam ser consultados e ter suas condicionantes atendidas pela empresa.
“É fato incontroverso que os réus vêm avançando unilateralmente e de forma abrupta nas etapas do empreendimento Linhão de Tucuruí a despeito de não haver consenso e acordo com os Waimiri Atroari no item específico referente às compensações socioambientais”, afirma a juíza.
A decisão aponta que há um pleito compensatório com iniciativas que chegam ao valor de R$ 133,089 milhões, mas há uma série de medidas que estão previstas ao longo dos anos de concessão que não tiveram resposta da empresa.
Como exemplo de receitas auferidas pelo setor elétrico, a juíza menciona o caso da Amazonas Energia, empresa que teve lucro líquido em 2020 superior a R$ 500 milhões. Cita ainda a situação da Cemig, que teve lucro líquido de R$ 2,87 bilhões.
“Empresas de energia elétrica são as detentoras de lucros elevadíssimos no país, não havendo crise para elas, sendo inegável que a crise atinge apenas o consumidor brasileiro. Assim, a recusa no aceite da pequena proposta compensatória oferecida é indevida, injusta, desproporcional e sem qualquer plausibilidade”, afirma Jaiza Maria Pinto Fraxe.
A reportagem procurou o Ministério de Minas e Energia, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e a Transnorte Energia para comentarem o assunto. Não houve posicionamento até o fechamento deste texto.
“A comunidade Waimiri-Atroari nunca exigiu nada mais além do que o respeito aos seus diretos, simples assim”, disse ao Estadão o advogado da Associação Comunidade Waimiri Atroari, Harilson Araújo. “A ação foi movida pelo Ministério Público Federal, porque os direitos dos Kinja são legítimos. A decisão apenas corrobora a aplicação da Constituição, da convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e dos demais instrumentos legais e internacionais que garantem aos povos indígenas o respeito e conclusão adequada do processo de consulta prévia.”
Atropelo
Em outubro, conforme revelou a reportagem, a Funai deu aval para o início das obras do linhão sem definir um acordo básico e obrigatório do processo de licenciamento do projeto, ou seja, as compensações socioambientais que os milhares de indígenas da região devem receber devido aos impactos irreversíveis que serão causados pelo empreendimento.
Em ofício enviado ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), o presidente da Funai, Marcelo Xavier, deu autorização para que o projeto fosse realizado. Em uma breve lista de condicionantes ambientais do projeto, afirma que uma das exigências será “implementar grupo de trabalho para monitoramento dos impactos potenciais e discussão da valoração da compensação acerca dos impactos irreversíveis”. Não há nenhuma informação sobre como funcionará esse grupo, como será composto e qual será sua agenda de trabalho.
Naquele mesmo mês, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, esteve em Boa Vista e anunciou o início das obras. Segundo apurou o Estadão, houve pressão dentro do governo para que a licença fosse liberada e, assim, o ministro pudesse fazer o anúncio da obra, em alusão aos mil dias que completava o governo Bolsonaro.
A definição dessas compensações, em qualquer empreendimento, deve ser apresentada antes da anuência do órgão. Isso ocorre pelo fato de que aquela definição pré-determinada é o que garante ao povo indígena o direito de ela ser fiscalizada e monitorada. Se o concessionário descumprir o acordo, pode ser autuado e até perder sua licença. No caso do linhão, porém, essas premissas deixam de existir, uma vez que aquilo que vier a ser determinado, a partir da licença, não poderia mais ser questionado.
O plano básico ambiental sobre os impactos aos indígenas aponta 37 impactos à terra indígena, dos quais 27 são irreversíveis e terão que ser devidamente indenizados e mitigados. Alguns se esgotam com a construção da obra, mas outros serão permanentes. É sobre esses impactos que não se sabe como será a compensação.
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