Economia
Prato de arroz e feijão tem alta mais longa em oito anos, mostra estudo da FGV
Inflação da dupla está acima de 10% em 12 meses desde abril de 2020, aponta trabalho da FGV.
O prato de arroz e feijão, base alimentar do brasileiro, registrou até agosto o período mais prolongado de alta acumulada acima de 10% em 12 meses, na mesa do consumidor, dos últimos oito anos. É o que mostra levantamento exclusivo da Fundação Getulio Vargas (FGV), feito a pedido do Valor, com base nos preços do varejo dentro dos Índices Gerais de Preços (IGPs). As informações são do Valor Econômico.
Segundo André Braz, economista da FGV responsável pela elaboração dos dados, foi observada sequência de 16 meses com taxas acima de dois dígitos, na inflação no varejo do arroz e feijão, entre abril de 2020 e agosto de 2021. É o período mais duradouro, para essa série, desde a sequência de 19 meses acumulados entre fevereiro de 2012 e agosto de 2013. As taxas de inflação utilizadas nos cálculos consideram sempre a série de altas acumulada em 12 meses.
O aumento de custos, a queda de área plantada – o que reduz oferta – e problemas climáticos que afetam a produção levaram aos preços mais caros, segundo Braz. Ele classifica como “preocupante” o atual cenário. Isso porque permanência de arroz e feijão mais caros, por período tão longo, afasta esses produtos de forma contínua da mesa do consumidor, principalmente entre mais pobres.
O quadro de arroz e feijão em alta é observado em cenário em que o mais pobre tem que lidar também com o aumento do preço do gás de botijão, disse o economista. Em 12 meses até agosto, o gás de botijão, usado para cozinhar, acumula elevação média de 29,02% no varejo, disse Braz. Na pesquisa de preços da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o preço médio de revenda do Gás Liquefeito de Petróleo (GLP) no país, em botijão de 13 quilos, era de R$ 93,477 até 1o de agosto, maior patamar da série disponibilizada na internet pela ANP, desde 2004.
No varejo, as taxas de inflação acumuladas do gás de botijão e também do arroz e do feijão, junto ao consumidor, operam acima da média para setor de alimentos e para o varejo como um todo, na ótica da FGV. A alta acumulada em 12 meses até agosto nos preços de arroz e de feijão é de 23,48%. Para o mesmo período, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) da FGV, que mensura o
impacto de preços ao consumidor, acumula alta de 8,95%. Já a inflação dos alimentos registra aumento acumulado de 11,71%, para mesmo período.
Ao comentar o levantamento, Braz explicou que as taxas de inflação em 12 meses permitem visualizar melhor uma espécie de inércia inflacionária nos preços dos dois produtos. Ele admitiu não ser comum alta prolongada, como a atual, na inflação acumulada do arroz e do feijão no varejo.
Além disso, a alta de preços não dá sinais de interrupção, constatou. Segundo Braz, no setor atacadista, antes de o produto chegar aos pratos dos consumidores, também há sinais de continuidade de inflação acumulada prolongada nos produtos.
No mesmo levantamento, Braz apurou que, em 12 meses, no atacado, a inflação do arroz e feijão acumula alta de 19,62% até agosto, o 17o mês consecutivo acima de dois dígitos, nessa série. A conclusão é: se sobe no atacado, em algum momento parte dessa elevação de preços vai ser repassada ao varejo.
“E quem mais sente essa alta de preço de arroz e de feijão são os mais pobres”, reforçou. Braz disse que a fatia do orçamento destinada à compra de arroz e de feijão entre pobres é o dobro da registrada entre ricos. No IPC da FGV, que abrange renda mensal de até 33 salários mínimos, arroz e feijão respondem por 0,6% do cálculo total do indicador.
Mas no Índice de Preços ao Consumidor Classe 1 (IPC-C1), indicador também da FGV e que mensura impacto da inflação em consumidores com renda de até 2,5 salários mínimos mensais, arroz e feijão têm fatia de 1,2%, no total do indicador. “Esses dois são produtos de primeira necessidade entre os mais pobres”, alertou o economista da FGV.
A possibilidade de retirada de arroz e de feijão da mesa dos brasileiros mais pobres devido ao encarecimento de preço é um alerta para indicadores de fome do país, acrescentou Francisco Menezes, consultor de políticas da ONG ActionAid Brasil e ex- presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
O técnico faz parte do grupo de trabalho Agenda 2030, organização formada por entidades da sociedade civil e que faz monitoramento dos 17 objetivos de desenvolvimento sustentável pactuados pelo Brasil e outros 192 países da ONU.
Menezes disse que, em outubro do ano passado, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) anunciou que a insegurança alimentar grave – ou fome – esteve presente no lar de 10,3 milhões de brasileiros em 2018, segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) 2017-2018. Isso representou 5% da população brasileira de 2018 vivendo em insegurança alimentar grave, o que colocaria o Brasil de volta ao Mapa da Fome da ONU. Essa mapa é uma lista de países com mais de 5% da população ingerindo menos calorias do que recomendável e da qual Brasil não fazia mais parte desde 2014. “E esses dados são de antes da pandemia, de 2018”, disse. “Hoje com certeza esse quadro está muito pior”, disse Menezes.
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