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Economia

Folha: Com alta da gasolina, motoristas de aplicativo falam em ‘sufoco’ e desistem de atividade

Mercado de locação de carros aponta retração; em Fortaleza, estima-se que 80% devolveram os veículos alugados.

Preço da gasolina e pandemia impactam na atividade de carros por aplicativos. (Foto: Opep/Divulgação)

Desafiar condições precárias de trabalho virou rotina para motoristas de aplicativo ao redor do país. Durante a pandemia, a categoria viu o seu rendimento achatar, principalmente, pelo valor das tarifas não acompanhar o aumento da gasolina. A informação é da Folha.

Segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis), o preço da gasolina subiu 30% nas bombas em 2021, reflexo da recuperação da cotação do petróleo e do dólar caro. O GNV (gás natural veicular), muito usado pelos motoristas em capitais como o Rio de Janeiro, aumentou 26% no ano.

Segundo um levantamento feito pelo grupo Uber Fortes e Unidos, o número de motoristas de aplicativos cadastrados passou de 40 mil para 15 mil no Ceará. “Acreditamos que muitos saíram por não conseguirem manter o aluguel dos carros nessa crise econômica e sanitária”.

A desistência de motoristas refletiu no faturamento de locadoras de veículos. Em Fortaleza, no início da pandemia, locadoras começaram a pedir taxas de R$ 20 a R$ 50 por semana para evitar quebra de contrato. Quando a crise sanitária se agravou, estima-se que 80% dos motoristas que rodavam em carros alugados devolveram os veículos.

O diretor-executivo da Associação dos Motoristas Particulares Autônomos do Rio de Janeiro, Denis Moura, diz que o elevado preço dos combustíveis vem provocando redução no número de veículos disponíveis na cidade.

O problema é maior para aqueles que usam gasolina, mas mesmo quem roda no gás natural, cujo preço também está em patamares recordes, também está sendo penalizado.

Moura afirma que os motoristas têm evitado pegar corridas mais distantes de onde estão, para evitar rodar com o carro vazio. “O impacto está tão forte que a gente começa a perceber passageiros reclamando que o carro não chega ou que o motorista não atende.”

A associação questiona a falta de reajustes nas tarifas e diz que vem tendo dificuldades de negociar com as operadoras de aplicativos, principalmente com os escritórios fechados pela pandemia do novo coronavírus.

Em Fortaleza, Wildson Freire, 29, passa entre 12 e 13 horas trafegando pelas ruas em busca de boas corridas que compensem pagar o aluguel do veículo com o qual trabalha.

“A gente tenta, luta. Hoje passo mais tempo esperando, porque o repasse da Uber é muito baixo. Há tempos que não temos reajuste. O deslocamento, muitas vezes, não paga nem o litro de gasolina, muito diferente do que era há seis anos”, diz.

Na manhã de terça-feira (3), Freire ainda não tinha começado a trabalhar até ter recebido uma primeira solicitação. Tratava-se de um deslocamento maior que o percurso da viagem. “Não compensa rodar 5 km para levar o passageiro a 4 km de onde ele está, para ganhar R$ 6,62. A gente perde tempo e dinheiro”.

Durante os últimos 30 dias, Wildson chegou a 51% de taxa de cancelamento. Das 7.276 viagens solicitadas, o motorista aceitou apenas 426 corridas e concluiu um número ainda menor, 209, chegando a um percentual de aceitação de 5%.

O sindicato da categoria no Rio Grande do Sul organizou protestos este ano pedindo reajuste de 42% nas tarifas e tentou mediação diretamente com as empresas na Justiça do Trabalho, que acabaram não avançando.

O próximo passo, diz o diretor Germano Weschenfelder, deve ser demandar os apps em ações judiciais. Ele diz que há um consenso na categoria de que a renda caiu.

Silvair Oliveira e Silva, 42, motorista em Gramado, na serra Gaúcha, e membro do sindicato, diz que devido ao custo do combustível, que chega a custar R$ 6,62 na cidade, os ganhos dos motoristas giram em torno de R$ 5 por corrida.

“Tem manutenção do carro, despesas do dia-a-dia, alimentação, pneu, óleo. Não tem condições de chegar ao final do mês e pensar em fazer um churrasco para a família“, diz ele.

“O sistema que está hoje está nos sufocando. Muitos motoristas estão largando a plataforma porque não têm condições de trabalhar dessa forma”.

Em Porto Alegre, onde a gasolina custa em média R$ 6,20 e onde o trânsito é mais intenso, os motoristas começam as corridas perdendo R$ 0,65, calcula Guilherme Becher Rodrigues, 36, motorista e também membro da diretoria do sindicato. “Quase 60% do que a gente gasta é gasolina, mas pneu, óleo, isso tudo aumentou”, diz.

Além da tarifa há anos sem reajuste, ele afirma que o novo sistema da Uber favorece a empresa e prejudica motoristas ao fixar o valor repassado a eles pela corrida, mesmo em horários de tarifa dinâmica.

Por meio de nota, a Uber diz que os motoristas são parceiros da empresa, “não são empregados e nem prestam serviço à Uber”, mas “são profissionais independentes que contratam a tecnologia de intermediação de viagens oferecida pela empresa por meio do aplicativo”.

Sobre as tarifas, a Uber diz que a taxa de serviço pela intermediação das viagens, que era fixada em 25%, passou a ser variável em 2018 para que a empresa pudesse oferecer promoções a usuários e parceiros.

“O que não mudou é que, em qualquer viagem, o parceiro sempre fica com a maior parte do valor pago pelo usuário. Há confusão entre os motoristas parceiros sobre o valor da taxa porque em algumas viagens ele pode aumentar enquanto, em outras, pode diminuir”, afirma.

A empresa diz ainda que a média de ganhos para motoristas que trabalharam em média 40 horas por semana em Porto Alegre, no primeiro semestre do ano, foi de R$1.150 a R$1.240 por período, e que os preços dos combustíveis fogem ao seu controle.

A Uber afirma que trabalha para ajudar os motoristas com a redução de gastos fazendo parcerias, por exemplo, com uma rede de postos de combustíveis.


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